1. MANIFESTAÇÕES EM 1915

1. MANIFESTAÇÕES EM 1915
Assim, pois, completei os meus 7 anos. Minha mãe determinou que começasse a guardar as nossas ovelhas. Meu pai não
era dessa opinião, nem minhas irmãs. Queriam, para mim, pelo
afecto particular que me tinham, uma excepção. Mas minha mãe
não cedeu.
– É como todas – dizia ela –. A Carolina tem já 12 anos. Pode,
por isso, começar a trabalhar no campo ou aprender a tecedeira
ou costureira, se o quiser.
Foi-me, pois, confiada a guarda do nosso rebanho (8). A notícia
de que eu começava a minha vida de pastora espalhou-se rápida
entre os pastores e quase todos vieram oferecer-se para serem
meus companheiros. A todos disse que sim e com todos combinei
ir para a serra. No dia seguinte, a serra era coalhada de pastores e
rebanhos. Parecia uma nuvem que a cobria; mas eu não me senti
bem no meio de tanta grita. Escolhi, pois, entre eles, três para
minhas companheiras e, sem dizer nada aos demais, combinei
umas pastagens opostas. Eram as minhas escolhidas: Teresa
Matias, sua irmã Maria Rosa e Maria Justino (9). No dia seguinte, lá
vamos com os nossos rebanhos para um monte chamado o Cabeço.
Dirigimo-nos para a encosta do monte que fica voltada ao norte.
Na encosta deste monte, ao sul, ficam os Valinhos que V. Ex.cia
Rev.ma, de nome, já deve conhecer. E na encosta que fica voltada
ao nascente do sol, está a tal rocha de que também já falei a V.
Ex.cia no escrito sobre a Jacinta. Subimos, com os nossos rebanhos,
até quase ao cimo do monte. A nossos pés ficava um extenso
arvoredo que se espalha nas planícies do vale: oliveiras, carvalhos,
pinheiros, azinheiras, etc.
Um pouco mais ou menos aí pelo meio-dia, comemos a nossa
merenda e, depois dela, convidei as minhas companheiras para
rezarem comigo o Terço, ao que elas anuíram com gosto. Mal tínhamos começado, quando, diante de nossos olhos, vemos, como
que suspensa no ar, sobre o arvoredo, uma figura como se fosse
uma estátua de neve que os raios do Sol tornavam algo transparente.
– Que é aquilo? – perguntaram as minhas companheiras,
meias assustadas.
– Não sei!
Continuámos a nossa reza, sempre com os olhos fitos na dita
figura que, assim que terminámos, desapareceu. Segundo o meu
costume, tomei o partido de calar, mas as minhas companheiras,
assim que chegaram a casa, contaram o sucedido às famílias. Di-
 Kondor, confirmaram as afirmações de Lúcia.
vulgou-se a notícia; e um dia, quando chego a casa, interroga-me
minha mãe:
– Ouve lá: dizem que viste para aí não sei o quê. O que é que
tu viste?
– Não sei.
E como não me sabia explicar, acrescentei:
– Parecia uma pessoa embrulhada em um lençol.
E querendo dizer que não Ihe tinha podido divisar as feições,
disse:
– Não se Ihe conheciam olhos nem mãos.
Minha mãe rematou tudo com um gesto de desprezo, dizendo:
– Tolices de crianças (10)!
(7) A total discrição de Lúcia revela ainda mais claramente a sua sinceridade.
(8) Encontramo-nos em 1915.
( 9 ) Todas elas, interrogadas pelo P.e
Assim, pois, completei os meus 7 anos. Minha mãe determinou que começasse a guardar as nossas ovelhas. Meu pai não
era dessa opinião, nem minhas irmãs. Queriam, para mim, pelo
afecto particular que me tinham, uma excepção. Mas minha mãe
não cedeu.
– É como todas – dizia ela –. A Carolina tem já 12 anos. Pode,
por isso, começar a trabalhar no campo ou aprender a tecedeira
ou costureira, se o quiser.
Foi-me, pois, confiada a guarda do nosso rebanho (8). A notícia
de que eu começava a minha vida de pastora espalhou-se rápida
entre os pastores e quase todos vieram oferecer-se para serem
meus companheiros. A todos disse que sim e com todos combinei
ir para a serra. No dia seguinte, a serra era coalhada de pastores e
rebanhos. Parecia uma nuvem que a cobria; mas eu não me senti
bem no meio de tanta grita. Escolhi, pois, entre eles, três para
minhas companheiras e, sem dizer nada aos demais, combinei
umas pastagens opostas. Eram as minhas escolhidas: Teresa
Matias, sua irmã Maria Rosa e Maria Justino (9). No dia seguinte, lá
vamos com os nossos rebanhos para um monte chamado o Cabeço.
Dirigimo-nos para a encosta do monte que fica voltada ao norte.
Na encosta deste monte, ao sul, ficam os Valinhos que V. Ex.cia
Rev.ma, de nome, já deve conhecer. E na encosta que fica voltada
ao nascente do sol, está a tal rocha de que também já falei a V.
Ex.cia no escrito sobre a Jacinta. Subimos, com os nossos rebanhos,
até quase ao cimo do monte. A nossos pés ficava um extenso
arvoredo que se espalha nas planícies do vale: oliveiras, carvalhos,
pinheiros, azinheiras, etc.
Um pouco mais ou menos aí pelo meio-dia, comemos a nossa
merenda e, depois dela, convidei as minhas companheiras para
rezarem comigo o Terço, ao que elas anuíram com gosto. Mal tínhamos começado, quando, diante de nossos olhos, vemos, como
que suspensa no ar, sobre o arvoredo, uma figura como se fosse
uma estátua de neve que os raios do Sol tornavam algo transparente.
– Que é aquilo? – perguntaram as minhas companheiras,
meias assustadas.
– Não sei!
Continuámos a nossa reza, sempre com os olhos fitos na dita
figura que, assim que terminámos, desapareceu. Segundo o meu
costume, tomei o partido de calar, mas as minhas companheiras,
assim que chegaram a casa, contaram o sucedido às famílias. Di-
 Kondor, confirmaram as afirmações de Lúcia.
vulgou-se a notícia; e um dia, quando chego a casa, interroga-me
minha mãe:
– Ouve lá: dizem que viste para aí não sei o quê. O que é que
tu viste?
– Não sei.
E como não me sabia explicar, acrescentei:
– Parecia uma pessoa embrulhada em um lençol.
E querendo dizer que não Ihe tinha podido divisar as feições,
disse:
– Não se Ihe conheciam olhos nem mãos.
Minha mãe rematou tudo com um gesto de desprezo, dizendo:
– Tolices de crianças (10)!
(7) A total discrição de Lúcia revela ainda mais claramente a sua sinceridade.
(8) Encontramo-nos em 1915.
( 9 ) Todas elas, interrogadas pelo P.e