3. PARTICIPAÇÃO NAS APARIÇÕES DO ANJO

3. PARTICIPAÇÃO NAS APARIÇÕES DO ANJO
Na aparição do Anjo, prostrou-se como sua irmã e eu, levado
por uma força sobrenatural que a isso nos movia; mas a oração
aprendeu-a ouvindo-nos repeti-la, pois, ao Anjo, dizia não ter ouvido nada.
Quando, depois, nos prostrávamos para rezar essa oração,
ele era o primeiro que se cansava da posição, mas permanecia de
joelhos ou sentado, rezando também, até que nós acabássemos.
Depois, dizia:
– Eu não sou capaz de estar assim tanto tempo como vocês.
Doem-me as costas tanto que não posso.
Na segunda aparição do Anjo, no poço, perguntou, passados
os primeiros momentos que se Ihe seguiram:
– Tu falaste com o Anjo; que é que Ele te disse?
– Não ouviste?
– Não. Vi que falava contigo, ouvi o que tu Ihe disseste, mas o
que Ele te disse não sei.
Como a atmosfera do sobrenatural em que Ele nos deixava
ainda não tinha de todo passado, disse-lhe que mo perguntasse
no dia seguinte, ou à Jacinta.
– Jacinta, conta-me tu o que disse o Anjo.
– Digo-to amanhã. Hoje não posso falar.
No dia seguinte, logo que chegou junto de mim, perguntou-
-me:
– Dormiste esta noite? Eu pensei sempre no Anjo e no que
seria que Ele disse.
Contei-lhe, então, tudo o que o Anjo tinha dito na primeira e
segunda aparição. Mas ele parecia não ter recebido a compreensão
do que as palavras significavam e perguntava:
– Quem é o Altíssimo? Que quer dizer: os Corações de Jesus
e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas? Etc.
E, obtida a resposta, ficava-se pensando, para logo interromper
com outra pergunta. Mas o meu espírito ainda não estava de todo
livre e disse-lhe que esperasse para o dia seguinte, que naquele
ainda não podia falar.
Esperou, contente, mas não deixou perder as primeiras
ocasiões, para logo fazer novas perguntas, o que levou a Jacinta a
dizer-lhe:
– Olha: nessas coisas fala pouco.
140
Quando falávamos no Anjo, não sei o que sentíamos. A Jacinta dizia:
– Não sei o que sinto; já não posso falar, nem cantar, nem
brincar e não tenho força para nada.
– Eu também não – respondeu o Francisco. – Mas que importa? O Anjo é mais bonito que tudo isso. Pensemos n’Ele.
Na terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda
muitíssimo mais intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco
se atrevia a falar. Dizia depois:
– Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não
somos capazes de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha!
Apesar de tudo, foi ele quem se deu conta, depois da terceira
aparição do Anjo, das proximidades da noite. Foi quem disso nos
advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa.
Passados os primeiros dias e recuperado o estado normal,
perguntou o Francisco:
– O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à
Jacinta, que foi o que Ele nos deu?
– Foi também a Sagrada Comunhão – respondeu a Jacinta,
numa felicidade indizível. – Não vês que era o Sangue que caía da
Hóstia?
– Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como
era!
E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com a
sua Irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.
Pouco a pouco, foi passando aquela atmosfera e, no dia 13 de
Maio, brincávamos já quase com o mesmo gosto e com a mesma
liberdade de espírito.
4. Influência da primeira Aparição de Nossa Senhora
A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos
no sobrenatural, mas mais suavemente: em vez daquele aniquilamento na Divina Presença, que prostrava, mesmo fisicamente,
deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar,
em seguida, de quanto se tinha passado. No entanto, a respeito do
reflexo que Nossa Senhora, com as mãos, nos tinha comunicado e
de tudo que, com ele, se relacionava, sentíamos um não sei quê
interior que nos movia a calar.
Contámos, em seguida, ao Francisco, tudo quanto Nossa Senhora tinha dito. E ele, manifestando o contentamento que sentia,
na promessa de ir para o Céu, cruzando as mãos sobre o peito,
dizia:
– Ó minha Nossa Senhora, terços, rezo todos quantos Vós
quiserdes.
E, desde aí, tomou o costume de se afastar de nós, como que
passeando; e se chamava por ele e Ihe perguntava que andava a
fazer, levantava o braço e mostrava-me o terço. Se Ihe dizia que
viesse brincar, que depois rezava connosco, respondia:
– Depois também rezo. Não te lembras que Nossa Senhora
disse que tinha de rezar muitos terços?
Um dia, disse-me:
– Gostei muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa
Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela
luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!
Mas Ele está tão triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca
havemos de fazer nenhum.
Já disse, no segundo escrito sobre a Jacinta, como foi ele que
me deu a notícia de que ela tinha faltado ao nosso contrato de não
dizer nada. E como era de meu parecer que se guardasse segredo, acrescentou, com ar triste:
– Eu, como minha Mãe me perguntou se era verdade, tive que
dizer que sim, para não mentir.
Por vezes, dizia:
– Nossa Senhora disse que íamos a ter muito que sofrer! Não
me importo; sofro tudo quanto Ela quiser! O que eu quero é ir para
o Céu.
Um dia que eu me mostrava descontente com a perseguição
que dentro e fora da família se começava a levantar, ele procurou
animar-me, dizendo:
– Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que íamos a ter muito
que sofrer, para reparar a Nosso Senhor e o Seu Imaculado Coração, de tantos pecados com que são ofendidos? Eles estão tão
tristes! Se com estes sofrimentos os pudermos consolar, já ficamos contentes.
Poucos dias depois da primeira aparição de Nossa Senhora,
ao chegar à pastagem, subiu-se a um elevado penedo e disse-nos:
– Vocês não venham para aqui; deixem-me estar sozinho.
– Está bem.
E pus-me, com a Jacinta, atrás das borboletas que apanhávamos, para logo fazer o sacrifício de deixar fugir, e nem mais do
Francisco nos lembrou. Chegada a hora da merenda, demos pela
sua falta, e lá fui a chamá-lo:
– Francisco, não queres vir a merendar?
– Não. Comam vocês.
– E a rezar o terço?
– A rezar, depois vou. Torna-me a chamar.
Quando voltei a chamá-lo, disse-me:
– Venham vocês a rezar aqui pró pé de mim.
Subimos para o cimo do penedo, onde mal cabíamos os três
de joelhos, e perguntei-lhe:
– Mas que estás aqui a fazer tanto tempo?
– Estou a pensar em Deus que está tão triste, por causa de
tantos Recados! Se eu fosse capaz de Lhe dar alegria (5)!
 
