Já disse a V. Ex.cia Rev.ma, no escrito sobre a minha prima,
como foram dois veneráveis Sacerdotes que nos falaram de Sua
Santidade e da necessidade que tinha de orações. Desde então,
não oferecemos a Deus oração ou sacrifício algum, em que não
dirigíssemos uma súplica por Sua Santidade. E concebemos um
amor tão grande ao Santo Padre que, quando, um dia, o Senhor
Prior disse a minha mãe que provavelmente eu vinha a ter que ir a
Roma, para ser interrogada por Sua Santidade, batia as palmas de
contente, e dizia a meus primos:
– Que bom, se vou ver o Santo Padre!
E a eles caíam as lágrimas e diziam:
– Nós não vamos, mas oferecemos este sacrifício por Ele.
O Senhor Prior fez-me também o seu último interrogatório. O
tempo determinado para os factos tinha acabado e Sua Rev.cia não
sabia que dizer a tudo isto. Começou também por mostrar o seu
descontentamento:
– Para que vai essa quantidade de gente prostrar-se em oração em um descampado, enquanto que o Deus vivo, o Deus dos
nossos altares, Sacramentado, permanece solitário, abandonado
no Tabernáculo? Para quê esse dinheiro que deixam ficar, sem fim
algum, debaixo dessa carrasqueira, enquanto que a Igreja em obras
não há maneira de se acabar, por falta de meios (24)?
Eu compreendia perfeitamente a razão das suas reflexões;
mas, que Ihe havia de fazer? Se eu fosse senhora dos corações
destas pessoas, inclinava-os, por certo, para a Igreja. Mas, como
não era, oferecia a Deus mais este sacrifício.
Como a Jacinta tinha o costume de, nos interrogatórios, baixar a cabeça, pôr os olhos no chão e não dizer quase palavra, eu
era a chamada quase sempre para satisfazer a curiosidade dos
Peregrinos. Era, por isso, continuamente chamada a casa do Senhor Prior, para ser interrogada por esta ou aquela pessoa, por
este ou aquele Sacerdote. Veio, em uma ocasião, interrogar-me
um Sacerdote de Torres Novas (25). Fez-me um interrogatório tão
(24) Pode concluir-se, pelos documentos de então, que uma das razões da saída
do Pároco foi a dificuldade encontrada na construção da nova igreja.
(25) Cónego Ferreira, naquele tempo o Vigário de Torres Novas, confessou, um
dia, que ele próprio tinha sido um destes interrogadores.
minucioso, tão cheio de enredos, que fiquei com algum escrúpulo,
por Ihe haver ocultado algumas coisas. Consultei meus primos
sobre o caso:
– Não sei – Ihes disse – se estamos fazendo mal em não dizer
tudo. Quando nos perguntam se Nossa Senhora nos disse alguma
coisa mais, não sei se, com dizer que nos disse o segredo, não
mentimos, calando o resto.
– Não sei – respondeu a Jacinta. – Vê lá! Tu é que não queres
que se diga.
– Já se vê que não quero, não – Ihe respondi. – Para nos
começarem a perguntar que mortificações fazemos? Não nos faltava mais nada! Olha: se tu te tens calado e não tens dito nada,
agora ninguém sabia se tínhamos visto a Senhora, falado com Ela,
como com o Anjo e ninguém precisava de o saber.
A pobre criança, ao ouvir as minhas razões, começou a chorar
e, como em Maio, segundo o que já escrevi na sua história, pediu-
-me perdão. Fiquei, pois, com o meu escrúpulo, sem saber como
resolver a minha dúvida. Passado pouco, apareceu outro sacerdote, de Santarém. Parecia irmão do primeiro ou, pelo menos, que se
tinham ensaiado juntos: as mesmas perguntas e enredos, os mesmos modos de rir e fazer troça, até a estatura e feições pareciam
quase as mesmas. Depois deste interrogatório, a minha dúvida
aumentou e não sabia verdadeiramente que fazer. Pedia constantemente a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que me dissessem
como havia de fazer:
– Ó meu Deus e minha Mãezinha do Céu, Vós sabeis que não
Vos quero ofender com mentiras, mas bem vedes que não é bem
dizer o mais que me dissestes!
