3. COMUNHÃO NO SOFRIMENTO

3. COMUNHÃO NO SOFRIMENTO
A Jacinta e o Francisco poucas vezes tomavam parte em estes
mimos que o Céu nos enviava, porque seus pais não consentiam
que ninguém Ihes tocasse. Mas sofriam por me ver sofrer e não
poucas vezes as lágrimas Ihes banharam as faces, por me verem
aflita ou mortificada.
Um dia, a Jacinta dizia-me:
– Quem me dera que meus pais fossem como os teus, para
que esta gente também me pudesse bater, porque, assim, tinha
mais sacrifícios para oferecer a Nosso Senhor.
No entanto, ela sabia bem aproveitar as ocasiões de se
mortificar. Tínhamos também, por costume, de vez em quando,
(30) Isso, certamente, não foi a razão da sua saída. A dificuldade que o Pároco
tinha com os seus paroquianos, na construção da Igreja, terá sido a verdadeira causa..
oferecer a Deus o sacrifício de passar uma novena ou um mês
sem beber. Fizemos uma vez este sacrifício em pleno mês de
Agosto, em que o calor era sufocante. Voltávamos, um dia, de haver
ido rezar o nosso Terço à Cova de Iria e, ao chegar junto duma
lagoa, que fica à beira do caminho, diz-me a Jacinta:
– Olha: tenho tanta sede e dói-me tanto a cabeça! Vou beber
uma pouquita desta água.
– Desta, não – Ihe respondi. – Minha mãe não (quer) que bebamos daqui, porque faz mal. Vamos ali pedir uma pouquita à ti
Maria dos Anjos. (Era uma nossa vizinha que há pouco se tinha
casado e vivia aí em uma casita).
– Não! Dessa água boa não quero. Bebia desta, porque, em
vez de oferecer a Nosso Senhor a sede, oferecia-Lhe o sacrifício
de beber desta água suja.
Na verdade, a água desta lagoa era sujíssima. Várias pessoas aí lavavam a roupa e os animais iam aí beber e banhar-se;
por isso, minha mãe tinha o cuidado de recomendar a seus filhos
que não bebessem dessa água.
Outras vezes, dizia:
– Nosso Senhor deve estar contente com os nossos sacrifícios, porque eu tenho tanta, tanta sede! Mas não quero beber;
quero sofrer por Seu amor.
Um dia, estávamos sentados no portal da casa de meus tios,
quando notamos que se aproximam várias pessoas. O Francisco,
comigo, sem tempo para mais, corremos cada um para seu quarto
a esconder-nos debaixo das camas. A Jacinta diz:
– Eu não me escondo. Vou oferecer a Nosso Senhor este sacrifício.
Essas pessoas aproximaram-se, falaram com ela, esperaram
largo tempo, enquanto que nos procuravam e, por fim, foram embora. Saí, então, do meu esconderijo e perguntei-lhe:
– Que respondeste, quando te perguntaram se sabias de nós?
–Não respondi nada. Baixei a cabeça, pus os olhos no chão e
não disse nada. Faço sempre assim, quando não quero dizer a
verdade; e mentir também não quero, porque é pecado mentir.
Na verdade, ela tinha muito o costume de proceder assim e era
escusado cansarem-se a fazer-lhe perguntas, que não Ihe obtinham
a mínima resposta. Sacrifícios desta espécie, por ordinário, se nos
podíamos escapar, não nos dispúnhamos a oferecê-los.
Um outro dia, estávamos sentados a alguns passos da casa
deles, à sombra de duas figueiras que caem sobre o caminho. O
Francisco afastou-se um pouco, brincando. Notando que se aproximavam várias senhoras, corre a dar-nos a notícia. Como em esse
tempo se usavam uns chapéus com umas abas quase do tamanho
duma peneira, pensámos que, com semelhante cartapácio, elas
não nos veriam; e, sem mais, subimos para cima das figueiras.
Logo que as senhoras passaram, descemos apressadamente e,
em precipitada fuga, fomo-nos esconder entre um campo de milho.
Esta nossa maneira de escapar, sempre que podíamos, constituía também uma queixa do Senhor Prior; e, em especial, Sua
Rev.cia queixava-se de que nos escapávamos em especial dos Sacerdotes. Era certo, e Sua Rev.cia tinha razão. Mas era porque também, em especial os Sacerdotes, nos interrogavam reinterrogavam
e tornavam a interrogar. Quando nos víamos em presença dum
Sacerdotes, já nos dispúnhamos para oferecer a Deus um dos
nossos maiores sacrifícios.
