VIA SACRA DAS MÃOS
INTRODUÇÃO
Esta Via Sacra tem uma história.
O Escultor Lélio Collucini estava a fazer estudos para uma série de vitrais para uma igreja que receberia esculturas da sua autoria. Pintava os esboços nas costas duma velha passadeira. Nessa ocasião foi visitado pelo Frei José Carlos Corrêa Pedroso, autor do texto, que o entusiasmou a completar o trabalho e o adquiriu, tal como estava, para a Capela do Seminário da Nova Veneza, São Paulo (Brasil).
A Frei José Carlos Corrêa Pedroso os nossos agradecimentos por nos ter permitido divulgar esta Via-Sacra das Mãos, em Portugal.
Este esquema da Via-Sacra pode ser aproveitado de muitas maneiras:
1.ª Leitura de todo o texto por várias pessoas;
2.ª Omissão de uma citação bíblica;
3.ª Leitura apenas da introdução e da oração final;
4.ª Leitura da introdução e de algumas das considerações com ou sem oração final.
PRIMEIRA ESTAÇÃO
MÃOS QUE SE LAVAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Pilatos lavou as mãos diante do povo: «Sou inocente do sangue deste homem. Isto é lá convosco!»«Libertou então Barrabás e mandou açoitar Jesus e entregar-lho para ser crucificado.» (Mt 27,24 e26)
«Como aqueles diante dos quais cobrimos o rosto, era amaldiçoado e não faziamos caso dele». (Is 53,3)
Lavar as mãos como Pilatos é ter medo, é fugir da responsabilidade, é não querer compromissos, é talvez uma obsessão de não se sujar com a miséria dos outros. Cristo não foi condenado pelos que O acusavam, mas por aquele que não quis deixar-se envolver.
Senhor, até hoje nós continuamos a condenar-Vos. Todas as vezes que as nossas mãos se mativeram limpas do contacto com os esfomeados, os sedentos, os nus, os prisioneiros, os desempregados, nós afastamo-nos de Vós e entregamo-Vos à crucifixão.
Mas as vossa mãos amarraram-se por nós. Seria tão fácil libertar-Vos dessas cordas. Era só pedir um exercito de anjos! Seria ainda mais fácil nem ter vindo à terra para nascer como um de nós! E Vós amarraste-Vos como um rei de pobres!
Muitas vezes afastamo-nos dos nossos irmãos, porque daria trabalho estar com eles. Muitas vezes afastamo-nos porque eles estavam certos, mas toda a gente os condenava. E foi até com indignação que nos afastamos quando eles estavam errados.
Vós, quando nos amastes, nem pensastes nos nossos defeitos e nos nossos erros. Ou talvez talvez tenham sido eles a mover-Vos ainda mais para nos virdes ajudar, já que provavam que não nos livraríamos sozinhos.
Senhor, não queremos ser como Pilatos, queremos ser como Vós. Livrai-nos das mãos lavadas. Fazei que nos encontremos todos os dias convosco, comprometendo-nos com os nossos irmãos. Ensinai-nos a condenarmo-nos com eles, para nos libertarmo-nos todos juntos!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
SEGUNDA ESTAÇÃO
MÃOS QUE ASSUMEM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
« Ele próprio carregava a sua cruz para fora da cidade, em direcção ao lugar chamado Calvário». (Jo 19,17)
« Se alguém quiser vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me. Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele». (Lc 9,24 26)
As mãos de Cristo assumiram: aceitaram e abraçaram a cruz. Não a aceitaram como uma necessidade inevitável, mas assumiram-na porque Cristo nos ama. A sua cruz é a nossa porque é constituída pelas nossas recusas e pelas nossas rejeições.
Livrai-nos, Senhor, da tentação do sossego, que nos afasta das lutas dos homens. Livrai-nos dessa paz que é ausência de vida e ausência de amigos e de irmãos que dêem sentido à nossa vida!
Dai-nos, Senhor, a coragem de assumir as cruzes renovadas de cada dia, colhidas no caminho da construção da História e do Reino de Deus. Dai-nos a disposição de fazer tudo o que precisa de ser feito para que todos possam ser arrebatados pela vossa salvação.
