11 AQUELES QUE ME DESTE (1896 – 1897)

11 AQUELES QUE ME DESTE (1896 – 1897)


 

Minha Madre, Jesus concedeu à vossa filha a graça de a fazer penetrar nas misteriosas profundezas da caridade. Se ela pudesse exprimir o que compreende, ouviríeis uma melodia do Céu. Mas, pobre de mim! não vos posso fazer ouvir senão o balbuciar infantil!... Se as próprias palavras de Jesus não me servissem de apoio, seria tentada a pedir-vos benevolência e a deixar a pena... Mas não. É preciso que continue por obediência o que por obediência comecei.

Caríssima Madre, escrevia ontem que, não sendo meus os bens cá de baixo, não devia achar difícil nunca os reclamar se alguma vez mos tirassem. Os bens do Céu ainda me pertencem menos, pois são-me emprestados por Deus, que mos pode [19 rº] retirar, sem que eu tenha o direito de me queixar. Contudo, os bens que vêm directamente de Deus, tais como as inspirações da inteligência e do coração, os pensamentos profundos, constituem uma riqueza à qual nos prendemos como sendo um bem próprio em que ninguém tem o direito de tocar...

Por exemplo: Se durante a licença comunicamos a uma Irmã alguma luz recebida na oração, e pouco depois essa Irmã comunica a outra coisa que lhe confiámos como tendo-a pensado ela mesma, parece que toma o que não era dela. Ou então, quando no recreio dizemos baixinho à nossa companheira uma frase espirituosa e oportuna, e ela a repete em voz alta sem dar a conhecer a fonte de onde brotou, parece também um roubo feito à proprietária, a qual, embora não reclame, teria muita vontade de o fazer, e aproveitará a primeira ocasião para delicadamente dar a conhecer que se apropriaram das suas ideias.

Minha Madre, não seria capaz de vos explicar tão bem estes tristes sentimentos da natureza, se os não tivesse experimentado no meu coração; e gostaria de me embalar na doce ilusão de que apenas visitaram o meu, se não me tivésseis ordenado que ouvisse as tentações das vossas queridas jovens noviças. Aprendi muito ao cumprir a missão que me confiastes, e, sobretudo, vi-me obrigada a praticar o que ensinava às outras. Assim, agora posso dizer que Jesus me deu a graça de não estar mais apegada aos bens do espírito e do coração que aos da terra.

Se me acontece pensar ou dizer uma coisa [19 vº] que agrada às minhas Irmãs, acho muito natural que elas se aproveitem disso como de um bem próprio. Este pensamento pertence ao Espírito Santo e não a mim, pois S. Paulo diz que sem este Espírito de Amor, nem sequer podemos dar o nome de «Pai» ao nosso Pai que está nos Céus. Ele é livre, portanto, de se servir de mim para dar um bom pensamento a uma alma. Se me atribuísse a mim mesma esse pensamento, seria como «o burro que levava as relíquias», o qual julgava que as homenagens prestadas aos Santos lhe eram tributadas a ele.

Não desprezo os pensamentos profundos que alimentam a alma e a unem a Deus, mas há muito tempo que compreendi que não nos devemos apoiar neles nem fazer consistir a perfeição em receber muitas luzes. Os mais belos pensamentos nada são sem as obras. É verdade que as outras podem daí tirar muito proveito, se se humilham e testemunham o seu reconhecimento por lhes permitir partilharem do festim de uma alma que Lhe apraz enriquecer com as suas graças. Mas se esta alma se compraz nos seus belos pensamentos e faz a oração do fariseu, torna-se semelhante a uma pessoa a morrer de fome diante de uma mesa bem abastecida, enquanto todos os convidados se alimentam abundantemente dela, deitando, por vezes, um olhar de inveja ao personagem possuidor de tantos bens.

Ah! é bem verdade que só Deus conhece o íntimo dos corações... Como são mesquinhos os pensamentos das criaturas!... Quando vêem uma alma mais esclarecida que as outras, logo [20 rº] concluem que Jesus as ama menos que àquela alma e que não podem ser chamadas à mesma perfeição. Desde quando é que o Senhor não tem já o direito de se servir de uma das suas criaturas para dispensar às almas que ama o alimento que lhes é necessário? No tempo do Faraó o Senhor tinha ainda esse direito, pois na Escritura Ele disse àquele monarca: «Criei-te expressamente para fazer brilhar em ti o meu poder, para que o meu nome seja anunciado em toda a terra». Os séculos sucederam aos séculos desde que o Altíssimo pronunciou estas palavras e, desde então, a sua conduta não mudou, sempre se serviu das suas criaturas como instrumento para fazer a sua obra nas almas.

Se a tela pintada por um artista pudesse pensar e falar, certamente não se lamentaria por ser incessantemente tocada e retocada por um pincel, e não invejaria tão pouco a sorte desse instrumento, pois saberia que não é ao pincel, mas ao artista que o maneja, que deve a beleza de que está revestida. O pincel, por sua vez, não se podia gloriar da obra-prima por ele feita; sabe que os artistas não ficam embaraçados, que se riem das dificuldades e que gostam, às vezes, de escolher instrumentos fracos e defeituosos...

Caríssima Madre, sou um pincelzinho que Jesus escolheu para pintar a sua imagem nas almas que vós me confiastes. Um artista não utiliza apenas um pincel, precisa pelo menos de dois; o primeiro é o mais útil, é com ele que distribui as cores de fundo, [20 vº] cobrindo completamente a tela em muito pouco tempo; o outro, mais pequeno, serve-lhe para os pormenores. Minha Madre, para mim vós representais o precioso pincel que a mão de Jesus agarra com amor, quando quer fazer um trabalho grande na alma das vossas filhas; e eu sou o pequenino, do qual se digna servir-se em seguida para os mais pequenos pormenores.

A primeira vez que Jesus se serviu do seu pincelzinho foi por volta do dia 8 de Dezembro de 1892. Recordar-me-ei sempre desse tempo como um tempo de graça. Vou confiar-vos, minha querida Madre, essas doces recordações.

Aos 15 anos, quando tive a felicidade de entrar no Carmelo, encontrei uma companheira de Noviciado que me precedera alguns meses: tinha mais oito anos do que eu, mas o seu carácter infantil fazia esquecer a diferença de idades e, por isso, minha Madre, depressa tivestes a alegria de ver as vossas duas pequenas postulantes entenderem-se maravilhosamente e tornarem-se inseparáveis. Para favorecer essa amizade nascente, que vos parecia haver de produzir frutos, permitiste-nos ter juntas, de tempos a tempos, pequenas conversas espirituais. A minha querida companheira encantava-me com a sua inocência, o seu carácter expansivo, mas, por outro lado, admirava-me por ver quanto a afeição que ela tinha por vós era diferente da minha.

Havia também muitas coisas no seu comportamento para com as Irmãs que eu desejaria que ela modificasse... Desde essa altura, Deus fez-me [21 rº] compreender que há almas que a sua misericórdia não se cansa de esperar, às quais dá a sua luz apenas gradualmente; por isso, evitava antecipar a sua hora, e esperava pacientemente que aprouvesse a Jesus fazê-la chegar.