Em meio desta perplexidade, tive a felicidade de falar com o
Senhor Vigário do Olival (26). Não sei porquê, Sua Rev.cia inspirou-
-me confiança e expus a Sua Rev.cia a minha dúvida. Já escrevi, no
escrito sobre a Jacinta, como Sua Rev.cia nos ensinou a guardar o
nosso segredo. Deu-nos ainda algumas instruções mais sobre a
vida espiritual. Sobretudo, ensinou-nos o modo de dar gosto a Nosso
Senhor em tudo e a maneira de Lhe oferecer um sem número de
pequenos sacrifícios:
(26) Trata-se do Padre Faustino.
– Se vos apetecer comer uma coisa, meus filhinhos, deixai-a
e, em seu lugar, comeis outra e ofereceis a Deus um sacrifício; se
vos apetece brincar, não brincais e ofereceis a Deus outro sacrifício; se vos interrogam e não vos podeis escusar, é Deus que assim
o quer; ofereceis-Lhe mais este sacrifício.
Compreendi, verdadeiramente, a linguagem do venerável Sacerdote e como fiquei a gostar dele! Sua Rev.cia não perdeu mais
de vista a minha alma e, de vez em quando, dignava-se, ou passar
por ali, ou se servia duma piedosa viúva que vivia em um lugarzito
perto do Olival (27); chamava-se Senhora Emília. Esta piedosa
mulher ia várias vezes à Cova de Iria rezar. Depois, passava por
minha casa, pedia para me deixarem ir passar uns dias com ela e
depois levava-me a casa do Senhor Vigário. Sua Rev.cia tinha a
bondade de me mandar ficar dois ou três dias em sua casa, dizendo que era para fazer companhia a uma sua irmã (28). Tinha, então,
a paciência de passar a sós comigo largas horas, ensinando-me a
praticar a virtude e guiando-me com os seus sábios conselhos.
Sem eu, então, compreender nada de direcção espiritual, posso
dizer que foi o meu primeiro director. Conservo, pois, deste venerável Sacerdote gratas e santas recordações.
(27) O lugar chama-se Soutaria. A casa da Sra
Emília foi transformada em capela.
( 28) O Sr. Dr. Galamba corrigiu para sobrinha no seu livro «Jacinta»
Já disse a V. Ex.cia Rev.ma, no escrito sobre a minha prima,
como foram dois veneráveis Sacerdotes que nos falaram de Sua
Santidade e da necessidade que tinha de orações. Desde então,
não oferecemos a Deus oração ou sacrifício algum, em que não
dirigíssemos uma súplica por Sua Santidade. E concebemos um
amor tão grande ao Santo Padre que, quando, um dia, o Senhor
Prior disse a minha mãe que provavelmente eu vinha a ter que ir a
Roma, para ser interrogada por Sua Santidade, batia as palmas de
contente, e dizia a meus primos:
– Que bom, se vou ver o Santo Padre!
E a eles caíam as lágrimas e diziam:
– Nós não vamos, mas oferecemos este sacrifício por Ele.
O Senhor Prior fez-me também o seu último interrogatório. O
tempo determinado para os factos tinha acabado e Sua Rev.cia não
sabia que dizer a tudo isto. Começou também por mostrar o seu
descontentamento:
– Para que vai essa quantidade de gente prostrar-se em oração em um descampado, enquanto que o Deus vivo, o Deus dos
nossos altares, Sacramentado, permanece solitário, abandonado
no Tabernáculo? Para quê esse dinheiro que deixam ficar, sem fim
algum, debaixo dessa carrasqueira, enquanto que a Igreja em obras
não há maneira de se acabar, por falta de meios (24)?
Eu compreendia perfeitamente a razão das suas reflexões;
mas, que Ihe havia de fazer? Se eu fosse senhora dos corações
destas pessoas, inclinava-os, por certo, para a Igreja. Mas, como
não era, oferecia a Deus mais este sacrifício.
Como a Jacinta tinha o costume de, nos interrogatórios, baixar a cabeça, pôr os olhos no chão e não dizer quase palavra, eu
era a chamada quase sempre para satisfazer a curiosidade dos
Peregrinos. Era, por isso, continuamente chamada a casa do Senhor Prior, para ser interrogada por esta ou aquela pessoa, por
este ou aquele Sacerdote. Veio, em uma ocasião, interrogar-me
um Sacerdote de Torres Novas (25). Fez-me um interrogatório tão
minucioso, tão cheio de enredos, que fiquei com algum escrúpulo,
por Ihe haver ocultado algumas coisas. Consultei meus primos
sobre o caso:
– Não sei – Ihes disse – se estamos fazendo mal em não dizer
tudo. Quando nos perguntam se Nossa Senhora nos disse alguma
coisa mais, não sei se, com dizer que nos disse o segredo, não
mentimos, calando o resto.
