11. FRANCISCO, O PEQUENO MORALISTA

11. FRANCISCO, O PEQUENO MORALISTA
Ao som do animado descante, foram-se juntando as vizinhas;
e, ao terminar, pediram uma nova repetição. Mas o Francisco
aproximou-se de mim e disse-me:
– Não cantemos mais isso. Nosso Senhor decerto agora não
gosta que cantemos essas coisas.
E lá nos escapámos como pudemos, por entre a outra criançada, para o nosso poço predilecto.
Na verdade, eu, agora, que por obediência acabo de o escrever, cubro a cara com vergonha. Mas V. Ex.cia Rev.ma, a pedido
do Senhor Dr. Galamba, achou por bem mandar-me escrever os
cantares profanos que sabíamos. Aí vão! Não sei para quê. Mas
basta-me saber que é para cumprir a vontade de Deus.
Entretanto, aproximou-se o Carnaval de 1918. As raparigas e
rapazes juntaram-se, ainda esse ano, para a costumada cozinhada
e brincadeira desses dias. Cada um levava de sua casa uma coisa: uns, azeite; outros, farinha; outros, carne; etc. e junto tudo em
uma casa, para isso destinada, as raparigas aí cozinhavam um
faustoso banquete. E nesses dias era comer e bailar até que horas
da noite, em especial no último dia.
As crianças de 14 anos para baixo tinham a sua festa noutra
casa, à parte. Vieram, pois, várias a convidar-me para com elas
organizar a festa. Recusei, a princípio; mas, levada por uma cobarde
condescendência, cedi às instâncias de várias, em especial duma
filha e dois filhos dum homem da Casa Velha, José Carreira, que
punha a sua casa à nossa disposição. Ele mesmo, com sua mulher,
insistiam para que fosse. Cedi, pois, e lá fui com um bom rancho a
ver o local: uma boa sala ou quase salão para a brincadeira e um
bom pátio para o jantar. Combinou-se tudo e de lá vim, exteriormente
em grande festa, mas, no íntimo, com a consciência a dar-me gritos
de reprovação. Ao chegar junto da Jacinta e do Francisco, disse-lhes
o que se tinha passado.
– E tu voltas a essas cozinhadas e brincadeiras? – me
perguntou, com seriedade, o Francisco. – Já te esqueceste que
prometemos nunca mais lá voltar?!
– Eu não queria ir; mas como bem vês que me não deixam, a
pedir-me que vá; e não sei como fazer.
Na verdade, as instâncias eram muitas, e as amigas que, para
brincar comigo, se juntavam, não eram menos. Vinham até de várias aldeias bem distantes: da Moita, uma Rosa e Ana Caetano e
Ana Brogueira; da Fátima, duas filhas de Manuel Caracol; de
Boleiros (10), duas filhas de Manuel da Ramira e duas de Joaquim
Chapeleta; da Amoreira, duas de Silva; dos Currais, uma Laura
Gato; Josefa Valinho e várias outras, cujos nomes não recordo, de
Boleiros, da Lomba, da Pederneira, etc.; e isto fora as que se juntavam da Eira da Pedra, Casa Velha e Aljustrel. Como, assim de
(10) Do Montelo e não de Boleiros. A própria Lúcia o confirma mais adiante (pág.
158): “Quiseram levar-nos um dia, ao Montelo, a casa dum homem chamado
Joaquim Chapeleta...”
 