Reflectindo um dia sobre a permissão que nos tínheis dado para conversarmos as duas, «a fim de nos inflamarmos mais no amor do nosso Esposo», como está nas nossas santas Constituições, pensei, com tristeza, que as nossas conversações não alcançavam o fim desejado.

Então Deus fez-me sentir que tinha chegado o momento e que não devia recear falar, ou então que devia acabar com conversas que se pareciam com as de duas amigas do mundo. Esse dia era um sábado e, no dia seguinte, durante a acção de graças, supliquei a Deus que me pusesse na boca palavras afáveis e convincentes, ou antes, que falasse Ele mesmo por mim. Jesus ouviu a minha oração, e permitiu que o resultado cumulasse a minha esperança, porque: «os que para Ele voltarem o seu olhar serão iluminados» (SI XXXIII), e «a Luz elevou-se nas trevas para os que têm coração recto». A primeira palavra refere-se a mim, e a segunda à minha companheira que, verdadeiramente, tinha o coração recto...

Tendo chegado a hora em que tínhamos resolvido encontrar-nos, a pobre Irmãzinha, ao olhar para mim, viu imediatamente que eu já não era a mesma; sentou-se ao meu lado, corando, e eu, encostando-lhe a cabeça ao meu peito, disse-lhe com voz [21 vº] comovida tudo o que pensava dela, mas com expressões tão ternas, testemunhando-lhe uma tão grande afeição, que depressa as suas lágrimas se misturaram às minhas. Concordou, com muita humildade, que tudo o que eu dizia era verdade; prometeu-me começar uma vida nova e pediu-me, como um favor, que a advertisse sempre das suas faltas. Por fim, no momento de nos separar-mos, a nossa afeição tornara-se inteiramente espiritual, nada mais havia de humano. Realizava-se em nós esta passagem da Escritura: «O irmão que é ajudado pelo seu irmão, é como uma cidade fortificada». O que Jesus fez com o seu pincelzinho, depressa se tinha apagado, se Ele não tivesse agido através de vós, minha Madre, para acabar a sua obra na alma que Ele queria toda para Si. A provação pareceu muito amarga à minha pobre companheira, mas a vossa firmeza triunfou, e foi então que pude, tentando consolá-la, explicar àquela que me tínheis dado como Irmã entre todas, em que consiste o verdadeiro amor. Mostrei-lhe que era a ela mesma que ela amava e não a vós; disse-lhe como eu vos amava e os sacrifícios que me vira obrigada a fazer no princípio da minha vida religiosa para não me afeiçoar a vós de uma maneira muito material, como o cão se afeiçoa ao seu dono. O amor alimenta-se de sacrifícios; quanto mais a alma recusa satisfações naturais, mais a sua ternura se torna forte e desinteressada.

Lembro-me de que, sendo postulante, tinha, por vezes, tão violentas [22 rº] tentações de entrar na vossa cela para me consolar e encontrar algumas gotas de alegria, que me viu obrigada a passar rapidamente diante do ofício e de me agarrar ao corrimão da escada. Vinha-me ao espírito uma multidão de licenças a pedir; enfim, minha caríssima Madre, arranjava mil razões para contentar a minha natureza... Como agora estou feliz pelas privações que me impus desde o início da minha vida religiosa! Gozo já da recompensa prometida aos que combatem corajosamente. Já não sinto ser preciso recusar-me todas as consolações do coração, pois a minha alma está consolidada por Aquele que unicamente quero amar. Vejo com alegria que, amando-O, o coração se dilata, e que pode dar incomparavelmente mais ternura àqueles que lhe são queridos, do que se se tivesse concentrado num amor egoísta e infrutífero.

Minha querida Madre, recordei-vos o primeiro trabalho que Jesus e vós vos dignastes realizar por meu intermédio; não era senão o prelúdio daqueles que me deveriam ser confiados. Quando me foi dado penetrar no santuário das almas, vi imediatamente que a tarefa era superior às minhas forças. Então coloquei-me nos braços de Deus como uma criancinha e, escondendo o rosto nos seus cabelos, disse-Lhe: «Senhor, sou pequena demais para alimentar as vossas filhas; se quereis dar-lhes o que convém a cada uma através de mim, enchei a minha mãozinha e, sem deixar os vossos braços, sem virar a cabeça, [22 vº] darei os vossos tesouros à alma que vier pedir alimento. Se o achar a seu gosto, saberei que não é a mim, mas a Vós, que o deve; pelo contrário, se se queixar e achar amargo o que lhe apresento, a minha paz não será perturbada, procurarei persuadi-la de que esse alimento vem de Vós, e evitarei decididamente procurar-lhe outro».

Minha Madre, desde que compreendi ser-me impossível fazer por mim mesma fosse o que fosse, a tarefa que me impusestes deixou de me parecer difícil. Compreendi que a única coisa necessária era unir-me cada vez mais a Jesus e que o resto me seria dado por acréscimo. Com efeito, nunca a minha esperança foi iludida; Deus dignou-se encher a minha mãozinha tantas vezes quantas as necessárias para alimentar as almas das minhas irmãs. Confesso-vos, caríssima Madre, que se me tivesse apoiado, por pouco que fosse, nas minha própria forças, depressa me daria por vencida...

De longe, parece inteiramente cor-de-rosa fazer bem às almas, fazê-las amar mais a Deus, enfim, modelá-las de acordo com os seus próprios pontos de vista e as suas ideias pessoais... De perto, é totalmente ao contrário, o cor-de-rosa desapareceu... Sente-se que fazer bem é uma coisa tão impossível, sem a ajuda de Deus, como fazer brilhar o sol de noite... Sente-se que é absolutamente necessário esquecer os próprios gostos, as concepções pessoais, e guiar as almas pelo caminho que Jesus lhes traçou, sem tentar fazê-las avançar [23 rº] pelo seu próprio caminho. Mas isto ainda não é o mais difícil; o que me custa, acima de tudo, é observar as faltas, as mais leves imperfeições, e declarar-lhes guerra de morte. Ia acrescentar: «infelizmente para mim!» (mas não, isso seria cobardia); por isso digo: «felizmente para as minhas Irmãs!».

Desde que me coloquei nos braços de Jesus, sou como a sentinela observando o inimigo desde o mais alto torreão de um castelo. Nada me escapa ao olhar; muitas vezes admiro-me por ver tão claro, e acho o profeta Jonas digno de desculpa, por ter fugido em vez de ir anunciar a ruína em Nínive. Preferia mil vezes receber repreensões que fazê-las às outras; mas sinto que é muito necessário que isso seja sofrimento para mim, porque, quando se age segundo a natureza, é impossível que a alma à qual se quer fazer descobrir as suas faltas, compreenda os seus erros; não vê senão uma coisa: «A Irmã encarregada de me dirigir está zangada, e faz recair tudo sobre mim que, no entanto, estou animada das melhores intenções».