– Não sei – respondeu a Jacinta. – Vê lá! Tu é que não queres
que se diga.
– Já se vê que não quero, não – Ihe respondi. – Para nos
começarem a perguntar que mortificações fazemos? Não nos faltava mais nada! Olha: se tu te tens calado e não tens dito nada,
agora ninguém sabia se tínhamos visto a Senhora, falado com Ela,
como com o Anjo e ninguém precisava de o saber.
A pobre criança, ao ouvir as minhas razões, começou a chorar
e, como em Maio, segundo o que já escrevi na sua história, pediu-
-me perdão. Fiquei, pois, com o meu escrúpulo, sem saber como
resolver a minha dúvida. Passado pouco, apareceu outro sacerdote, de Santarém. Parecia irmão do primeiro ou, pelo menos, que se
tinham ensaiado juntos: as mesmas perguntas e enredos, os mesmos modos de rir e fazer troça, até a estatura e feições pareciam
quase as mesmas. Depois deste interrogatório, a minha dúvida
aumentou e não sabia verdadeiramente que fazer. Pedia constantemente a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que me dissessem
como havia de fazer:
– Ó meu Deus e minha Mãezinha do Céu, Vós sabeis que não
Vos quero ofender com mentiras, mas bem vedes que não é bem
dizer o mais que me dissestes!
Em meio desta perplexidade, tive a felicidade de falar com o
Senhor Vigário do Olival (26). Não sei porquê, Sua Rev.cia inspirou-
-me confiança e expus a Sua Rev.cia a minha dúvida. Já escrevi, no
escrito sobre a Jacinta, como Sua Rev.cia nos ensinou a guardar o
nosso segredo. Deu-nos ainda algumas instruções mais sobre a
vida espiritual. Sobretudo, ensinou-nos o modo de dar gosto a Nosso
Senhor em tudo e a maneira de Lhe oferecer um sem número de
pequenos sacrifícios:
– Se vos apetecer comer uma coisa, meus filhinhos, deixai-a
e, em seu lugar, comeis outra e ofereceis a Deus um sacrifício; se
vos apetece brincar, não brincais e ofereceis a Deus outro sacrifício; se vos interrogam e não vos podeis escusar, é Deus que assim
o quer; ofereceis-Lhe mais este sacrifício.
Compreendi, verdadeiramente, a linguagem do venerável Sacerdote e como fiquei a gostar dele! Sua Rev.cia não perdeu mais
de vista a minha alma e, de vez em quando, dignava-se, ou passar
por ali, ou se servia duma piedosa viúva que vivia em um lugarzito
perto do Olival (27); chamava-se Senhora Emília. Esta piedosa
mulher ia várias vezes à Cova de Iria rezar. Depois, passava por
minha casa, pedia para me deixarem ir passar uns dias com ela e
depois levava-me a casa do Senhor Vigário. Sua Rev.cia tinha a
bondade de me mandar ficar dois ou três dias em sua casa, dizendo que era para fazer companhia a uma sua irmã (28). Tinha, então,
a paciência de passar a sós comigo largas horas, ensinando-me a
praticar a virtude e guiando-me com os seus sábios conselhos.
Sem eu, então, compreender nada de direcção espiritual, posso
dizer que foi o meu primeiro director. Conservo, pois, deste venerável Sacerdote gratas e santas recordações.
(24) Pode concluir-se, pelos documentos de então, que uma das razões da saída
do Pároco foi a dificuldade encontrada na construção da nova igreja.
(25) Cónego Ferreira, naquele tempo o Vigário de Torres Novas, confessou, um
dia, que ele próprio tinha sido um destes interrogadores.
(26) Trata-se do Padre Faustino.
(27) O lugar chama-se Soutaria. A casa da Sra
Emília foi transformada em capela.
( 28) O Sr. Dr. Galamba corrigiu para sobrinha no seu livro «Jacinta»