Ensinai-nos a firmeza da vossa resolução, que sabe onde vai chegar. Dai-nos a certeza do vosso amor que sabe que não vai vacilar. Permiti-nos participar na vossa missão, como Vos dignastes comparticipar nas nossas!
Quando Vos encontramos e Vos conhecemos, entendemos que também a nossa vida, como a vossa, deve ser uma vida «ao serviço». Como é bom servir irmãos que, partilhando da vossa bondade, são tão bons!
A cruz é o sinal de Cristo. Quando a cruz nos assinala e nos marca, demonsta que realmente somos outros Cristos. Lembrai-nos disto nas horas aflitas em que nos sentimos esmagados e desorientados, para que nunca nos falte a alegria de agradecermos a cruz que é comum a todos nós e nos salva.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
TERCEIRA ESTAÇÃO
MÃOS QUE FIRMAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou os nossos sofrimentos; e nós julgámo-lo um castigado, um homem ferido por Deus e humilhado».
«Mas foi castigado pelos nossos crimes, e esmagado pelas nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre Ele, fomos curados graças aos seus padecimentos». (Is 53,4 - 5)
Jesus cai pela primeira vez. Abatido pela prisão e pelos açoites, cansado e perdendo sangue, não resistiu aos empurrões de tantas mãos e caiu no chão. Não é o evangelho mas a tradição que nos fala dessas quedas, certamente numerosas.
Deus não pode cair. As quedas de Jesus são as nossas quedas. Caímos quando erramos, caímos quando o nosso orgulho é desmascarado, caímos porque fracos, caímos porque incautos, caímos porque pretensiosos, caímos no pecado, caímos especialmente no desânimo.
Em todas essas quedas, menos no pecado, Cristo assumiu as nossas fraquezas, quis cair também. Não caiu por si, caiu por nós. E quando caiu foi certamente para nos levantar e para ensinar como devemos levantar-nos. As suas mãos firmaram-se no chão para recomeçar.
É difícil reconhecer as próprias quedas. É fácil observar e apontar as quedas dos outros. Apressamo-nos sempre a justificar as nossas quedas, mas não queremos dar aos outros a mesma oportunidade para explicar as suas.
Cristo não explicou nem justificou as nossas quedas ou as dos outros. Podemos dizer que caiu connosco, pois aceitou as consequências do nosso constante tombar. Mas fez-nos participar da sua justiça, para cada vez cairmos menos, para não cairmos mais.
Senhor, fazei-nos compreender e conviver com os irmãos que caem. Fazei-nos reconhecer a nossa fraqueza, que cai, e a nossa força, que é compartilhada convosco quando nos firmamos para nos levantarmos.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
QUARTA ESTAÇÃO
MÃOS QUE ACOLHEM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Que tem isso a ver comigo ou contigo, Mãe? Ainda não chegou a minha hora.» (Jo 2,4)
«Este menino está destinado a ser um sinal que provocará contradição. E uma espada trespassará a tua alma, para serem revelados os pensamentos de muitos corações». (Lc 2,35)
Segundo a tradição, Jesus encontrou a sua Mãe no caminho do Calvário. Ferido, tratado como malfeitor, já sinal de contradição, pois muitos se haviam definido contra Ele, a sua presença terá cravado fundo uma espada no coração de Maria. Mas as suas mãos acolheram-no certamente como na anunciação, no presépio ou no encontro do templo.
Entre outras semelhanças connosco, Deus quis ter uma mãe. E para as mães não importa que os seus filhos sejam tidos como belos ou inteligentes: para elas, são-no sempre. Elas acolhem-nos como pessoas, acolhem-nos pelo que são não pelo que fazem.
Nós, pelo contrário, quase sempre voltamos as costas, recusamo-nos, negamo-nos a abrir entradas no íntimo de nós mesmos, onde só nós existimos. Quando dizemos que aceitamos as pessoas é quase sempre porque descobrimos nelas alguma coisa proveitosa para nós.