Sei bem que os vossos cordeirinhos me acham severa. Se lessem estas linhas, diriam que não parece custar-me absolutamente nada correr atrás delas, falar-lhes em tom severo, mostrando-lhes o lindo velo manchado, ou levar-lhes algum pequeno floco de lã que deixaram rasgar pelos espinhos do caminho. Os cordeirinhos podem dizer tudo o que quiserem; no fundo, sentem que os amo com um verdadeiro amor, que nunca imitarei «o mercenário que, vendo vir o lobo, deixa o rebanho e [23 vº] foge». Estou pronta a dar a minha vida por eles, mas a minha afeição é tão pura, que não desejo que a conheçam. Com a graça de Jesus, nunca tentei atrair a mim os corações deles; compreendi que a minha missão era conduzi-los a Deus e fazer-lhes compreender que, cá na terra, vós éreis, minha Madre, o Jesus visível que elas devem amar e respeitar.

Disse-vos, querida Madre, que, ensinando as outras, aprendi muito. Vi, em primeiro lugar, que todas as almas têm mais ou menos os mesmos combates, mas que, por outro lado, são tão diferentes, que não me custa compreender o que dizia o Padre Pichon: «Há maior diferença entre as almas do que entre os rostos». Por isso, é impossível tratar com todas as almas da mesma maneira. Com certas almas, vejo que devo fazer-me pequena, não recear humilhar-me confessando os meus combates, as minhas derrotas; ao ver que tenho as mesmas fraquezas que elas, as minhas Irmãzinhas confessam-me, por sua vez, as faltas de que se censuram, e alegram-se por eu as compreender por experiência. Com outras vi que, pelo contrário, para lhes fazer bem é preciso ter muita firmeza e nunca voltar atrás no que se tenha dito. Condescender não seria então humildade, mas fraqueza. Deus concedeu-me a graça de não temer a guerra; tenho de cumprir o meu dever a todo o custo.

Mais uma vez ouvi o seguinte: «Se quiserdes obter de mim alguma coisa, tendes que levar-me a bem; à [24 rº] força não conseguireis nada». Eu bem sei que ninguém é bom juiz em causa própria, e que uma criança, a quem o médico submete a uma dolorosa operação, não deixará de gritar bem alto e de dizer que o remédio é pior que a doença. Porém, se alguns dias depois se vir curada, ficará toda contente por se ver capaz de brincar e correr. O mesmo se passa com as almas. Depressa reconhecem que um pouco de amargor, por vezes, é preferível ao açúcar, e não receiam confessá-lo.

Algumas vezes não posso deixar de sorrir interiormente ao ver a mudança que se opera de um dia para o outro. É maravilhoso... Vêm-me dizer: «Tínheis razão, ontem, em ser severa; no princípio isso revoltou-me, mas depois lembrei-me de tudo, e vi que tínheis sido muito justa... Olhai: ao separar-me de vós, pensava que tudo terminara, e dizia comigo: 'Vou ter com a nossa Madre e dizer-lhe que nunca mais irei ter com a minha Ir. Teresa do Menino Jesus'. Mas vi que era o demónio que me inspirava isso, e para mais pareceu-me que rezáveis por mim. Então fiquei tranquila, e a luz começou a brilhar. Mas agora preciso que me esclareçais inteiramente, e é para isso que cá venho». Imediatamente começa o diálogo. Sinto-me muito feliz por poder seguir a inclinação do meu coração, não servindo nenhum manjar amargo. Sim, mas... logo me dou conta de que não devo avançar demais: uma palavra poderia destruir o belo edifício construído com lágrimas. Se tenho a infelicidade de dizer uma palavra que pareça atenuar o que disse na véspera, logo vejo a minha Irmãzinha [24 vº] a tentar aproveitar-se... Então faço interiormente uma pequena oração, e a verdade triunfa sempre. Ah! a oração e o sacrifício constituem toda a minha força; são as armas invencíveis que Jesus me deu. Podem, muito melhor que as palavras, tocar as almas. Fiz muitíssimas vezes essa experiência. Houve uma entre todas que me causou uma grata impressão.

Foi durante a Quaresma. Estava encarregada então da única noviça que cá estava, e da qual eu era um anjo. Uma manhã veio ter comigo toda radiosa. «Ah! se soubésseis – disse-me ela – com o que sonhei esta noite! Estava junto da minha irmã e queria desprendê-la de todas as vaidades a que ela está tão apegada. Para tal explicava-lhe os versos de «Viver de amor»: 'Amar-Te, Jesus, que perda fecunda! Teus são os meus perfumes para sempre'. Notava claramente que as minhas palavras lhe penetravam na alma, e fiquei radiante de alegria. Esta manhã, ao acordar, pensei que Deus queria talvez que eu lhe desse esta alma. E se lhe escrevesse depois da Quaresma para lhe contar o meu sonho e lhe dizer que Jesus a quer toda para Ele?».

Eu, sem pensar muito, disse-lhe que podia tentar, mas que era preciso primeiro pedir licença à nossa Madre. Como a Quaresma estava ainda longe de chegar ao fim, vós, minha caríssima Madre, ficastes surpreendida com tal pedido, que vos pareceu muito prematuro; e, certamente inspirada por Deus, respondestes que não era de maneira nenhuma por meio de cartas que as carmelitas [25 rº] devem salvar as almas, mas pela oração.

Ao ter conhecimento da vossa decisão, compreendi imediatamente que era a de Jesus, e disse à Ir. Maria da Trindade: - «É preciso pôr mãos à obra. Rezemos muito. Que alegria, se no fim da Quaresma fôssemos atendidas!...». Oh! misericórdia infinita do Senhor, que tanto quer escutar a oração dos seus filhos!... No fim da Quaresma, uma alma mais se consagrava a Jesus. Era um verdadeiro milagre da graça, milagre obtido pelo fervor de uma humilde noviça!

Como é grande o poder da oração! Dir-se-ia uma rainha que tem livre acesso junto do rei a cada instante, e que pode obter tudo quanto pede. Para ser ouvida, não é de modo nenhum necessário ler num livro uma bela fórmula composta para aquela circunstância; se assim fosse, pobre de mim! como seria digna de compaixão!... Fora do Ofício Divino, que sou muito indigna de recitar, não tenho coragem para me obrigar a procura nos livros belas orações; isso faz-me doer a cabeça. Há tantas..., e todas tão belas, tanto umas como as outras... Não podendo recitá-las todas, e não sabendo qual escolher, faço como as crianças que não sabem ler: digo muito simplesmente a Deus o que Lhe quero dizer, sem compor belas frases, e Ele compreende-me sempre... Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o Céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria; enfim, é algo [25 vº] de grande, de sobrenatural, que me dilata a alma e me une a Jesus.

Não quereria, contudo, minha Madre, que pensásseis que recito sem devoção as orações feitas em comum no coro ou nas ermidas. Pelo contrário, gosto muito das orações em comum, pois Jesus prometeu estar no meio daqueles que se reúnem em seu nome. Sei que então o fervor das minhas Irmãs faz as vezes do meu; mas, rezar o terço sozinha (envergonho-me de o confessar), custa-me mais do que pôr um instrumento de penitência... Reconheço que o rezo tão mal! Por mais que me esforce por meditar os mistérios do rosário, não consigo concentrar a atenção... Durante muito tempo desolei-me por essa falta de devoção, que me surpreendia, pois amo tanto a Santíssima Virgem, que me deveria ser fácil fazer em sua honra orações que lhe são agradáveis. Agora desolo-me menos, pois penso que a Rainha dos Céus, sendo a minha Mãe, deve ver a minha boa vontade e contentar-se com ela.