Um dia, pusemo-nos a cantar, em coro, as alegrias da Serra:
Coro
Ai, trai lari, lai, lai,
Trai lari, lai, lai,
Lai, lai, lai!
1
Nesta vida tudo canta,
Comigo, ao desafio:
Canta a pastora na serra
E a lavadeira no rio.
2
É a voz do pintassilgo
Que me vem a despertar,
Logo ao nascer do sol,
No silvado, a cantar!
(5) Pode dizer-se que o Francisco recebeu o dom da contemplação.
 
3
De noite, canta a coruja
Que me quer assustar!
Na escamisada, canta
A rapariga ao luar!
 4
O rouxinol, na campina,
Passa o dia a cantar!
Canta a rola no bosque,
Canta o carro a chiar!
 5
A serra é um jardim
Todo o dia a sorrir!
São as gotas do orvalho,
Nas montanhas, a luzir!
Terminada a primeira vez, íamos a repetir, mas o Francisco
interrompeu:
– Não cantemos mais. Desde que vimos o Anjo e Nossa Senhora, já não me apetece cantar.
Na aparição do Anjo, prostrou-se como sua irmã e eu, levado
por uma força sobrenatural que a isso nos movia; mas a oração
aprendeu-a ouvindo-nos repeti-la, pois, ao Anjo, dizia não ter ouvido nada.
Quando, depois, nos prostrávamos para rezar essa oração,
ele era o primeiro que se cansava da posição, mas permanecia de
joelhos ou sentado, rezando também, até que nós acabássemos.
Depois, dizia:
– Eu não sou capaz de estar assim tanto tempo como vocês.
Doem-me as costas tanto que não posso.
Na segunda aparição do Anjo, no poço, perguntou, passados
os primeiros momentos que se Ihe seguiram:
– Tu falaste com o Anjo; que é que Ele te disse?
– Não ouviste?
– Não. Vi que falava contigo, ouvi o que tu Ihe disseste, mas o
que Ele te disse não sei.
Como a atmosfera do sobrenatural em que Ele nos deixava
ainda não tinha de todo passado, disse-lhe que mo perguntasse
no dia seguinte, ou à Jacinta.
– Jacinta, conta-me tu o que disse o Anjo.
– Digo-to amanhã. Hoje não posso falar.
No dia seguinte, logo que chegou junto de mim, perguntou-
-me:
– Dormiste esta noite? Eu pensei sempre no Anjo e no que
seria que Ele disse.
Contei-lhe, então, tudo o que o Anjo tinha dito na primeira e
segunda aparição. Mas ele parecia não ter recebido a compreensão
do que as palavras significavam e perguntava:
– Quem é o Altíssimo? Que quer dizer: os Corações de Jesus
e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas? Etc.
E, obtida a resposta, ficava-se pensando, para logo interromper
com outra pergunta. Mas o meu espírito ainda não estava de todo
livre e disse-lhe que esperasse para o dia seguinte, que naquele
ainda não podia falar.
Esperou, contente, mas não deixou perder as primeiras
ocasiões, para logo fazer novas perguntas, o que levou a Jacinta a
dizer-lhe:
– Olha: nessas coisas fala pouco.
 
