2. ATITUDE DO PÁROCO

2. ATITUDE DO PÁROCO
Por esta ocasião, o Senhor Prior começou também a preparar as crianças para uma comunhão solene. Como desde os 6 anos
que eu repetia a comunhão solene, minha mãe resolveu que este
ano não a faria. Por este motivo, não fui à explicação da doutrina.
Ao sair da escola, enquanto as demais crianças iam para a varanda do Senhor Prior, eu vinha para casa continuar a minha costura
ou a teia. O bom Pároco levou a mal a minha falta à doutrina e sua
irmã, um dia, ao sair da escola, mandou-me chamar por uma outra
criança. Esta encontrou-me já a caminho de Aljustrel, junto da casita
dum pobre homem a quem chamavam o Caracol. Disse-me que a
irmã do Senhor Prior me mandava chamar, por isso, que fosse lá.
Julgando que era para algum interrogatório, desculpei-me, dizendo que minha mãe me tinha mandado ir em seguida para casa; e,
sem mais, deitei a correr como uma tonta, pelos campos fora, em
busca dum esconderijo onde não pudesse ser encontrada. Mas,
desta vez, a brincadeira saiu-me cara.
Passados poucos dias, houve na Freguesia uma festa, cuja
Missa vieram a cantar vários Sacerdotes de fora. Ao terminar a
festa, o Senhor Prior mandou-me chamar e, diante de todos aqueles
Sacerdotes, repreendeu-me severamente por não ter ido à doutrina,
por não ter acudido ao chamamento de sua irmã, enfim, todas as
minhas misérias ali apareceram; e o sermão foi-se prolongando
 
fotografia que possuímos das crianças.
por largo tempo. Por fim, não sei como, apareceu ali um venerável
Sacerdote que procurou advogar a minha causa. Quis desculpar-
-me, dizendo que talvez fosse a minha mãe que me não deixava.
Mas o bom Pároco respondeu:
– A mãe? A mãe é uma santa! Ela é que é uma criatura que
ainda estamos para ver o que daqui vai sair!
O bom Sacerdote, que vinha a ser o Senhor Vigário de Torres
Novas, perguntou-me, então, amavelmente, o motivo por que não
tinha ido à doutrina. Expus, então, a determinação que minha mãe
tinha tomado. Parecendo não acreditar, o Senhor Prior mandou-
-me chamar a minha irmã Glória, que ali estava no adro, para se
informar da verdade. Depois de saber que as coisas eram como
eu acabava de dizer, concluiu:
– Pois bem: ou a menina agora há-de vir, estes dias que faltam,
à doutrina e, depois de fazer a confissão comigo, receber a
comunhão solene com as demais crianças ou, então, na Freguesia,
não torna a receber a comunhão.
Ao ouvir tal proposta, minha irmã apresentou que, 5 dias antes,
eu devia partir com elas e que nos fazia muito desarranjo; que, se
Sua Rev.cia queria, que eu me ia confessar e comungar em outro
dia, antes de partir. O bom Pároco não atendeu a pedidos e manteve
firme a sua proposta.
Ao chegar a casa, informámos minha mãe que ainda foi
também pedir a Sua Rev.cia para me confessar e dar a Sagrada
Comunhão em outro dia. Mas tudo foi inútil. Minha mãe decidiu,
então, que, além de ser longíssimo, era preciso ir por caminhos
péssimos, atravessar montes e serras, que, depois do dia da
comunhão solene, meu irmão faria a viagem para me lá ir levar. Eu
creio que suava tinta só com a ideia de ter de me confessar com o
Senhor Prior! Que medo que eu Ihe tinha! Chorava de aflição.
Chegou a véspera e Sua Rev.cia mandou que todas as crianças, à
