52 É O DEMÓNIO QUE PROVOCA A NOITE DO ESPÍRITO?

52 É O DEMÓNIO QUE PROVOCA A NOITE DO ESPÍRITO?
Todo aquele que procure a Deus com todo o seu coração e dedique grandes esforços à oração e ao ascetismo penetrará antes ou depois numa fase conhecida por todos os santos como a noite do espírito. É uma fase da evolução espiritual, e passar por ela é necessário para penetrar na vida mística. É impossível alcançar certos níveis de amor a Deus sem sofrer esta purificação, a qual se leva a cabo através do sofrimento aceite com amor de Deus e perseverança. Esta noite consiste numa série de tentações obsessivas de origem demoníaca.
Nesta fase é como se o demónio se empenhasse a todo o custo em deter o avanço espiritual dessa pessoa, fazendo-a sucumbir em graves pecados. O demónio sabe que, se não tenta fazê-la pecar, a alma se elevará irremediavelmente para além do seu alcance. A literatura dos santos é riquíssima em textos deste tipo; apresento a seguir a descrição que nos dá desta fase uma humilíssima costureira estremenha do século XIX chamada Javiera del Vale. 
Quando a alma se resolve a não querer nada a não ser seguir o seu amado Redentor, e fixando n´Ele o seu olhar com o único fim de fazer por Ele, se pudesse, o que vê que fez e sofreu por ela o seu adorável Redentor, Satanás enfurecido, prepara uma grande batalha e para ela traz todo o seu exército infernal. [...]
propõe-se arrancar de nós as três virtudes teologais. Mas onde vai directamente pôr o alvo é na fé, porque conseguida esta, fácil coisa lhe é conseguir as outras duas: porque a fé é como o alicerce onde se levanta todo o edifício espiritual, que é o que ele quer e deseja e pretende destruir. Deus então cala; não lhe impede o seu intento, antes prepara os caminhos para que seja mais violenta a batalha. 
E também tem nisso os seus fins, porque o preparar-lhe os caminhos é para o deixar o deixar na batalha confundido, enganado e derrotá-lo com a mais completa derrota, e para que saiamos nós vencedores desta batalha e fiquemos invencíveis no futuro.
Quando Satanás já se aproxima da peleja, a primeira coisa que estranhamos é a falta de luz clara e formosa que Deus nos havia dado, para com ela conhecer a verdade. A escola [do Espírito Santo] fecha-se; a memória e a razão pela força da dor e sentimento que a alma tem, parece que se perdeu. 
Pobre alma! Quer procurar o seu Deus, e não sabe. Quer chamá-lo e não pode articular palavra. Tudo lhe esqueceu; com tão profunda mágoa, sente-se só, sem companhia nenhuma.
A que compararei eu este estado? Nada encontro, senão essas noites de Verão em que se levantam de repente essas nuvens tão fortes e horríveis, que pela sua escuridão tenebrosa nada se vê senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam a pessoa a tremer, ventos com a força do furacão que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parece tudo irem destruir. 
Não acho a que poder compará-lo: sozinha, sem o seu Deus, sente chegar a ela como um exército furioso, que lhe gritam que está enganada, que não há Deus, e a cercam por todos os lados, cheios de retórica que lhe fazem conferências, sem ela o querer, mas não a deixam um instante, e com raciocínios tão fortes e violentos, que à força a querem fazer crer que não há Deus, e com horríveis bocas, que não há o tal Deus a quem ela procura e como que com poder sobre as potências para não poder nem discorrer nem crer noutra coisa senão for aquilo que à força e mais que à força querem fazer entender e crer a uma pessoa que nada se creia além do que eles dizem, e nenhuma outra coisa se creia. [...]
Nesta tão grande e como que infinita mágoa, lá ao longe e como uma coisa que se sonhou e que não se sabe que não sonhou recorda-se da Igreja e do amor que a ela devemos ter, e esta recordação, como quando faltou a alguém o conhecimento, e ao voltar-lhe quer falar e fala com entrecortadas palavras, assim a alma sem voz, e tartamudeando, como que atinou a dizer: uno-me às crenças todas da minha mãe a Igreja e não quero crer em nenhuma outra coisa mais. E sem puder dizer mais, nem falar, nem entender, assim passei meses e meses até passarem dois anos. 
Tinha dezoito anos quando isto passou por mim, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, eis que amanheceu para mim o dia claro e formoso.
E assim como eu, sem saber nada, vi que me meteram neste estado, também agora vi e senti que dele me tiraram. 
JAVIERA DEL VALLE (1856-1930)
DECENARIO DEL ESPÍRITO SANTO, DIA OCTAVO
 
A noite do espírito supôe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou de depressão, mas em qualquer caso, muito intensas. Tentações de suicídio sofreram Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux, por exemplo. A Madre Teresa de Calcutá sofreu terríveis tentações que punham em perigo a fé na existência de Deus. O grande mestre sobre a noite do espírito é, sem dúvida, São João da Cruz. A subida ao monte Carmelo será, sem dúvida, a melhor leitura para os confessores destas almas atribuladas. 
Os directores espirituais, sobretudo os das religiosas, devem recordar a estas almas sofredoras que não há nada que possa evitar o sofrimento da noite do espírito. É uma fase que só acaba quando Deus quer. Devem consolar essas almas recordando-lhes que o demónio está aí, cumprindo a função de um cilício. Mas que quanto piores forem as suas tentações, mais breves serão. E, mais moderadas, mais prolongadas. 
Todo aquele que procure a Deus com todo o seu coração e dedique grandes esforços à oração e ao ascetismo penetrará antes ou depois numa fase conhecida por todos os santos como a noite do espírito. É uma fase da evolução espiritual, e passar por ela é necessário para penetrar na vida mística. É impossível alcançar certos níveis de amor a Deus sem sofrer esta purificação, a qual se leva a cabo através do sofrimento aceite com amor de Deus e perseverança. Esta noite consiste numa série de tentações obsessivas de origem demoníaca.
 