repente, desenganar tudo isto, que parecia não saber divertir-se
sem mim, e fazer-lhes compreender que era preciso acabar para
sempre com tais reuniões?! Deus inspirou-o ao Francisco:
– Sabes como vais a fazer? Toda a gente sabe que Nossa Senhora te apareceu; por isso, dizes que Lhe prometeste não tornar
mais a bailar e que, por isso, não vais. Depois, nesses dias,
escapamo-nos para a Lapa do Cabeço; lá ninguém nos encontra.
Aceitei a proposta; e dada a minha decisão, ninguém pensou
mais em organizar tal assembleia. Era Deus a abençoar. E essas
amigas, que antes me procuravam para se divertir, agora
seguiam-me e vinham procurar-me a casa, aos Domingos pela tarde, para ir com elas rezar o terço à Cova da Iria.
Ao som do animado descante, foram-se juntando as vizinhas;
e, ao terminar, pediram uma nova repetição. Mas o Francisco
aproximou-se de mim e disse-me:
– Não cantemos mais isso. Nosso Senhor decerto agora não
gosta que cantemos essas coisas.
E lá nos escapámos como pudemos, por entre a outra criançada, para o nosso poço predilecto.
Na verdade, eu, agora, que por obediência acabo de o escrever, cubro a cara com vergonha. Mas V. Ex.cia Rev.ma, a pedido
do Senhor Dr. Galamba, achou por bem mandar-me escrever os
cantares profanos que sabíamos. Aí vão! Não sei para quê. Mas
basta-me saber que é para cumprir a vontade de Deus.
Entretanto, aproximou-se o Carnaval de 1918. As raparigas e
rapazes juntaram-se, ainda esse ano, para a costumada cozinhada
e brincadeira desses dias. Cada um levava de sua casa uma coisa: uns, azeite; outros, farinha; outros, carne; etc. e junto tudo em
uma casa, para isso destinada, as raparigas aí cozinhavam um
faustoso banquete. E nesses dias era comer e bailar até que horas
da noite, em especial no último dia.
As crianças de 14 anos para baixo tinham a sua festa noutra
casa, à parte. Vieram, pois, várias a convidar-me para com elas
organizar a festa. Recusei, a princípio; mas, levada por uma cobarde
condescendência, cedi às instâncias de várias, em especial duma
filha e dois filhos dum homem da Casa Velha, José Carreira, que
punha a sua casa à nossa disposição. Ele mesmo, com sua mulher,
insistiam para que fosse. Cedi, pois, e lá fui com um bom rancho a
ver o local: uma boa sala ou quase salão para a brincadeira e um
bom pátio para o jantar. Combinou-se tudo e de lá vim, exteriormente
em grande festa, mas, no íntimo, com a consciência a dar-me gritos
de reprovação. Ao chegar junto da Jacinta e do Francisco, disse-lhes
o que se tinha passado.
– E tu voltas a essas cozinhadas e brincadeiras? – me
perguntou, com seriedade, o Francisco. – Já te esqueceste que
prometemos nunca mais lá voltar?!
– Eu não queria ir; mas como bem vês que me não deixam, a
pedir-me que vá; e não sei como fazer.
Na verdade, as instâncias eram muitas, e as amigas que, para
brincar comigo, se juntavam, não eram menos. Vinham até de várias aldeias bem distantes: da Moita, uma Rosa e Ana Caetano e
Ana Brogueira; da Fátima, duas filhas de Manuel Caracol; de
Boleiros (10), duas filhas de Manuel da Ramira e duas de Joaquim
Chapeleta; da Amoreira, duas de Silva; dos Currais, uma Laura
Gato; Josefa Valinho e várias outras, cujos nomes não recordo, de
Boleiros, da Lomba, da Pederneira, etc.; e isto fora as que se juntavam da Eira da Pedra, Casa Velha e Aljustrel. Como, assim de
 
repente, desenganar tudo isto, que parecia não saber divertir-se
sem mim, e fazer-lhes compreender que era preciso acabar para
sempre com tais reuniões?! Deus inspirou-o ao Francisco:
– Sabes como vais a fazer? Toda a gente sabe que Nossa Senhora te apareceu; por isso, dizes que Lhe prometeste não tornar
mais a bailar e que, por isso, não vais. Depois, nesses dias,
escapamo-nos para a Lapa do Cabeço; lá ninguém nos encontra.
Aceitei a proposta; e dada a minha decisão, ninguém pensou
mais em organizar tal assembleia. Era Deus a abençoar. E essas
amigas, que antes me procuravam para se divertir, agora
seguiam-me e vinham procurar-me a casa, aos Domingos pela tarde, para ir com elas rezar o terço à Cova da Iria.
 
(10) Do Montelo e não de Boleiros. A própria Lúcia o confirma mais adiante (pág.
158): “Quiseram levar-nos um dia, ao Montelo, a casa dum homem chamado
Joaquim Chapeleta...”