Algumas vezes quando o meu espírito está numa secura tão grande que me é impossível arrancar-lhe algum pensamento para me unir a Deus, recito muito devagarinho um Pai-nosso e depois a saudação angélica. Então essas orações encantam-me, alimentam muito mais a minha alma do que se as tivesse recitado precipitadamente uma centena de vezes...

A Santíssima Virgem dá-me a entender que não está zangada [26 rº] comigo, pois nunca deixa de me proteger logo que a invoco. Se tenho qualquer inquietação, uma dificuldade, volto-me depressa para ela, e como a mais terna das mães, encarrega-se sempre dos meus interesses. Quantas vezes me aconteceu, ao falar às noviças, invocá-la e sentir os benefícios da sua maternal protecção!...

Muitas vezes as noviças dizem-me: «Tendes resposta para tudo; pensava desta vez embaraçar-vos... Onde é que ides buscar o que nos dizeis?». Há-as tão ingénuas, que acreditam que lhes leio na alma, porque me aconteceu antecipar-me a elas e dizer-lhes o que estavam a pensar. Uma noite, uma das minhas companheiras tinha resolvido esconder-me uma preocupação que a fazia sofrer muito. Encontrado-a logo de manhã, falou-me com um rosto sorridente, e eu, sem responder ao que me dizia, disse-lhe num tom convicto: Estais triste. Se tivesse feito cair a lua aos seus pés, creio que não teria olhado para mim com mais espanto. A sua estupefacção era tão grande, que se apoderou de mim por um instante, e fiquei tomada de um pavor sobrenatural. Tinha a certeza de não ter o dom de ler nas almas, e fiquei verdadeiramente admirada por ter acertado em cheio. Senti claramente que Deus estava muito próximo, e que, sem me dar conta, tinha dito, como uma criança, palavras que não vinham de mim, mas d´Ele.

Compreendeis, minha caríssima Madre, que às noviças tudo é permitido; [26 vº] é preciso que possam dizer o que pensam, sem nenhuma restrição, tanto o bem como o mal. Isto é-lhes tanto mais fácil comigo, quanto não me devem o respeito que se tem para com uma Mestra.

Não posso dizer que Jesus me faz andar exteriormente pelo caminho das humilhações; contenta-se com humilhar-me no íntimo da minha alma. Aos olhos das criaturas tudo me corre bem, sigo pelo caminho das honras, tanto quanto é possível na vida religiosa. Compreendo que não é por mim, mas pelas outras, que tenho de andar por este caminho que parece tão perigoso. Com efeito, se aos olhos da Comunidade eu passasse por uma religiosa cheia de defeitos, incapaz, sem inteligência nem discernimento, ser-vos-ia impossível, minha Madre, deixar que eu vos ajudasse. Eis porque Deus lançou um véu sobre todos os meus defeitos interiores e exteriores. Esse véu, por vezes, proporcionou-me alguns elogios por parte das noviças; sei que não o fazem por lisonja, mas que é expressão de sentimentos espontâneos. Na verdade, isso não seria capaz de me inspirar vaidade, pois tenho incessantemente no pensamento a lembrança daquilo que sou. Apesar disso, às vezes vem-me um desejo muito grande de ouvir outra coisa que não sejam louvores.

Sabeis, minha Madre, que prefiro o vinagre ao açúcar; a minha alma também se cansa de uma alimentação demasiado açucarada, e Jesus permite então que lhe sirvam uma boa saladazinha [27 rº] bem avinagrada, bem picante, nada lhe faltando a não ser azeite, o que lhe dá outro sabor... Esta boa saladazinha é-me servida pelas noviças quando menos o espero. Deus levanta o véu que esconde as minhas imperfeições; então, as minhas queridas Irmãzinhas, vendo-me tal como sou, já não me acham absolutamente a seu gosto. Com uma simplicidade que me encanta, dizem-me todos os combates que lhes faço ter, o que lhes desagrada em mim; enfim, não fazem mais cerimónia do que se se tratasse de qualquer outra, sabendo que, agindo assim, me dão um grande prazer. Ah! verdadeiramente, é mais que um prazer, é um banquete delicioso que enche a minha alma de alegria. Não consigo compreender como uma coisa que desagrada tanto à natureza pode causar tanta felicidade; se o não tivesse experimentado, não o poderia acreditar...

Um dia, em que tinha especialmente desejado ser humilhada, aconteceu que uma noviça se encarregou tão bem de me satisfazer, que logo pensei em Semei amaldiçoando David, e disse para comigo: «Sim, é mesmo o Senhor que lhe ordena que me diga todas estas coisas...». E a minha alma saboreava deliciosamente o alimento amargo que lhe era servido com tanta abundância.

É assim que Deus se digna cuidar de mim. Não pode dar-me sempre o pão fortificante da humilhação exterior, mas, de tempos a tempos, permite que me alimente com as migalhas que caem da mesa dos filhos. Ah! como é grande a sua misericórdia! Só no Céu a poderei [27 vº] cantar...

Caríssima Madre, já que procuro começar a cantar convosco na terra esta misericórdia infinita, devo ainda contar-vos um grande benefício que me adveio da missão que me confiastes. Dantes, quando via uma Irmã fazer qualquer coisa que me desagradava e me parecia irregular, dizia para comigo: «Ah! se pudesse dizer-lhe o que penso, mostrar-lhe que procede mal, que bem isso me faria!». Desde que pratiquei um pouco este ofício, asseguro-vos, minha Madre, que mudei completamente de opinião. Quando me acontece ver uma Irmã fazer uma coisa que me parece imperfeita, dou um suspiro de alívio e digo comigo: «Que felicidade! não é uma noviça, não tenho obrigação de a repreender». E depois, procuro imediatamente desculpar a Irmã e atribuir-lhe boas intenções, que ela tem, sem dúvida. Ah! minha Madre, desde que estou doente, os cuidados que me prodigalizais instruíram-me muito sobre a caridade. Nenhum remédio vos parece caro demais e, se não dá resultado, experimentais outra coisa, sem desanimares. Quando ia ao recreio, como estáveis atenta a que ficasse bem ao abrigo das correntes de ar! Enfim, se quisesse contar-vos tudo, nunca mais acabaria.

Pensando em todas estas coisas, disse comigo que deveria ser tão compassiva para com as doenças espirituais das minhas Irmãs, como o sois vós, minha querida Madre, tratando-me com tanto amor.

Notei (e é muito natural) que as Irmãs mais santas são as [28 rº] mais amadas; procura-se conversar com elas, prestam-se-lhes serviços sem que os peçam, enfim, estas almas, capazes de suportar faltas de consideração, de delicadeza, vêem-se rodeadas da afeição de todas. Pode-se-lhes aplicar esta palavra no Nosso Pai S. João da Cruz: «Todos os bens me foram dados quando deixei de os procurar por amor próprio».