Nesta fase é como se o demónio se empenhasse a todo o custo em deter o avanço espiritual dessa pessoa, fazendo-a sucumbir em graves pecados. O demónio sabe que, se não tenta fazê-la pecar, a alma se elevará irremediavelmente para além do seu alcance. A literatura dos santos é riquíssima em textos deste tipo; apresento a seguir a descrição que nos dá desta fase uma humilíssima costureira estremenha do século XIX chamada Javiera del Vale. 
 
Quando a alma se resolve a não querer nada a não ser seguir o seu amado Redentor, e fixando n´Ele o seu olhar com o único fim de fazer por Ele, se pudesse, o que vê que fez e sofreu por ela o seu adorável Redentor, Satanás enfurecido, prepara uma grande batalha e para ela traz todo o seu exército infernal. [...]
 
propõe-se arrancar de nós as três virtudes teologais. Mas onde vai directamente pôr o alvo é na fé, porque conseguida esta, fácil coisa lhe é conseguir as outras duas: porque a fé é como o alicerce onde se levanta todo o edifício espiritual, que é o que ele quer e deseja e pretende destruir. Deus então cala; não lhe impede o seu intento, antes prepara os caminhos para que seja mais violenta a batalha. 
E também tem nisso os seus fins, porque o preparar-lhe os caminhos é para o deixar o deixar na batalha confundido, enganado e derrotá-lo com a mais completa derrota, e para que saiamos nós vencedores desta batalha e fiquemos invencíveis no futuro.
 
Quando Satanás já se aproxima da peleja, a primeira coisa que estranhamos é a falta de luz clara e formosa que Deus nos havia dado, para com ela conhecer a verdade. A escola [do Espírito Santo] fecha-se; a memória e a razão pela força da dor e sentimento que a alma tem, parece que se perdeu. 
 
Pobre alma! Quer procurar o seu Deus, e não sabe. Quer chamá-lo e não pode articular palavra. Tudo lhe esqueceu; com tão profunda mágoa, sente-se só, sem companhia nenhuma.
 
A que compararei eu este estado? Nada encontro, senão essas noites de Verão em que se levantam de repente essas nuvens tão fortes e horríveis, que pela sua escuridão tenebrosa nada se vê senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam a pessoa a tremer, ventos com a força do furacão que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parece tudo irem destruir. 
 
Não acho a que poder compará-lo: sozinha, sem o seu Deus, sente chegar a ela como um exército furioso, que lhe gritam que está enganada, que não há Deus, e a cercam por todos os lados, cheios de retórica que lhe fazem conferências, sem ela o querer, mas não a deixam um instante, e com raciocínios tão fortes e violentos, que à força a querem fazer crer que não há Deus, e com horríveis bocas, que não há o tal Deus a quem ela procura e como que com poder sobre as potências para não poder nem discorrer nem crer noutra coisa senão for aquilo que à força e mais que à força querem fazer entender e crer a uma pessoa que nada se creia além do que eles dizem, e nenhuma outra coisa se creia. [...]
 
Nesta tão grande e como que infinita mágoa, lá ao longe e como uma coisa que se sonhou e que não se sabe que não sonhou recorda-se da Igreja e do amor que a ela devemos ter, e esta recordação, como quando faltou a alguém o conhecimento, e ao voltar-lhe quer falar e fala com entrecortadas palavras, assim a alma sem voz, e tartamudeando, como que atinou a dizer: uno-me às crenças todas da minha mãe a Igreja e não quero crer em nenhuma outra coisa mais. E sem puder dizer mais, nem falar, nem entender, assim passei meses e meses até passarem dois anos. 
 
Tinha dezoito anos quando isto passou por mim, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, eis que amanheceu para mim o dia claro e formoso.
 
E assim como eu, sem saber nada, vi que me meteram neste estado, também agora vi e senti que dele me tiraram. 
 
JAVIERA DEL VALLE (1856-1930)
 
DECENARIO DEL ESPÍRITO SANTO, DIA OCTAVO
 
A noite do espírito supôe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou de depressão, mas em qualquer caso, muito intensas. Tentações de suicídio sofreram Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux, por exemplo. A Madre Teresa de Calcutá sofreu terríveis tentações que punham em perigo a fé na existência de Deus. O grande mestre sobre a noite do espírito é, sem dúvida, São João da Cruz. A subida ao monte Carmelo será, sem dúvida, a melhor leitura para os confessores destas almas atribuladas. 
 
Os directores espirituais, sobretudo os das religiosas, devem recordar a estas almas sofredoras que não há nada que possa evitar o sofrimento da noite do espírito. É uma fase que só acaba quando Deus quer. Devem consolar essas almas recordando-lhes que o demónio está aí, cumprindo a função de um cilício. Mas que quanto piores forem as suas tentações, mais breves serão. E, mais moderadas, mais prolongadas.