Pela graça de Deus, Maria foi sempre diferente. Tomamos conhecimento dela quando disse sim, quando acolheu. Ela é a imagem da humanidade que acolhe, a imagem do que acontece à humanidade quando acolhe. O seu encontro com Cristo deve ter sido reconfortante pois evidenciou que os seus sofrimentos não eram inúteis.
Tudo o que acontece neste mundo é parte da presença de alguém. Quando acolhemos alguém sem considerar se é bom ou não, se é bonito ou não, esse alguém passa a ser melhor e mais bonito do que era antes. Foi isso que Maria viveu, foi isso que Cristo sempre viveu.
Senhor, que este encontro seja o modelo dos muitos encontros que marcastes connosco na pessoa de todos os perseguidos e desprotegidos que passam pela nossa vida; que sejam encontros libertadores e não dominadores... esmagadores...
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
QUINTA ESTAÇÃO
MÃOS QUE AJUDAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Saindo, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, a quem obrigaram a levar a cruz de Jesus». (Mt 27,32)
«Vim a mim vós todos os que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós... e achareis repouso para as vossas almas porque o meu jugo é suave e o meu peso é leve». (Mt 11, 28-30)
Jesus estava tão exausto que foi preciso pedir a um viandante que O ajudasse. Ajudá-lo a Ele que sustém o mundo e que tinha prometido aliviar todos os sobrecarregados, garantindo que o seu peso era leve.
Quando vemos Deus humilhado a este ponto, desmorona-se todo o mundo arrumadinho que tinhamos na cabeça: Deus lá em cima, distante dos homens, cuidando de tudo. Nós, quando esforçados, tentando chegar até Ele.
Vós olhaste-nos, Senhor, e vistes-nos subjugados e carregados! Para nos aliviar e dar repouso viestes carregar a nossa cruz! E sem ser obrigado. Só para nos mostrar que nós é que «fazemos para nós mesmos fardos insuportáveis»; que o vosso jugo é suave e o vosso peso leve!
Poderíamos ver neste episódio uma inversão da realidade, pois é Jesus quem carrega as nossas cruzes. A verdade é muito mais profunda: nós , outros Cristos, carregamos a cruz uns dos outros. E Cristo carrega-as todas connosco.
Senhor! Também nós, curiosos à beira do caminho, espectadores das misérias humanas, temos sidos obrigados com constrangimento a suportar a presença e o peso das sobrecargas do nosso próximo. Escapamos à colaboração sempre que possível, e por isso, Vos pedimos perdão!
Senhor, ensinai-nos a ver melhor a vossa face em todos os rostos doloridos que passam por nós. Ensinai-nos a amar-Vos em todos os ombros curvados que diariamente se cruzam connosco. Se tivéssemos a felicidade de amar de verdade o jugo seria suave e o peso leve!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
SEXTA ESTAÇÃO
MÃOS QUE CONFORTAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Não tinha graça nem beleza para atrair os nossos olhares, e o seu aspecto não podia cativar-nos. Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos». (Is 53,3)
«Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes». (Mt 25,40)
A tradição conservou a figura de uma mulher que, compadecida, enxugou o rosto de Jesus, ficando com um retrato do Senhor gravado a sangue nesse pano. Diz-se que se chamava Verónica, nome que quer dizer: imagem verdadeira.
A Verónica prestou, com muito amor, um pequeno serviço. Não tinha poderes para libertá-lo da condenação e da cruz, era uma pobre servindo outro pobre mais necessitado, mas o seu gesto ficou mais gravado na sensibilidade dos cristãos que a imagem de Cristo no pano com que lhe limpou o rosto.
Não é comum ver uma pessoa com o rosto coberto de sangue. Mas a nossa visão está povoada de rostos menos belos, porque reflectem a fome, a dor, a incompreensão, a solidão e mesmo o desespero. São rostos que geralmente nos fazem voltar a atenção para outro lado.
Apresentamos muitas desculpas para deixar de colaborar e larga faixa delas é atribuída à nossa incapacidade de resolver os problemas, aos nossos limitados poderes ou à nossa falta de tempo.
Quande se ama, não tem sentido medir quantidade nem calcular eficácia. Não importam tanto as coisas que são feitas como o amor com que são feitas. O importante é abrirmo-nos aos irmãos.