tarde, fossem à Igreja, para se confessarem. Lá fui, pois, com o
coração mais apertado do que se estivesse em uma prensa.
Ao entrar na Igreja, vi que havia vários Sacerdotes
confessando. Em um confessionário, ao fundo, estava o Senhor
Padre Cruz, de Lisboa. Eu já tinha falado com Sua Rev.cia, de quem
tinha gostado muito. Sem reparar que em confessionário aberto, a
meio da Igreja, estava o Senhor Prior notando tudo, pensei: Primeiro,
vou confessar-me ao Senhor Padre Cruz e perguntar-lhe como
hei-de fazer; e depois vou, então, ao Senhor Prior.
O Senhor Dr. Cruz recebeu-me com toda a amabilidade e,
depois de me ouvir, deu-me os seus conselhos, dizendo que, se
não queria ir junto do Senhor Prior, que não fosse; e que, por isso,
Sua Rev.cia não me poderia negar a comunhão. Radiante com tais
conselhos, rezei a penitência e escapei-me da Igreja, com medo
que alguém me chamasse. No dia seguinte, lá fui com o meu vestido branco, receando ainda que a comunhão me fosse negada.
Mas Sua Rev.cia contentou-se, por então, com fazer-me saber, no
fim da festa, que não Ihe tinha passado desapercebida a minha
falta de obediência em ir-me confessar com outro Sacerdote.
O bom Pároco continuou a mostrar-se cada vez mais
descontente e perplexo a respeito dos factos e, um belo dia, deixou
a Freguesia. Espalhou-se, então, a notícia que Sua Rev.cia havia
saído por minha causa (30), por não querer assumir a responsabilidade dos factos. Como era um Pároco zeloso e querido do
povo, não me faltou, por isso, que sofrer. Algumas piedosas
mulheres, quando me encontravam, desafogavam o seu desgosto,
dirigindo-me insultos; e, por vezes, despediam-me com um par de
bofetadas ou pontapés.
(29) Esta propriedade, nas proximidades de Torres Novas, pertenceu ao Engenheiro Mário Godinho. Ele mesmo fez, em 13 de Julho de 1917, a primeira
Por esta ocasião, o Senhor Prior começou também a preparar as crianças para uma comunhão solene. Como desde os 6 anos
que eu repetia a comunhão solene, minha mãe resolveu que este
ano não a faria. Por este motivo, não fui à explicação da doutrina.
Ao sair da escola, enquanto as demais crianças iam para a varanda do Senhor Prior, eu vinha para casa continuar a minha costura
ou a teia. O bom Pároco levou a mal a minha falta à doutrina e sua
irmã, um dia, ao sair da escola, mandou-me chamar por uma outra
criança. Esta encontrou-me já a caminho de Aljustrel, junto da casita
dum pobre homem a quem chamavam o Caracol. Disse-me que a
irmã do Senhor Prior me mandava chamar, por isso, que fosse lá.
Julgando que era para algum interrogatório, desculpei-me, dizendo que minha mãe me tinha mandado ir em seguida para casa; e,
sem mais, deitei a correr como uma tonta, pelos campos fora, em
busca dum esconderijo onde não pudesse ser encontrada. Mas,
desta vez, a brincadeira saiu-me cara.
Passados poucos dias, houve na Freguesia uma festa, cuja
Missa vieram a cantar vários Sacerdotes de fora. Ao terminar a
festa, o Senhor Prior mandou-me chamar e, diante de todos aqueles
Sacerdotes, repreendeu-me severamente por não ter ido à doutrina,
por não ter acudido ao chamamento de sua irmã, enfim, todas as
minhas misérias ali apareceram; e o sermão foi-se prolongando
 