As almas imperfeitas, pelo contrário, não são nada procuradas; as pessoas mantêm-se, sem dúvida, em relação a elas, dentro dos limites da cortesia religiosa, mas receando talvez dizer-lhes algumas palavras pouco amáveis, evitam a companhia delas. Ao falar de almas imperfeitas, não me quero referir apenas às imperfeições espirituais, já que as mais santas não serão perfeitas senão no Céu; quero falar da falta de bom senso, de educação, da suscetibilidade de certos caracteres, todas as coisas que não tornam a vida muito agradável. Sei bem que essas doenças morais são crónicas, e não há esperança de cura, mas sei também que a minha Madre não deixaria de me tratar, de tentar aliviar-me se eu ficasse doente toda a vida. Eis a conclusão que daí tiro: devo procurar, no recreio, nas licenças, a companhia das Irmãs que me são menos agradáveis, exercer junto dessas almas feridas o ofício do Bom Samaritano.

Uma palavra, um sorriso amável, bastam, muitas vezes, para alegrar uma alma triste; mas não é exclusivamente para atingir esse objectivo que quero praticar a caridade, pois sei que bem depressa desanimaria: uma palavra que terei dito com a melhor intenção poderá ser interpretada completamente ao contrário. Assim, para não perder o meu tempo, quero ser amável para com todas [28 vº] (e particularmente para com as Irmãs menos amáveis), para dar alegria a Jesus, e corresponder ao conselho que Ele dá no Evangelho, mais ou menos nestes termos: «Quando deres um banquete, não convideis os vossos parentes nem os vossos amigos, não vão eles também convidar-vos, por sua vez, recebendo assim a vossa recompensa; mas convidai os pobres, os coxos, os paralíticos, e sereis felizes por eles não vos poderem retribuir, pois o vosso Pai, que vê no segredo, vos recompensará».

Que banquete poderia uma carmelita oferecer às suas Irmãs, senão um banquete espiritual composto de caridade amável e alegre? Quanto a mim, não conheço outro, e quero imitar S. Paulo, que se alegrava com os que encontrava alegres; é verdade que chorava também com os aflitos, e algumas vezes as lágrimas devem aparecer no banquete que quero oferecer, mas procurarei sempre que essas lágrimas se transformem em alegria, já que o Senhor ama os que dão com alegria.

Lembro-me de um acto de caridade que Deus me inspirou a praticar quando eu era ainda noviça; era pouca coisa, no entanto, o nosso Pai, que vê no segredo, que olha mais à intenção que à grandeza da acção, já me recompensou, sem esperar pela outra vida. Era no tempo em que a Ir. São Pedro ainda ia ao coro e ao refeitório. Na oração da tarde ficava na minha frente: dez minutos antes das seis horas devia sair uma Irmã para a acompanhar ao refeitório, porque as enfermeiras tinham então demasiadas doentes para a virem [29 rº] buscar. Custava-me muito oferecer-me para prestar este pequeno serviço, porque sabia que não era fácil contentar a pobre Ir. São Pedro, que sofria tanto, e que não gostava de mudar de acompanhante. Contudo, eu não queria deixar de aproveitar uma tão bela ocasião para praticar a caridade, lembrando-me do que Jesus dissera: «O que fizerdes ao mais pequeno dos meus, é a mim que o fazeis». Ofereci-me, portanto, muito humildemente, para a acompanhar. Não foi sem custo que consegui que os meus serviços fossem aceites! Finalmente, pus mãos à obra, e tinha tão boa vontade, que triunfei plenamente.

Todas as tardes, quando via a Ir. São Pedro sacudir a ampulheta, sabia que isso queria dizer: «Vamos!». É incrível como me custava sair, sobretudo ao princípio. Apesar disso, fazia-o imediatamente, e depois, começava todo um cerimonial. Era preciso retirar e levar o banco de um modo especial, sobretudo, não se apressar; a seguir, iniciava-se o passeio. Tratava-se de acompanhar a pobre doente, segurando-a pela cintura. Fazia-o com a maior suavidade que me era possível; mas, se por infelicidade, ela dava um passo em falso, logo lhe parecia que eu a segurava mal, e que ia cair. - «Ah, meu Deus! ides muito depressa! Ê vô cair em pedaços!». Se procurava andar ainda mais devagarinho, - «Então, venha lá comigo! Já não sint´a vossa mão, largastes-me, vô cair! Ah! ê bem disse que vós éreis nova demais para me acompanhar». Por fim, chegávamos sem acidente ao refeitório; ali surgiam outras dificuldades: era preciso sentar a Ir. São Pedro, e proceder habilmente para [29 vº] não a magoar. Seguidamente, era preciso arregaçar-lhe as mangas (também de um modo especial), depois ficava livre para me ir embora. Com as pobres mãos estropiadas, arranjava o pão na tigela, como podia. Logo dei conta disso e, todas as tardes, não a deixava senão depois de lhe ter prestado mais esse pequeno serviço. Como não mo tinha pedido, ficou muito sensibilizada com a minha atenção, e foi por esse meio, que não procurara expressamente, que ganhei completamente a sua simpatia. E sobretudo (soube-o mais tarde) porque, depois de lhe ter cortado o pão, lhe mostrava o mais belo sorriso, antes de me ir embora.

Minha caríssima Madre, talvez fiqueis admirada por vos contar este pequeno acto de caridade, passado há tanto tempo. Ah! se o fiz é porque sinto que, por causa dele, preciso de cantar as misericórdias do Senhor. Ele dignou-se deixar-me esta recordação, como um perfume que me leva a praticar a caridade. Lembro-me, por vezes, de certos pormenores que são para a minha alma como uma brisa primaveril. Aqui tendes um que me ocorre à memória: Uma noite de Inverno, cumpria, como de costume, o meu pequeno ofício. Estava frio, era noite... De repente, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas, dirigindo-se mutuamente comprimentos e cortesias mundanas. A seguir, o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia, de vez em quando, os seus gemidos queixosos; em vez de dourados, [30 rº] via os tijolos do nosso claustro austero, mal iluminado por uma luz muito frouxa. Não consigo exprimir o que se passou na minha ala; o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade...

Ah! para gozar mil anos de festas mundanas, não teria dado os dez minutos gastos no cumprimento do meu humilde ofício de caridade!... Se no sofrimento, no meio do combate, se pode gozar já, por um instante, de uma felicidade que ultrapassa todas as felicidades da terra, ao pensar que Deus nos retirou do mundo, o que será no Céu, quando virmos, no meio de uma alegria e de um repouso eternos, a graça incomparável que o Senhor nos concedeu ao escolher-nos para habitar na sua casa, verdadeiro pórtico dos Céus?...

Não foi sempre com estes transportes de alegria que pratiquei a caridade, mas, no princípio da minha vida religiosa, Jesus quis fazer-me sentir quão doce é vê-l´O na alma das suas esposas; por isso, quando acompanhava a minha Ir. S. Pedro, fazia-o com tanto amor, que me teria sido impossível fazer melhor se tivesse de acompanhar o próprio Jesus.