Ensinai-nos, Senhor, a fazer as coisas pequenas, ajudai-nos a aceitar a nossa pequenez. Só assim poderemos permitir que cada um dos nossos irmãos consiga imprimir, com nitidez cada vez maior, na nossa vida, a vossa semelhança.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
SÉTIMA ESTAÇÃO
MÃOS QUE RESISTEM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Se o teu irmão pecar, repreende-o; se se arrepender, perdoa-lhe. Se pecar sete vezes no dia contra ti e sete vezes no dia vier procurar-te dizendo: Estou arrependido, perdoar-lhe-ás». (Lc 17, 3-4)
«Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela, porém, não caiu, porque estava edificada sobre a rocha». (Mt 7,25).
Apesar da ajuda do cireneu. Jesus acabou caindo outra vez. Submeteu-se a tantas quedas para nos mostrar que nunca devemos desanimar. Não ficou no chão. Não se entregou. As suas mãos resistiram e levantaram o corpo para continuar a caminhada. Se ouvirmos a sua Palavra e ela nos transformar, assumiremos como Ele assumiu a nossa fraqueza. Deixaremos de cair.
São tão numerosas as nossas quedas. Esforços, resistências, propósitos... tudo acaba por cair. Se nos formamos em alguns pontos, sempre aparecem outras fraquezas. Muitos já desanimaram e não se levantam mais. Outros já conseguiram acreditar que não caem e proclamam-no a todos. E continuam caindo.
Senhor, queremos aprender a aceitar a nossa fraqueza sem ficarmos mais fracos por causa disso. Senhor, queremos aprender a aceitar a fraqueza dos outros sem os desprezar por causa disso!
Nem sempre caímos porque somos cegos ou trôpegos. Muitas vezes os outros é que nos empurram. Ás vezes nem nos querem derrubar: esbarram com muita força contra nós na busca daquilo que lhes interessa.
Precisamos de aprender a compreender também os que nos derrubam. Porque avançam não quer dizer que não estejam a cair também. Eles têm fome e sede: de compreensão, de afecto, de pão e água.
Senhor, livrai-nos do medo de cair, do medo do ridículo, do medo da humildade. Ensinai-nos a cair para que outros se levantem e nós mesmos nos levantemos. Fazei-nos sentir sempre dentro de nós, mesmos derrubados, as vossas mãos que resistem!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
OITAVA ESTAÇÃO
MÃOS QUE SUPLICAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Seguiam-no mulheres que batiam no peito e o lamentavam. Jesus disse: «Filhas de Jerusalém, não choreis por mim mas por vós mesmas e por vossos filhos...»
... porque dias virão em que se dirá: Felizes as estéreis! Então dirão aos montes: Caí sobre nós! e aos outeiros: Cobri-nos! Porque, se fazem isto ao lenho verde, que acontecerá com o seco?» (Lc 23, 27-31)
As mulheres de Jerusalém foram um exemplo de compaixão: sofreram, junto do condenado que passava, as dores e a humilhação que O atingiam.
Sofreram também por ver na morte daquele santo Mestre o fim das suas esperanças em dias melhores. As mãos que batiam no peito eram uma súplica sem forças.
Senhor, nós somos certamente aquelas árvores secas que já não choram nem suplicam, porque se tornaram insensíveis e não produzem porque não têm seiva. Mas nós sabemos que viestes para nos reverdecer e para nos dar vida nova. Por isso a nossa esperança é grande!
Cristo não rejeitou a compaixão daquelas mulheres. Até lhes dirigiu a palavra. Com carinho, censurou o coração duro do povo que não O quis receber, que não foi capaz de ver n´Ele o Libertador e, por isso, iria sofrer nas mãos de outros.
Senhor, a vossa mão abençoa até quando corrige, ensina e abre caminhos. Nós aprendemos que devemos chorar com os que choram mas, para que eles não chorem mais, precisamos de reverdecer e ajudá-los a reverdecer, uma vez que só colhe de verdade quem colhe convosco.