A Jacinta e o Francisco poucas vezes tomavam parte em estes
mimos que o Céu nos enviava, porque seus pais não consentiam
que ninguém Ihes tocasse. Mas sofriam por me ver sofrer e não
poucas vezes as lágrimas Ihes banharam as faces, por me verem
aflita ou mortificada.
Um dia, a Jacinta dizia-me:
– Quem me dera que meus pais fossem como os teus, para
que esta gente também me pudesse bater, porque, assim, tinha
mais sacrifícios para oferecer a Nosso Senhor.
No entanto, ela sabia bem aproveitar as ocasiões de se
mortificar. Tínhamos também, por costume, de vez em quando,
(30) Isso, certamente, não foi a razão da sua saída. A dificuldade que o Pároco
tinha com os seus paroquianos, na construção da Igreja, terá sido a verdadeira causa..
oferecer a Deus o sacrifício de passar uma novena ou um mês
sem beber. Fizemos uma vez este sacrifício em pleno mês de
Agosto, em que o calor era sufocante. Voltávamos, um dia, de haver
ido rezar o nosso Terço à Cova de Iria e, ao chegar junto duma
lagoa, que fica à beira do caminho, diz-me a Jacinta:
– Olha: tenho tanta sede e dói-me tanto a cabeça! Vou beber
uma pouquita desta água.
– Desta, não – Ihe respondi. – Minha mãe não (quer) que bebamos daqui, porque faz mal. Vamos ali pedir uma pouquita à ti
Maria dos Anjos. (Era uma nossa vizinha que há pouco se tinha
casado e vivia aí em uma casita).
– Não! Dessa água boa não quero. Bebia desta, porque, em
vez de oferecer a Nosso Senhor a sede, oferecia-Lhe o sacrifício
de beber desta água suja.
Na verdade, a água desta lagoa era sujíssima. Várias pessoas aí lavavam a roupa e os animais iam aí beber e banhar-se;
por isso, minha mãe tinha o cuidado de recomendar a seus filhos
que não bebessem dessa água.
Outras vezes, dizia:
– Nosso Senhor deve estar contente com os nossos sacrifícios, porque eu tenho tanta, tanta sede! Mas não quero beber;
quero sofrer por Seu amor.
Um dia, estávamos sentados no portal da casa de meus tios,
quando notamos que se aproximam várias pessoas. O Francisco,
comigo, sem tempo para mais, corremos cada um para seu quarto
a esconder-nos debaixo das camas. A Jacinta diz:
– Eu não me escondo. Vou oferecer a Nosso Senhor este sacrifício.
Essas pessoas aproximaram-se, falaram com ela, esperaram
largo tempo, enquanto que nos procuravam e, por fim, foram embora. Saí, então, do meu esconderijo e perguntei-lhe:
– Que respondeste, quando te perguntaram se sabias de nós?
–Não respondi nada. Baixei a cabeça, pus os olhos no chão e
não disse nada. Faço sempre assim, quando não quero dizer a
verdade; e mentir também não quero, porque é pecado mentir.
Na verdade, ela tinha muito o costume de proceder assim e era
escusado cansarem-se a fazer-lhe perguntas, que não Ihe obtinham
a mínima resposta. Sacrifícios desta espécie, por ordinário, se nos
podíamos escapar, não nos dispúnhamos a oferecê-los.
Um outro dia, estávamos sentados a alguns passos da casa
deles, à sombra de duas figueiras que caem sobre o caminho. O
Francisco afastou-se um pouco, brincando. Notando que se aproximavam várias senhoras, corre a dar-nos a notícia. Como em esse
tempo se usavam uns chapéus com umas abas quase do tamanho
duma peneira, pensámos que, com semelhante cartapácio, elas
não nos veriam; e, sem mais, subimos para cima das figueiras.
Logo que as senhoras passaram, descemos apressadamente e,
em precipitada fuga, fomo-nos esconder entre um campo de milho.
Esta nossa maneira de escapar, sempre que podíamos, constituía também uma queixa do Senhor Prior; e, em especial, Sua
Rev.cia queixava-se de que nos escapávamos em especial dos Sacerdotes. Era certo, e Sua Rev.cia tinha razão. Mas era porque também, em especial os Sacerdotes, nos interrogavam reinterrogavam
e tornavam a interrogar. Quando nos víamos em presença dum
Sacerdotes, já nos dispúnhamos para oferecer a Deus um dos
nossos maiores sacrifícios.