A prática da caridade nem sempre me foi assim tão doce, como vos dizia à instantes, minha querida Madre; para vo-lo provar, vou contar-vos alguns pequenos combates que, certamente, vos farão sorrir. Durante muito tempo, na oração da tarde, fiquei à frente de uma Irmã que tinha uma mania esquisita e, segundo penso, muitas luzes, pois raramente se servia de um livro. Eis como [30 vº] me dava conta disso: Logo que essa Irmã chegava, punha-se a fazer um barulhinho estranho que se parecia com o que se faria esfregando duas conchas uma contra a outra. Só eu dava conta, pois tenho o ouvido extremamente apurado (um pouco demais, ás vezes). Dizer-vos, minha Madre, quanto esse barulhinho me cansava, é coisa impossível; tinha uma grande vontade de virar a cabeça e de olhar para a culpada que, certamente, não dava conta do seu tique; era a única maneira de a elucidar. Mas, no fundo do coração sentia que valia mais sofrer aquilo pelo amor de Deus, e para não fazer sofrer a Irmã. Mantinha-me, portanto, sossegada; tentava unir-me a Deus, e esquecer o barulhinho... Tudo era inútil; sentia o suor a inundar-me, e via-me obrigada a fazer simplesmente uma oração de sofrimento. Mas, mesmo sofrendo, procurava modo de o fazer sem ser com irritação, mas com alegria e paz, pelo menos no íntimo da alma. Então, procurava gostar do barulhinho tão desagradável; em vez de tentar não o ouvir (coisa impossível), concentrava a atenção em o ouvir bem, como se fosse um concerto encantador. E toda a minha oração (que não era a de quietude) se passava a oferecer esse concerto a Jesus.

Outra ocasião, estava a lavar roupa em frente de uma Irmã que me deitava água suja para o rosto cada vez que erguia os lenços no lavadouro; o meu primeiro movimento foi recuar, [31 rº] limpando o rosto, para mostrar à Irmã que me aspergia que me faria um grande favor se estivesse quieta, mas logo pensei que era bem tola ao recusar tesouros que me eram dados tão generosamente, e tive todo o cuidado em não deixar transparecer o meu combate. Fiz todo o esforço por desejar receber muita água suja, a tal ponto que no fim tinha verdadeiramente tomado o gosto a este novo género de aspersão, e prometi a mim mesma voltar outra vez a esse feliz lugar onde se recebiam tantos tesouros.

Caríssima Madre, vedes que sou uma alma muito pequena que não pode oferecer a Deus senão coisas muito pequenas. E ainda me acontece muitas vezes deixar escapar destes pequenos sacrifícios que dão tanta paz à alma. Isso não me desanima; suporto ter um pouco menos de paz e procuro ser mais vigilante para outra vez.

Ah! o Senhor é tão bom para mim, que me é impossível temê-lo. Sempre me deu o que desejava, ou antes, fez-me desejar o que me queria dar. Assim, pouco tempo antes de começar a minha provação contra a fé, dizia comigo: «Na verdade, não tenho grandes provações exteriores, e para as ter interiores seria preciso que Deus mudasse o meu caminho; não creio que o faça, contudo, não posso viver sempre assim no sossego... Que meio encontrará Jesus para me provar?». A resposta não se fez esperar, e mostrou-me que Aquele que amo não tem falta de recursos; sem mudar o meu caminho, enviou-me a provação que havia de misturar um salutar amargor a todas as minhas alegrias.

Não é só quando me quer experimentar [31 vº] que Jesus mo faz pressentir e desejar. Há muito tempo que tinha um desejo que me parecia absolutamente irrealizável: o de ter um irmão sacerdote. Pensava muitas vezes que, se os meus irmãozinhos não tivessem voado para o Céu, teria tido a felicidade de os ver subir ao altar. Mas, como Deus os escolheu para deles fazer anjinhos, já não podia esperar ver o meu sonho realizar-se. Mas eis que Jesus não só me concedeu a graça que desejava, como também me uniu pelos laços da alma a dois dos seus apóstolos, que se tornaram meus irmãos...

Quero, minha caríssima Madre, contar-vos em pormenor como é que Jesus satisfez o meu desejo, e até o excedeu, pois eu desejava apenas um irmão sacerdote, que todos os dias pensasse em mim na santa missa. Foi a nossa Santa Madre Teresa que me enviou como ramalhete de festa, em 1895, o meu primeiro irmãozinho. Estava a lavar roupa, muito ocupada com o meu trabalho, quando a Madre Inês de Jesus, chamando-me à parte, me leu uma carta que acabava de receber. Era um jovem seminarista, inspirado, dizia ele, por Santa Teresa, que vinha pedir uma Irmã que se dedicasse especialmente à salvação da sua alma, e o ajudasse, com as suas orações e sacrifícios, quando fosse missionário, para poder salvar muitas almas. Prometia ter sempre uma lembrança por aquela que se tornasse sua irmã, quando pudesse oferecer o Santo Sacrifício. A Madre Inês de Jesus disse-me que queria que fosse eu a tornar-me irmã desse futuro missionário. [32 rº] Minha Madre, descrever-vos a minha felicidade seria coisa impossível. O meu desejo, satisfeito de uma maneira inesperada, fez nascer no meu coração uma alegria, que chamarei infantil, porque é preciso regressar aos dias da minha infância para encontrar a lembrança dessas alegrias tão vivas, que a alma é pequena demais para as conter. Desde há vários anos, nunca tinha saboreado tal género de felicidade. Sentia que, desse lado, a minha alma estava intacta; era como se, pela primeira vez, tivessem tocado cordas musicais que até então tinham ficado no esquecimento.

Compreendia as obrigações que eu me impunha; por isso, pus mãos à obra, tentando redobrar de fervor. Devo confessar que, a princípio, não tive consolações para estimular o meu zelo. Depois de ter escrito uma carta encantadora, cheia de amizade e de sentimentos nobres, para agradecer à Madre Inês de Jesus, o meu irmãozinho não deu mais sinais de vida, senão no mês de Julho seguinte, com excepção do cartão que enviou no mês de Novembro para dizer que ia para o quartel.

Era a vós, minha caríssima Madre, que Deus tinha reservado para completar a obra começada. É, sem dúvida, pela oração e pelo sacrifício que se podem ajudar os missionários; mas às vezes, quando é do agrado de Jesus unir duas almas para sua glória, permite que, de tempos a tempos, possam comunicar uma à outra os seus pensamentos e estimular-se a amar mais a Deus. Mas para isso é preciso a vontade expressa da autoridade, pois parece-me que, de outra forma, tal correspondência faria mais mal do que bem, se não ao missionário, pelo menos à carmelita, continuamente inclinada, pelo seu género de vida, [32 vº] a fechar-se em si mesma. Então, em vez de se unir a Deus, essa correspondência (mesmo distanciada) que ela teria solicitado, ocupar-lhe-ia o espírito; imaginando fazer mundos e fundos, não faria absolutamente nada a não ser procurar, sob pretexto de zelo, uma distração inútil.

Quanto a mim, nisso como no resto, sinto que é preciso, para que as minhas cartas façam bem, que sejam escritas por obediência, e que experimente antes repugnância do que gosto em escrever. Assim, quando falo com uma noviça, procuro fazê-lo mortificando-me, e evito fazer-lhe perguntas que satisfariam a minha curiosidade; se começa uma coisa interessante e depois passa a outra que me aborrece, sem acabar a primeira, evito cuidadosamente lembrar-lhe o assunto que deixou de lado, pois me parece que não se pode fazer nenhum bem quando nos procuramos a nós mesmas.

