1. INFÂNCIA DE LÚCIA

1. INFÂNCIA DE LÚCIA
Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo
«O Senhor pôs os olhos na baixeza da Sua serva» (3) eis por
que os povos cantarão as grandezas da Sua misericórdia.
Parece-me, Ex.mo e Rev.mo Senhor, que o nosso bom Deus se
dignou favorecer-me com o uso da razão, muito criancinha ainda.
Lembro-me de ter consciência dos meus actos desde o colo materno. Lembro-me de ser embalada e de adormecer ao som de
vários cantos. E como era a mais nova de 5 meninas e um menino
(4) que Nosso Senhor concedeu a meus pais, lembro-me de haver
entre eles várias contendas, por todos quererem ter-me em seus
braços e entreter-se comigo. Em estes casos, para que nenhum
ficasse vitorioso, minha mãe tirava-me das suas mãos. E se ela,
pelos seus afazeres, não podia, entregava-me a meu pai, que por
sua vez me cobria de mimos e carícias.
A primeira coisa que aprendi foi a Ave-Maria, porque minha
mãe tinha por costume ter-me em seus braços, enquanto ensinava a minha irmã Carolina, que me seguia em idade, tendo mais
5 anos que eu. Minhas duas irmãs mais velhas eram já grandes; e
minha mãe, como eu era um papagaio que tudo repetia, gostava
que elas me levassem a todos os sítios onde iam. Elas eram, como
se dizia na minha terra, as cabeças da mocidade. E não havia
festa nem dança onde elas não fossem: Carnaval, S. João, Natal;
era fixo, tinha que haver baile. Além disso, havia a vindima. E na
apanha da azeitona havia dança quase todos os dias. Nas festas
principais da freguesia, como a do S. Coração de Jesus, Nossa
Senhora do Rosário, St.o
 António, etc., havia sempre, à noite, a rifa
dos bolos e o baile não faltava. Éramos ainda convidadas para
quase todas as bodas que se celebravam nos lugares circunvizinhos, porque minha mãe, quando não era convidada para
madrinha, era chamada para cozinheira. Em estas bodas, o baile
durava desde que acabava o banquete até ao outro dia pela manhã.
Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo
«O Senhor pôs os olhos na baixeza da Sua serva» (3) eis por
que os povos cantarão as grandezas da Sua misericórdia.
Parece-me, Ex.mo e Rev.mo Senhor, que o nosso bom Deus se
dignou favorecer-me com o uso da razão, muito criancinha ainda.
Lembro-me de ter consciência dos meus actos desde o colo materno. Lembro-me de ser embalada e de adormecer ao som de
vários cantos. E como era a mais nova de 5 meninas e um menino
(4) que Nosso Senhor concedeu a meus pais, lembro-me de haver
entre eles várias contendas, por todos quererem ter-me em seus
braços e entreter-se comigo. Em estes casos, para que nenhum
ficasse vitorioso, minha mãe tirava-me das suas mãos. E se ela,
pelos seus afazeres, não podia, entregava-me a meu pai, que por
sua vez me cobria de mimos e carícias.
A primeira coisa que aprendi foi a Ave-Maria, porque minha
mãe tinha por costume ter-me em seus braços, enquanto ensinava a minha irmã Carolina, que me seguia em idade, tendo mais
5 anos que eu. Minhas duas irmãs mais velhas eram já grandes; e
minha mãe, como eu era um papagaio que tudo repetia, gostava
que elas me levassem a todos os sítios onde iam. Elas eram, como
se dizia na minha terra, as cabeças da mocidade. E não havia
festa nem dança onde elas não fossem: Carnaval, S. João, Natal;
era fixo, tinha que haver baile. Além disso, havia a vindima. E na
apanha da azeitona havia dança quase todos os dias. Nas festas
principais da freguesia, como a do S. Coração de Jesus, Nossa
Senhora do Rosário, St.o
 António, etc., havia sempre, à noite, a rifa
dos bolos e o baile não faltava. Éramos ainda convidadas para
quase todas as bodas que se celebravam nos lugares circunvizinhos, porque minha mãe, quando não era convidada para
madrinha, era chamada para cozinheira. Em estas bodas, o baile
durava desde que acabava o banquete até ao outro dia pela manhã.
 
 
Minhas irmãs, como tinham que ter-me sempre a seu lado,
esmeravam-se tanto em enfeitar-me como a elas mesmas. E como
uma era costureira, não me faltava já o traje mais elegante usado
pelas camponesas da minha terra, em aquele tempo: a saia empregada (pregueada), o cinto de verniz, o lenço de cachené com as
pontas caídas para trás e o chapéu com as suas contas douradas
e as penas de várias cores. Parecia, por vezes, mais bem que
vestiam uma boneca que uma criança.
 
( 3 ) Lc. 1,48.
( 4 ) Os Irmãos chamam-se: (†) Maria dos Anjos, (†) Teresa, (†) Manuel, (†) Glória
e (†) Carolina.