Em todos os homens que ainda não morreram existe pelo menos um fiozinho de seiva de vida eterna. Deus destribuiu-nos, através dos séculos e das nações, para fazer chegar a todos os seus filhos o impulso muito particular que descobre, ama e faz transbordar em primavera total esse pulsar de que a maioria nem desconfia.
Ensinai-nos, Senhor, a chorar por nós mesmos, lembrando que somos, pela nossa falta de colaboração, ramos secos numa videira viva cuidada pelo divino Agricultor. Somos felizes porque seremos consolados.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
NONA ESTAÇÃO
MÃOS QUE DÃO VIDA
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Sou um verme e não um homem, o opróbrio de todos e a abjecção da plebe. Todos os que me vêem zombam de mim». (Sl 21, 7-8)
«O que é ignorante segundo o mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios. O que é fraco segundo o mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes». (1Cor 1,27)
Antes de terminar a dura caminhada, Jesus ainda caiu uma terceira vez. Era um homem que estava sendo destruído aos poucos. As suas mãos, agora esmagadas sobre a cruz, terão custado, desta vez, a reagir. Mas não estavam a morrer, estavam a dar vida.
Uma das lições importantes do Evangelho é a de que os homens, sozinhos, constroem mal o mundo. Sabem fazer grandes coisas, mas não sabem dar valor às pessoas, nem percebem a verdadeira grandeza que as pessoas têm.
Por isso, o Filho de Deus veio ensinar que as grandes coisas nada valem, e ensinou-o perdendo tudo o que os homens acham formidável e escolhendo para construir o seu Reino tudo o que os homens acham desprezível. Ensinou vivendo, mais do que falando.
Por isso Ele é o verme, a semente que morre, o caído, o condenado, o crucificado. Por isso, Ele escolheu para apóstolos pescadores ignorantes e homens desprezados pelo povo como Mateus, o cobrador de impostos. Por isso, Ele nasceu na Palestina.
Nós não fomos escolhidos por Deus pela nossa inteligência ou eficiência, pela nossa beleza ou pelas nossas habilidades e recursos. Em nenhum dos nossos irmãos podemos ver alguém de quem Deus se esqueceu. Se realmente vivermos Cristo, saberemos descobrir nos nossos irmãos o que realmente vale para uma vida que nunca mais vai terminar.
Senhor, fazei-nos compreender em profundidade que o importante é viver e não fazer. Convencei-nos de que as humilhações que nos atingem não nos destroem mas libertam-nos para a vida. Fazei-nos muito pequeninos para podermos viver para sempre!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
DÉCIMA ESTAÇÃO
MÃOS QUE DESPEM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Repartiram as suas vestes, deitando sortes sobre elas, para ver o que tocaria a cada um». (Mc 15,24)
«Vinde, benditos de meu Pai, tomai posso do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo... porque eu estava nu e me vestistes». (Mt 25,34,36)
Chegando ao Calvário, Jesus foi despido com brutalidade antes de ser crucificado. Ele que nascera no presépio pobre, chegava ao fim da vida no extremo da pobreza: sem a protecção, sem a distinção e sem a dignidade da roupa.
Grande parte da humanidade, num mundo de progresso alucinante, não tem o suficiente para se vestir com um mínimo de dignidade. Muitos foram despojados pelos mais fortes. Os que não foram despojados estão em situação ainda pior, pois devem ter perdido não só a roupa mas a capacidade de consegui-la, de procurar, de escolher, de se apresentar.
Não é por nunca termos assaltado que deixamos de roubar os nossos irmãos. Quando pensamos demais em nós mesmos, quando competimos demais, quando não aprendemos a ceder, quando não nos preocupamos em ensinar, também despimos os nossos irmãos, também lhes roubamos dignidade.
Cristo estava exausto demais para impedir que o despissem, Cristo amava-nos demais para fazer parar a torrente de despojamentos a que se submetera por nós. A mão violenta, apressada e desrespeitosa do carrasco cobrou n´Ele o que nós devíamos.
Senhor, vivemos num mundo em que os homens se tornam gananciosos demais e arrancam uns aos outros tudo o que podem, mesmo quando não sabem o que vão fazer com as riquezas que acumulam.