Minha caríssima Madre, apercebo-me de que nunca me corrigirei; eis que parti novamente para bem longe do meu assunto, com todas as minhas dissertações. Desculpai-me, por favor, e permiti que recomece na próxima ocasião, pois não consigo fazer de outra maneira!...

Vós agis como Deus, que não se cansa de me ouvir quando Lhe conto muito simplesmente as minhas dores e alegrias, como se Ele as não soubesse... Também vós, minha Madre, sabeis há muito tempo o que penso, e todos os acontecimentos um tanto notáveis da minha vida; não poderia, portanto, contar-vos nada de novo. Não posso deixar de rir, ao pensar que vos escrevo escrupulosamente tantas coisas [33 rº] que vós sabeis tanto como eu. Enfim, querida Madre, estou a obedecer-vos; e se agora não encontrais interesse em ler estas páginas, talvez vos distraiam nos dias da vossa velhice, e sirvam depois para acenderdes o lume; assim não terei perdido o meu tempo... Ah! divirto-me a falar como uma criança. Não julgueis, minha Madre, que procuro saber que utilidade poderá ter o meu pobre trabalho; como o faço por obediência, isso me basta, e não sentiria nenhum desgosto se o queimásseis na minha frente, sem o terdes lido.

É tempo de retomar a história dos meus irmãos, que agora têm um lugar tão importante na minha vida. No ano passado, nos finais do mês de Maio, lembro-me de que um dia me mandastes chamar, antes de ir para o refeitório. O coração batia-me com força quando entrei no vosso ofício, minha querida Madre; perguntava a mim mesma o que poderíeis ter para me dizer, pois era a primeira vez que assim me mandáveis procurar. Depois de me terdes mandado sentar, eis a proposta que me fizestes: - «Quereis encarregar-vos das intenções espirituais de um missionário que vai ser ordenado sacerdote e partir brevemente?». E a seguir, minha Madre, leste-me a carta desse jovem sacerdote, para eu saber exactamente o que ele pedia. O meu primeiro sentimento foi um sentimento de alegria, que logo deu lugar ao temor. Expliquei-vos, minha caríssima Madre, que, tendo já oferecido os meus méritos por um futuro apóstolo, julgava não o poder fazer também pelas intenções de outro, e que, de resto, havia muitas Irmãs melhores do que eu que poderiam corresponder ao seu desejo. Todas as minhas objecções foram inúteis. Respondestes-me que se podia ter vários irmãos. Então perguntei-vos se a obediência não poderia duplicar os meus méritos. [33 vº] Respondestes-me que sim, dizendo-me várias coisas que me faziam ver que deveria aceitar, sem escrúpulo, outro irmão.

No fundo, minha Madre, eu pensava como vós, uma vez que «o zelo de uma carmelita deve abrasar o mundo». Espero mesmo, com a graça de Deus, ser útil a mais de dois missionários, e não me poderia esquecer de rezar por todos, sem pôr de parte os simples sacerdotes, cuja missão, por vezes, é tão difícil de cumprir como a dos apóstolos que pregam aos infiéis. Enfim, quero ser filha da Igreja, como a nossa Madre Santa Teresa, e rezar pelas intenções do nosso santo Padre o Papa, sabendo que as suas intenções abarcam o universo. Eis a finalidade geral da minha vida. Mas isso não me teria impedido de rezar e de me unir especialmente às obras dos meus anjinhos queridos, se eles tivessem sido sacerdotes.

Pois bem! eis como me uni espiritualmente aos apóstolos que Jesus me deu como irmãos: tudo o que me pertence, pertence a cada um deles, estou certa que o bom Deus é bom demais para fazer partilhas. Ele é tão rico que dá sem medida tudo o que Lhe peço... Mas não julgueis, minha Madre, que me perco em longas enumerações.

Desde que tenho dois irmãos e as minhas Irmãzinhas noviças, se quisesse pedir para cada alma o que ela necessita, e pormenorizá-lo bem, os dias seriam pequenos demais, e recearia muito esquecer algo de importante. Para as almas mais simples não convém meios complicados. Como sou do número destas, uma manhã, durante a acção de graças, Jesus deu-me um meio simples de cumprir a minha missão. Fez-me [34 rº] compreender esta palavra do Cântico dos Cânticos: «atrai-me, correremos ao odor dos vossos perfumes». Ó Jesus, nem sequer é necessário dizer: «Atraindo-me, atrai as almas que amo!». Esta simples palavra: «Atraí-me», basta.

Senhor, eu compreendo. Quando uma alma se deixou cativar pelo odor inebriante dos vossos perfumes, não seria capaz de correr sozinha: todas as almas que ama são arrastadas atrás dela. Isto faz-se sem constrangimento, sem esforço; é uma consequência natural da sua atracção para Vós. Assim como uma torrente, lançando-se impetuosamente no oceano, arrasta consigo tudo o que encontrou no seu percurso, do mesmo modo, ó meu Jesus, a alma que mergulha no oceano sem limites do vosso amor, leva com ela todos os tesouros que possui... Senhor, bem o sabeis, não tenho mais nenhum tesouro a não ser as almas que Vos aprouve unir à minha. Estes tesouros fostes Vós que mos confiastes, por isso, ouso servir-me das palavras que dirigistes ao Pai celeste, na última noite que Vos viu ainda na nossa terra, peregrino e mortal.

Jesus, meu Bem-amado, não sei quando acabará o meu exílio... Mais que um noite me verá ainda cantar no exílio as vossas misericórdias. Mas, finalmente, também para mim virá a última noite. Então gostaria de poder dizer-Vos, ó meu Deus: «Glorifiquei-Vos sobre a terra; cumpri a obra que me confiastes; dei a conhecer o vosso nome àqueles que me destes. Eles eram vossos, e Vós mos destes. E agora eles sabem que tudo o que me destes vem de Vós, pois eu comuniquei-lhes as palavras que Vós me comunicastes; eles receberam-nas e acreditaram que fostes Vós que me enviastes. Rezo por aqueles que me destes, porque são vossos. [34 vº] Já não estão no mundo; quanto a eles, estão no mundo e eu volto para Vós. Pai Santo, por causa do vosso nome, conservai aqueles que me destes. Agora vou para Vós, e é para que a alegria que vem de Vós seja perfeita neles, que digo isto enquanto estou no mundo. Não Vos peço que os tireis do mundo, mas que os preserveis do mal. Eles não são do mundo, assim como eu já não sou do mundo. Não é somente por eles que rogo, mas também por aqueles que hão-de acreditar em Vós pelo que lhes ouvirem dizer.

«Meu Pai, desejo que, onde eu estiver, aí estejam comigo aqueles que me destes, e que o mundo conheça que os amastes como me amastes a mim mesmo».

Sim, Senhor, eis o que gostaria de repetir convosco, antes de voar para os vossos braços. Será temeridade? Ah, não! Há muito tempo que me permitistes ser audaciosa convosco. Como o pai do filho pródigo, falando ao filho mais velho, Vós dissestes-me: «Tudo o que é meu, é teu».