fotografia que possuímos das crianças.
por largo tempo. Por fim, não sei como, apareceu ali um venerável
Sacerdote que procurou advogar a minha causa. Quis desculpar-
-me, dizendo que talvez fosse a minha mãe que me não deixava.
Mas o bom Pároco respondeu:
– A mãe? A mãe é uma santa! Ela é que é uma criatura que
ainda estamos para ver o que daqui vai sair!
O bom Sacerdote, que vinha a ser o Senhor Vigário de Torres
Novas, perguntou-me, então, amavelmente, o motivo por que não
tinha ido à doutrina. Expus, então, a determinação que minha mãe
tinha tomado. Parecendo não acreditar, o Senhor Prior mandou-
-me chamar a minha irmã Glória, que ali estava no adro, para se
informar da verdade. Depois de saber que as coisas eram como
eu acabava de dizer, concluiu:
– Pois bem: ou a menina agora há-de vir, estes dias que faltam,
à doutrina e, depois de fazer a confissão comigo, receber a
comunhão solene com as demais crianças ou, então, na Freguesia,
não torna a receber a comunhão.
Ao ouvir tal proposta, minha irmã apresentou que, 5 dias antes,
eu devia partir com elas e que nos fazia muito desarranjo; que, se
Sua Rev.cia queria, que eu me ia confessar e comungar em outro
dia, antes de partir. O bom Pároco não atendeu a pedidos e manteve
firme a sua proposta.
Ao chegar a casa, informámos minha mãe que ainda foi
também pedir a Sua Rev.cia para me confessar e dar a Sagrada
Comunhão em outro dia. Mas tudo foi inútil. Minha mãe decidiu,
então, que, além de ser longíssimo, era preciso ir por caminhos
péssimos, atravessar montes e serras, que, depois do dia da
comunhão solene, meu irmão faria a viagem para me lá ir levar. Eu
creio que suava tinta só com a ideia de ter de me confessar com o
Senhor Prior! Que medo que eu Ihe tinha! Chorava de aflição.
Chegou a véspera e Sua Rev.cia mandou que todas as crianças, à
tarde, fossem à Igreja, para se confessarem. Lá fui, pois, com o
coração mais apertado do que se estivesse em uma prensa.
Ao entrar na Igreja, vi que havia vários Sacerdotes
confessando. Em um confessionário, ao fundo, estava o Senhor
Padre Cruz, de Lisboa. Eu já tinha falado com Sua Rev.cia, de quem
tinha gostado muito. Sem reparar que em confessionário aberto, a
meio da Igreja, estava o Senhor Prior notando tudo, pensei: Primeiro,
vou confessar-me ao Senhor Padre Cruz e perguntar-lhe como
hei-de fazer; e depois vou, então, ao Senhor Prior.
O Senhor Dr. Cruz recebeu-me com toda a amabilidade e,
depois de me ouvir, deu-me os seus conselhos, dizendo que, se
não queria ir junto do Senhor Prior, que não fosse; e que, por isso,
Sua Rev.cia não me poderia negar a comunhão. Radiante com tais
conselhos, rezei a penitência e escapei-me da Igreja, com medo
que alguém me chamasse. No dia seguinte, lá fui com o meu vestido branco, receando ainda que a comunhão me fosse negada.
Mas Sua Rev.cia contentou-se, por então, com fazer-me saber, no
fim da festa, que não Ihe tinha passado desapercebida a minha
falta de obediência em ir-me confessar com outro Sacerdote.
O bom Pároco continuou a mostrar-se cada vez mais
descontente e perplexo a respeito dos factos e, um belo dia, deixou
a Freguesia. Espalhou-se, então, a notícia que Sua Rev.cia havia
saído por minha causa (30), por não querer assumir a responsabilidade dos factos. Como era um Pároco zeloso e querido do
povo, não me faltou, por isso, que sofrer. Algumas piedosas
mulheres, quando me encontravam, desafogavam o seu desgosto,
dirigindo-me insultos; e, por vezes, despediam-me com um par de
bofetadas ou pontapés.
(29) Esta propriedade, nas proximidades de Torres Novas, pertenceu ao Engenheiro Mário Godinho. Ele mesmo fez, em 13 de Julho de 1917, a primeira
Por esta ocasião, o Senhor Prior começou também a preparar as crianças para uma comunhão solene. Como desde os 6 anos
que eu repetia a comunhão solene, minha mãe resolveu que este
ano não a faria. Por este motivo, não fui à explicação da doutrina.
Ao sair da escola, enquanto as demais crianças iam para a varanda do Senhor Prior, eu vinha para casa continuar a minha costura
ou a teia. O bom Pároco levou a mal a minha falta à doutrina e sua
irmã, um dia, ao sair da escola, mandou-me chamar por uma outra
criança. Esta encontrou-me já a caminho de Aljustrel, junto da casita
dum pobre homem a quem chamavam o Caracol. Disse-me que a
irmã do Senhor Prior me mandava chamar, por isso, que fosse lá.
Julgando que era para algum interrogatório, desculpei-me, dizendo que minha mãe me tinha mandado ir em seguida para casa; e,
sem mais, deitei a correr como uma tonta, pelos campos fora, em
busca dum esconderijo onde não pudesse ser encontrada. Mas,
desta vez, a brincadeira saiu-me cara.
Passados poucos dias, houve na Freguesia uma festa, cuja
Missa vieram a cantar vários Sacerdotes de fora. Ao terminar a
festa, o Senhor Prior mandou-me chamar e, diante de todos aqueles
Sacerdotes, repreendeu-me severamente por não ter ido à doutrina,
por não ter acudido ao chamamento de sua irmã, enfim, todas as
minhas misérias ali apareceram; e o sermão foi-se prolongando
 