Senhor, ensinai-nos a pobreza de espírito que não precisa de acumular tesouros que a traça destrói . Ensinai-nos a enriquecer os nossos irmãos acumulando riquezas no vosso reino.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
MÃOS QUE PRENDEM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Era a hora tércia quando o crucificaram. A inscrição que motivava a sua condenação dizia: «O rei dos Judeu» Crucificaram com Ele dois bandidos». (Mc 15, 25-27)
«Trespassaram as minhas mãos e os meus pés. posso contar todos os meus ossos. Eles observam e se alegram». (Sl 21, 17-18)
Prenderam com alegria, numa cruz que era uma vergonha, e entre dois ladrões, o homem que era Deus e que tinha vindo para nos libertar. Mas eles não sabiam o que estavam a fazer. Não o tornaram menos libertador, pois Ele era o único livre e, preso, libertou-nos ainda melhor.
Nós ainda crucificamos Cristo muitas vezes quando metemos cravos através das mãos dos «mais pequenos dos seus irmãos» e quando os colocamos em situações embaraçosas. Precisamos de compreender que isso é que os acaba por libertar uma vez que a sabedoria de Deus é diferente da sabedoria do mundo.
Através de todos os séculos, a humanidade falou em liberdade, lutou pela liberdade. Liberdade de pensamento, liberdade de movimento. Liberdade de escolha, liberdade física, liberdade moral, liberdade social... são todas as liberdades que fazem falta, e até hoje não foram conquistadas.
A liberdade que Deus oferece é tão grande que ainda não conseguimos entendê-la por inteiro. A liberdade que Deus oferece é tão fácil, que ainda não acreditamos nela. A liberdade de Deus não é igual à de que tanto se fala.
Só somos livres como Deus e com Deus quando nos prendemos, e só somos capazes de nos prender com liberdade quando amamos. Mas só Deus nos pode dar razões para amar pessoas e não coisas, vida e não acções, pois só Ele é capaz de fazer dos homens mais desprezíveis filhos seus e irmãos nossos.
Dai-nos, Senhor, a alegria de nos prendermos convosco, de nos prendermos aos nossos irmãos e às suas duras situações. Nós sabemos que assim nos prenderemos a Vós e seremos livres da limitada liberdade dos homens!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO
MÃOS QUE SE ENTREGAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Escureceu-se o sol e o véu do santuário rasgou-se pelo meio. Jesus deu então um grande brado. «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». E expirou». (Lc 23, 45-46)
«Não temais aqueles que matam o corpo mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena.» (Mt 10, 28)
Durante toda a sua breve vida, Ele fez questão de dizer que estava cumprindo em tudo a vontade do Pai. Por isso o apóstolo disse que «foi obediente até à morte, e morte de cruz». As suas mãos presas, sustentando o corpo morto, entregam ao Pai o espírito que nunca deixou de viver.
Essas mãos mortas que apontam para o alto lembram-nos as mãos de todos os mártires, dos mártires de todos os tempos. Eles também não tiveram medo da morte que só acaba com uma vida efémera. Para entrar na outra vida, que nunca vai acabar, a «única coisa necessária» é esta nas mãos de Deus.
Os santos foram todos crucificados e mortos em vida. Viveram mais intensamente que os outros, mas não viveram o que os outros consideram uma vida que vale a pena. Como São Paulo, com São Francisco de Assis, o que importava era estar com Cristo, mesmo crucificado. Também eles estavam nas mãos de Deus.
Na morte de Cristo nós aprendemos um pouco melhor o sentido da obediência, tão difícil de aceitar. Obedecer é necessário, porque nos prende a Deus, o único que nos pode libertar.
Como Cristo, precisamos de nos entregarmos a Deus. E Deus não está escondido e distante, nos céus. Ele vive em nossos irmãos, nas suas vontades, nas suas necessidades, no seu sentido de humanidade, no seu sentido da História.
Senhor, nas vossa mãos, nessas vossas mãos que, na Bíblia, na Igreja, nas alegrias e nas tristezas dos homens de hoje se estendem para nós e nos solicitam, nós queremos entregar tudo o que de Vós recebemos, para que todos tenham vida mais abundante.