As vossas palavras, ó Jesus, são, portanto, minhas, e posso servir-me delas para atrair sobre as almas que estão unidas a mim os favores do Pai celeste. Mas, Senhor, quando digo que «onde eu estiver, desejo que aqueles que me foram dados por Vós lá estejam também», não pretendo que não sejam elevados a uma glória muito superior àquela que Vos aprouver dar-me; quero pedir simplesmente que estejamos um dia todos reunidos no vosso belo Céu.

Bem o sabeis, ó meu Deus, nunca desejei senão amar-Vos; não ambiciono outra glória. [35 rº] O vosso amor precedeu-me desde a minha infância, cresceu comigo, e agora é um abismo, cuja profundidade não consigo sondar. O amor atrai o amor; por isso, meu Jesus, o meu lança-se para Vós, e quereria encher o abismo que o atrai, mas, pobre de mim! nem chega a ser uma gota de orvalho perdida no oceano!... Para Vos amar como Vós me amais, preciso de me servir do vosso próprio amor; só então encontro repouso.

Ó meu Jesus, é talvez uma ilusão, mas parece-me que não podeis cumular nenhuma alma com mais amor do que cumulastes a minha. É por isso que ouso pedir-Vos que ameis aqueles que me destes como me amastes a mim. Um dia, no Céu, se descobrir que os amais mais do que a mim, alegrar-me-ei com isso, reconhecendo desde já que essas almas merecem o vosso amor muito mais do que a minha. Mas, cá na terra, não posso conceber maior imunidade de amor do que a que vos dignastes prodigar-me gratuitamente, sem nenhum mérito da minha parte.

Minha querida Madre, volto finalmente a vós. Estou espantada com o que acabo de escrever, pois não tinha tal intenção. Uma vez que está escrito, deixá-lo ficar. Mas antes de retomar a história dos meus irmãos, quero dizer-vos, minha Madre, que não é a eles, mas às minhas Irmãzinhas, que dirijo as primeiras palavras tiradas do Evangelho: «Comuniquei-lhes as palavras que me comunicastes», etc..., porque não me julgo capaz de dar lições a missionários. Felizmente, não sou ainda tão orgulhosa como isso! Também não teria sido capaz [35 vº] de dar quaisquer conselhos ás minhas Irmãs, se vós, minha Madre, que para mim representais a Deus, não me tivésseis concedido essa graça.

Pelo contrário, era nos vossos queridos filhos espirituais, que são meus irmãos, que eu pensava ao escrever estas palavras de Jesus e as que se lhe seguem: «Não vos peço que os tireis do mundo... Rogo-Vos também por aqueles que hão-de acreditar em Vós pelo que lhes ouvirem dizer». Com efeito, como poderia deixar de rezar pelas almas que eles salvarão nas missões longínquas, pelo sofrimento e pela pregação?

Minha Madre, julgo ser necessário dar-vos ainda algumas explicações sobre a passagem do Cântico dos Cânticos: «Atraí-me, nós corremos...», porque o que com ela quis dizer, parece-me pouco compreensível. «Ninguém – disse Jesus – pode vir a mim, se o meu Pai, que me enviou, o não atrair». A seguir, em sublimes parábolas, e mesmo muitas vezes sem se servir deste meio tão familiar ao povo, Ele ensina-nos que basta bater para que nos abram, procurar para para encontrar, e estender humildemente a mão para receber o que se pede... Diz ainda que tudo o que se pede a seu Pai em seu nome, Ele o concede. Foi por isso, certamente, que o Espírito Santo, antes do nascimento de Jesus, inspirou esta oração profética: «Atraí-me, nós correremos».

O que significa, portanto, pedir para ser Atraído, senão unir-se de maneira íntima com o objecto que cativa o coração? Se o fogo e o ferro tivessem entendimento, e se este último dissesse ao primeiro: «Atrai-me», acaso não demonstraria querer identificar-se com o fogo, de maneira que ele o penetrasse [36 rº] e embebesse com a sua ardente substância até que parecesse fazer uma só coisa com ele?

Eis a minha oração, caríssima Madre. Peço a Jesus que me atraia para as chamas do seu amor, que me una tão estreitamente a Ele, que viva e actue em mim. Estou certa de que quanto mais o fogo do amor abrasar o meu coração, tanto mais eu direi: «Atraí-me»; e também quanto mais as almas se aproximarem de mim (pobre pedacito de ferro inútil,, se me afastasse do braseiro divino), tanto mais essas almas correrão com ligeireza ao odor dos perfumes do seu Bem-amado, pois uma alma abrasada de amor não pode ficar inactiva.

Sem dúvida, como Santa Madalena, ela permanece aos pés de Jesus, e escuta a sua palavra doce e inflamada. Parecendo não dar nada, dá muito mais que Marta, que se aflige com muitas coisas e que quereria que a sua irmã a imitasse. Não são, de modo nenhum, os trabalhos de Marta que Jesus censura; a esses trabalhos se submeteu humildemente a sua Mãe, durante a vida, pois tinha de preparar as refeições da Sagrada Família. Era apenas a inquietação da sua ardente hospedeira que Ele queria corrigir. Todos os Santos o compreenderam, e mais particularmente talvez, aqueles que encheram o universo com a iluminação da doutrina evangélica. Não foi, acaso, na oração onde os Santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e tantos outros ilustres amigos de Deus beberam esta ciência divina que arrebata os maiores génios?

Um sábio disse: «Dai-me uma alavanca, um ponto de apoio, e levantarei o mundo». O que Arquimedes não pôde obter, porque o seu pedido não se dirigia a Deus, e por não ser feito senão sob o ponto de vista material, os Santos obtiveram-no [36 vº] em toda a plenitude: o Todo-Poderoso deu-lhes, como ponto de apoio: Ele mesmo e Ele só; e como alavanca: a oração, que abrasa com fogo de amor. E foi assim que levantaram o mundo; é assim que os santos que ainda militam na terra o levantam, e que, até ao fim do mundo, os futuros santos o levantarão também.

Minha querida Madre, agora queria dizer-vos o que entendo por odor dos perfumes do Bem-amado. Uma vez que Jesus subiu de novo ao Céu, não posso segui-l´O senão pelos vestígios que deixou. Mas, como esses vestígios são luminosos! Como são perfumados! Basta-me lançar o olhar para o santo Evangelho, e logo respiro os perfumes da vida de Jesus, e sei que para lado. Não é para o primeiro lugar, mas para o último que eu corro. Em vez de avançar como o fariseu, repito, cheia de confiança, a oração do publicano. Imito, sobretudo, a conduta de Madalena; a sua surpreendente, ou melhor, a sua amorosa audácia, que encanta o coração de Jesus, seduz o meu.

Sim, estou certa de que mesmo que tivesse na minha consciência todos os pecados que se possam cometer, eu iria com o coração despedaçado de arrependimento lançar-me nos braços de Jesus, pois sei quanto ama o filho pródigo que para Ele volta. Não é porque Deus, na sua previdente misericórdia, preservou a minha alma do pecado mortal, que me elevo para Ele [37 rº] pela confiança e pelo amor.