fotografia que possuímos das crianças.
por largo tempo. Por fim, não sei como, apareceu ali um venerável
Sacerdote que procurou advogar a minha causa. Quis desculpar-
-me, dizendo que talvez fosse a minha mãe que me não deixava.
Mas o bom Pároco respondeu:
– A mãe? A mãe é uma santa! Ela é que é uma criatura que
ainda estamos para ver o que daqui vai sair!
O bom Sacerdote, que vinha a ser o Senhor Vigário de Torres
Novas, perguntou-me, então, amavelmente, o motivo por que não
tinha ido à doutrina. Expus, então, a determinação que minha mãe
tinha tomado. Parecendo não acreditar, o Senhor Prior mandou-
-me chamar a minha irmã Glória, que ali estava no adro, para se
informar da verdade. Depois de saber que as coisas eram como
eu acabava de dizer, concluiu:
– Pois bem: ou a menina agora há-de vir, estes dias que faltam,
à doutrina e, depois de fazer a confissão comigo, receber a
comunhão solene com as demais crianças ou, então, na Freguesia,
não torna a receber a comunhão.
Ao ouvir tal proposta, minha irmã apresentou que, 5 dias antes,
eu devia partir com elas e que nos fazia muito desarranjo; que, se
Sua Rev.cia queria, que eu me ia confessar e comungar em outro
dia, antes de partir. O bom Pároco não atendeu a pedidos e manteve
firme a sua proposta.
Ao chegar a casa, informámos minha mãe que ainda foi
também pedir a Sua Rev.cia para me confessar e dar a Sagrada
Comunhão em outro dia. Mas tudo foi inútil. Minha mãe decidiu,
então, que, além de ser longíssimo, era preciso ir por caminhos
péssimos, atravessar montes e serras, que, depois do dia da
comunhão solene, meu irmão faria a viagem para me lá ir levar. Eu
creio que suava tinta só com a ideia de ter de me confessar com o
Senhor Prior! Que medo que eu Ihe tinha! Chorava de aflição.
Chegou a véspera e Sua Rev.cia mandou que todas as crianças, à
tarde, fossem à Igreja, para se confessarem. Lá fui, pois, com o
coração mais apertado do que se estivesse em uma prensa.
Ao entrar na Igreja, vi que havia vários Sacerdotes
confessando. Em um confessionário, ao fundo, estava o Senhor
Padre Cruz, de Lisboa. Eu já tinha falado com Sua Rev.cia, de quem
tinha gostado muito. Sem reparar que em confessionário aberto, a
meio da Igreja, estava o Senhor Prior notando tudo, pensei: Primeiro,
vou confessar-me ao Senhor Padre Cruz e perguntar-lhe como
hei-de fazer; e depois vou, então, ao Senhor Prior.
O Senhor Dr. Cruz recebeu-me com toda a amabilidade e,
depois de me ouvir, deu-me os seus conselhos, dizendo que, se
não queria ir junto do Senhor Prior, que não fosse; e que, por isso,
Sua Rev.cia não me poderia negar a comunhão. Radiante com tais
conselhos, rezei a penitência e escapei-me da Igreja, com medo
que alguém me chamasse. No dia seguinte, lá fui com o meu vestido branco, receando ainda que a comunhão me fosse negada.
Mas Sua Rev.cia contentou-se, por então, com fazer-me saber, no
fim da festa, que não Ihe tinha passado desapercebida a minha
falta de obediência em ir-me confessar com outro Sacerdote.
O bom Pároco continuou a mostrar-se cada vez mais
descontente e perplexo a respeito dos factos e, um belo dia, deixou
a Freguesia. Espalhou-se, então, a notícia que Sua Rev.cia havia
saído por minha causa (30), por não querer assumir a responsabilidade dos factos. Como era um Pároco zeloso e querido do
povo, não me faltou, por isso, que sofrer. Algumas piedosas
mulheres, quando me encontravam, desafogavam o seu desgosto,
dirigindo-me insultos; e, por vezes, despediam-me com um par de
bofetadas ou pontapés.
(29) Esta propriedade, nas proximidades de Torres Novas, pertenceu ao Engenheiro Mário Godinho. Ele mesmo fez, em 13 de Julho de 1917, a primeira
 