Quando falávamos no Anjo, não sei o que sentíamos. A Jacinta dizia:
– Não sei o que sinto; já não posso falar, nem cantar, nem
brincar e não tenho força para nada.
– Eu também não – respondeu o Francisco. – Mas que importa? O Anjo é mais bonito que tudo isso. Pensemos n’Ele.
Na terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda
muitíssimo mais intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco
se atrevia a falar. Dizia depois:
– Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não
somos capazes de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha!
Apesar de tudo, foi ele quem se deu conta, depois da terceira
aparição do Anjo, das proximidades da noite. Foi quem disso nos
advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa.
Passados os primeiros dias e recuperado o estado normal,
perguntou o Francisco:
– O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à
Jacinta, que foi o que Ele nos deu?
– Foi também a Sagrada Comunhão – respondeu a Jacinta,
numa felicidade indizível. – Não vês que era o Sangue que caía da
Hóstia?
– Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como
era!
E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com a
sua Irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.
Pouco a pouco, foi passando aquela atmosfera e, no dia 13 de
Maio, brincávamos já quase com o mesmo gosto e com a mesma
liberdade de espírito.
4. Influência da primeira Aparição de Nossa Senhora
A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos
no sobrenatural, mas mais suavemente: em vez daquele aniquilamento na Divina Presença, que prostrava, mesmo fisicamente,
deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar,
em seguida, de quanto se tinha passado. No entanto, a respeito do
reflexo que Nossa Senhora, com as mãos, nos tinha comunicado e
de tudo que, com ele, se relacionava, sentíamos um não sei quê
interior que nos movia a calar.
Contámos, em seguida, ao Francisco, tudo quanto Nossa Senhora tinha dito. E ele, manifestando o contentamento que sentia,
na promessa de ir para o Céu, cruzando as mãos sobre o peito,
dizia:
– Ó minha Nossa Senhora, terços, rezo todos quantos Vós
quiserdes.
E, desde aí, tomou o costume de se afastar de nós, como que
passeando; e se chamava por ele e Ihe perguntava que andava a
fazer, levantava o braço e mostrava-me o terço. Se Ihe dizia que
viesse brincar, que depois rezava connosco, respondia:
– Depois também rezo. Não te lembras que Nossa Senhora
disse que tinha de rezar muitos terços?
Um dia, disse-me:
– Gostei muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa
Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela
luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!
Mas Ele está tão triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca
havemos de fazer nenhum.
Já disse, no segundo escrito sobre a Jacinta, como foi ele que
me deu a notícia de que ela tinha faltado ao nosso contrato de não
dizer nada. E como era de meu parecer que se guardasse segredo, acrescentou, com ar triste:
– Eu, como minha Mãe me perguntou se era verdade, tive que
dizer que sim, para não mentir.
Por vezes, dizia:
– Nossa Senhora disse que íamos a ter muito que sofrer! Não
me importo; sofro tudo quanto Ela quiser! O que eu quero é ir para
o Céu.
Um dia que eu me mostrava descontente com a perseguição
que dentro e fora da família se começava a levantar, ele procurou
animar-me, dizendo:
– Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que íamos a ter muito
que sofrer, para reparar a Nosso Senhor e o Seu Imaculado Coração, de tantos pecados com que são ofendidos? Eles estão tão
tristes! Se com estes sofrimentos os pudermos consolar, já ficamos contentes.
Poucos dias depois da primeira aparição de Nossa Senhora,
ao chegar à pastagem, subiu-se a um elevado penedo e disse-nos:
– Vocês não venham para aqui; deixem-me estar sozinho.
– Está bem.
E pus-me, com a Jacinta, atrás das borboletas que apanhávamos, para logo fazer o sacrifício de deixar fugir, e nem mais do
Francisco nos lembrou. Chegada a hora da merenda, demos pela
sua falta, e lá fui a chamá-lo:
– Francisco, não queres vir a merendar?
– Não. Comam vocês.
– E a rezar o terço?
– A rezar, depois vou. Torna-me a chamar.
Quando voltei a chamá-lo, disse-me:
– Venham vocês a rezar aqui pró pé de mim.
Subimos para o cimo do penedo, onde mal cabíamos os três
de joelhos, e perguntei-lhe:
– Mas que estás aqui a fazer tanto tempo?
– Estou a pensar em Deus que está tão triste, por causa de
tantos Recados! Se eu fosse capaz de Lhe dar alegria (5)!
 
Um dia, pusemo-nos a cantar, em coro, as alegrias da Serra:
Coro
Ai, trai lari, lai, lai,
Trai lari, lai, lai,
Lai, lai, lai!
1
Nesta vida tudo canta,
Comigo, ao desafio:
Canta a pastora na serra
E a lavadeira no rio.
2
É a voz do pintassilgo
Que me vem a despertar,
Logo ao nascer do sol,
No silvado, a cantar!
(5) Pode dizer-se que o Francisco recebeu o dom da contemplação.
 
3
De noite, canta a coruja
Que me quer assustar!
Na escamisada, canta
A rapariga ao luar!
 4
O rouxinol, na campina,
Passa o dia a cantar!
Canta a rola no bosque,
Canta o carro a chiar!
 5
A serra é um jardim
Todo o dia a sorrir!
São as gotas do orvalho,
Nas montanhas, a luzir!
Terminada a primeira vez, íamos a repetir, mas o Francisco
interrompeu:
– Não cantemos mais. Desde que vimos o Anjo e Nossa Senhora, já não me apetece cantar.