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
MÃOS SEM MEDO
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«Quando já era tarde, veio José de Arimateia, que também esperava o Reino de Deus, foi resolutamente à presença de Pilatos e pediu o corpo de Jesus». Depois de ter comprado um pano de linho. José tirou-o da Cruz». (Mc 15, 42, 43 e 46)
«Meu amigo, não sei o que queres dizer». «Não conheço esse homem de quem falas». (Lc 22,60) (Mc 14,71)
Vemos a mão pendente do Senhor dependente da mão firme do discípulo sem medo. Membro do alto conselho dos Judeus, José de Arimateia estava a perder prestígio e a arriscar-se quando foi descer o corpo do condenado. Ele teve a coragem que faltou a Pilatos, que faltou a Pedro e que falta a nós.
A nossa vida está cheia de medos, dos medos de que Cristo nos veio libertar. Medo da morte, medo da dor, medo do ridículo, medo da opinião dos outros, medo dos perigos, medo dos compromissos, medo do futuro. O medo limita o homem.
Todos nós somos corajosos quando temos a retaguarda garantida. Todos nós somos valentes quando os poderosos estão de acordo connosco, quando os fortes estão do nosso lado, quando o nosso pensamento é o pensamento comum.
Pedro foi corajoso, ao lado de Cristo, quando cortou a orelha de Malco. Foi covarde, separado de Cristo condenado à morte. Nicodemos, que uma noite fora consultar Jesus encoberto pela escuridão, agora tem a coragem de acompanhar José de Arimateia para ir sepultá-lo.
A História do Cristianismo, desde José e Nicodemos, passando pelos mártires e chegando aos nossos dias, foi escrita por homens e mulheres e mesmo por crianças que tiveram coragem, que não vacilaram em comprometer-se com os fracos.
Senhor, dai-nos a coragem que também São Pedro teve, depois do arrependimento. Dai-nos a coragem da fé, aquela que não nos desampara nunca porque sabe que estais connosco mesmo quando vos calais e os filhos deste mundo gritam com voz forte!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!
DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
MÃOS QUE COMUNICAM
V/ - Nós Vos adoramos e bendizemos, ó Cristo,
R/ - Que pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
«No lugar em que Ele foi crucificado, havia um jardim e, no jardim, um sepulcro novo. Foi ali que depositaram Jesus». (Jo 19, 41-42)
«Do mesmo modo que Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no seio da terra». (Mt 12,40)
Parecia ter acabado o perigo que uns temiam e ter-se encerrado a esperança que outros vinham alimentando. Mas aquelas mãos mortas e inertes estavam a comunicar vida, a vida garantida pela ressurreição que é mais forte do que a morte.
Nós julgamo-nos vivos quando respiramos, quando pudemos falar, gesticular e agir, quando pudemos comunicar através do nosso corpo alguma coisa daquela intensidade que é vivida no espírito pela nossa personalidade. Quando morremos, o que cessa é a comunicação. Por isso os antigos falavam de mudança para outros mundos.
Com Jesus Cristo, a nossa vida começou a permanecer. E apenas «foi passear» três dias e três noites ao seio da terra. Mas reviveu e, mesmo tendo subido aos céus, ficou connosco porque nos deixou o Amor que é o Espírito Santo e este ensina-nos que todos somos palavras de Deus, outros-Cristos.
Nesse mesmo Cristo nós vamos continuar vivos, apenas mais intensamente, depois da morte corporal. Com um corpo renovado, como o de Cristo ressuscitado, que saiu do sepulcro, que entrou no cenáculo, que foi para a Galileia, nós vamos ter a oportunidade de nos comunicarmos ainda mais cristalinamente.
A certeza dessa ressurreição é que nos garante a comunicação do Evangelho. A certeza dessa ressurreição é que dá sentido aos homens com quem convivemos e às coisas que fazemos.
Senhor, sofrendo e morrendo por nós, abristes o caminho para nós vivermos como Vós! Ajudai-nos a difundir em toda a parte e a todos os homens esta alegria que descobrimos na vossa morte!
Pai-Nosso...
V/ - Tende compaixão de Nós, Senhor!
R/ - Tende compaixão de Nós!