Por esta ocasião, o Senhor Prior começou também a preparar as crianças para uma comunhão solene. Como desde os 6 anos

que eu repetia a comunhão solene, minha mãe resolveu que este

ano não a faria. Por este motivo, não fui à explicação da doutrina.

Ao sair da escola, enquanto as demais crianças iam para a varanda do Senhor Prior, eu vinha para casa continuar a minha costura

ou a teia. O bom Pároco levou a mal a minha falta à doutrina e sua

irmã, um dia, ao sair da escola, mandou-me chamar por uma outra

criança. Esta encontrou-me já a caminho de Aljustrel, junto da casita

dum pobre homem a quem chamavam o Caracol. Disse-me que a

irmã do Senhor Prior me mandava chamar, por isso, que fosse lá.

Julgando que era para algum interrogatório, desculpei-me, dizendo que minha mãe me tinha mandado ir em seguida para casa; e,

sem mais, deitei a correr como uma tonta, pelos campos fora, em

busca dum esconderijo onde não pudesse ser encontrada. Mas,

desta vez, a brincadeira saiu-me cara.

Passados poucos dias, houve na Freguesia uma festa, cuja

Missa vieram a cantar vários Sacerdotes de fora. Ao terminar a

festa, o Senhor Prior mandou-me chamar e, diante de todos aqueles

Sacerdotes, repreendeu-me severamente por não ter ido à doutrina,

por não ter acudido ao chamamento de sua irmã, enfim, todas as

minhas misérias ali apareceram; e o sermão foi-se prolongando

 

fotografia que possuímos das crianças.

por largo tempo. Por fim, não sei como, apareceu ali um venerável

Sacerdote que procurou advogar a minha causa. Quis desculpar-

-me, dizendo que talvez fosse a minha mãe que me não deixava.

Mas o bom Pároco respondeu:

– A mãe? A mãe é uma santa! Ela é que é uma criatura que

ainda estamos para ver o que daqui vai sair!

O bom Sacerdote, que vinha a ser o Senhor Vigário de Torres

Novas, perguntou-me, então, amavelmente, o motivo por que não

tinha ido à doutrina. Expus, então, a determinação que minha mãe

tinha tomado. Parecendo não acreditar, o Senhor Prior mandou-

-me chamar a minha irmã Glória, que ali estava no adro, para se

informar da verdade. Depois de saber que as coisas eram como

eu acabava de dizer, concluiu:

– Pois bem: ou a menina agora há-de vir, estes dias que faltam,

à doutrina e, depois de fazer a confissão comigo, receber a

comunhão solene com as demais crianças ou, então, na Freguesia,

não torna a receber a comunhão.

Ao ouvir tal proposta, minha irmã apresentou que, 5 dias antes,

eu devia partir com elas e que nos fazia muito desarranjo; que, se

Sua Rev.cia queria, que eu me ia confessar e comungar em outro

dia, antes de partir. O bom Pároco não atendeu a pedidos e manteve

firme a sua proposta.

Ao chegar a casa, informámos minha mãe que ainda foi

também pedir a Sua Rev.cia para me confessar e dar a Sagrada

Comunhão em outro dia. Mas tudo foi inútil. Minha mãe decidiu,

então, que, além de ser longíssimo, era preciso ir por caminhos

péssimos, atravessar montes e serras, que, depois do dia da

comunhão solene, meu irmão faria a viagem para me lá ir levar. Eu

creio que suava tinta só com a ideia de ter de me confessar com o

Senhor Prior! Que medo que eu Ihe tinha! Chorava de aflição.

Chegou a véspera e Sua Rev.cia mandou que todas as crianças, à

tarde, fossem à Igreja, para se confessarem. Lá fui, pois, com o

coração mais apertado do que se estivesse em uma prensa.

Ao entrar na Igreja, vi que havia vários Sacerdotes

confessando. Em um confessionário, ao fundo, estava o Senhor

Padre Cruz, de Lisboa. Eu já tinha falado com Sua Rev.cia, de quem

tinha gostado muito. Sem reparar que em confessionário aberto, a

meio da Igreja, estava o Senhor Prior notando tudo, pensei: Primeiro,

vou confessar-me ao Senhor Padre Cruz e perguntar-lhe como

hei-de fazer; e depois vou, então, ao Senhor Prior.

O Senhor Dr. Cruz recebeu-me com toda a amabilidade e,

depois de me ouvir, deu-me os seus conselhos, dizendo que, se

não queria ir junto do Senhor Prior, que não fosse; e que, por isso,

Sua Rev.cia não me poderia negar a comunhão. Radiante com tais

conselhos, rezei a penitência e escapei-me da Igreja, com medo

que alguém me chamasse. No dia seguinte, lá fui com o meu vestido branco, receando ainda que a comunhão me fosse negada.

Mas Sua Rev.cia contentou-se, por então, com fazer-me saber, no

fim da festa, que não Ihe tinha passado desapercebida a minha

falta de obediência em ir-me confessar com outro Sacerdote.

O bom Pároco continuou a mostrar-se cada vez mais

descontente e perplexo a respeito dos factos e, um belo dia, deixou

a Freguesia. Espalhou-se, então, a notícia que Sua Rev.cia havia

saído por minha causa, por não querer assumir a responsabilidade dos factos. Como era um Pároco zeloso e querido do

povo, não me faltou, por isso, que sofrer. Algumas piedosas

mulheres, quando me encontravam, desafogavam o seu desgosto,

dirigindo-me insultos; e, por vezes, despediam-me com um par de

bofetadas ou pontapés.

(29) Esta propriedade, nas proximidades de Torres Novas, pertenceu ao Engenheiro Mário Godinho. Ele mesmo fez, em 13 de Julho de 1917, a primeira