Entretanto, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, cheguei à idade em
que minha mãe mandava os seus filhos guardar o rebanho. Minha
irmã Carolina fez os seus 13 anos (9) e era preciso começar a
trabalhar. Minha mãe entregou-me, por isso, o cuidado do nosso
rebanho. Dei a notícia aos meus companheiros e disse-Ihes que
não voltava mais a brincar com eles; mas os pequenitos não se
conformavam com a separação. Foram pedir à mãe que os deixasse
ir comigo, o que Ihes foi negado. Tivemos que nos conformar com
a separação. Vinham, então, quase todos os dias, à noitinha,
esperar-me ao caminho e lá íamos, então, para a eira, dar algumas
( 8 ) Jacinta nasceu em 11 de Março de 1910.
( 9 ) Carolina faleceu em 31 de Março de 1992.
corridas, à espera que Nossa Senhora e os Anjos acendessem as
suas candeias e as viessem pôr à janela para nos alumiar, como
nós dizíamos. Quando não havia luar, dizíamos que a candeia de
Nossa Senhora não tinha azeite.
Aos dois pequenitos custava a conformar com a ausência da
sua antiga companheira. Por isso, renovavam continuamente as
instâncias junto de sua mãe, para que os deixasse, também eles,
guardar o seu rebanho. Minha tia, talvez para se ver livre de tantos
pedidos, apesar de serem demasiado pequenos, entregou-lhes a
guarda das suas ovelhinhas. Radiantes de alegria, foram dar-me a
notícia e combinar como juntaríamos todos os dias os nossos rebanhos. Cada um abriria o seu à hora que Ihe mandasse sua mãe
e o primeiro esperava pelo outro, no Barreiro (assim chamávamos
a uma pequena lagoa que estava ao fundo da serra). Uma vez
juntos, combinávamos qual a pastagem do dia e para lá íamos, tão
felizes e contentes, como se fôssemos para uma festa!
Aqui temos, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, a Jacinta na sua
nova vida de pastorinha. As ovelhinhas ganhámo-las à força de
distribuir por elas as nossas merendas. Por isso, quando chegávamos à pastagem, podíamos brincar descansados, que elas não
se afastavam de nós. A Jacinta gostava muito de ouvir o eco da
voz no fundo dos vales. Por isso, um dos nossos entretenimentos
era, no cimo dos montes, sentados no penedo maior, pronunciar
nomes em alta voz. O nome que melhor ecoava era o de Maria. A
Jacinta dizia, às vezes, assim, a Ave Maria inteira, repetindo a palavra seguinte só quando a precedente tinha acabado de ecoar.
Gostávamos também de entoar cânticos. Entre vários profanos, que infelizmente sabíamos bastantes, a Jacinta preferia o Salve
Nobre Padroeira, Virgem Pura, Anjos, cantai comigo. Éramos, no
entanto, bastante afeiçoados ao baile e qualquer instrumento que
ouvíssemos tocar aos outros pastores era o bastante para nos pôr
a dançar. A Jacinta, apesar de ser tão pequena, tinha, para isso,
uma arte especial.
Tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezássemos o Terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco, para
brincar, arranjámos uma boa maneira de acabar breve: passávamos
as contas, dizendo somente: Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria!
Quando chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita
pausa, a simples palavra: Padre Nosso! E assim, em um abrir e
fechar de olhos, como se costuma dizer, tínhamos o nosso Terço
rezado!
A Jacinta gostava também muito de agarrar os cordeirinhos
brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los, beijá-los e, à noite, trazê-los ao colo para casa, para que não se cansassem. Um
dia, ao voltar para casa, meteu-se no meio do rebanho.
– Jacinta – perguntei-lhe – para que vais aí, no meio das ovelhas?
– Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que
me deram, também está assim, no meio de muitas e com uma ao
colo.
Entretanto, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, cheguei à idade em
que minha mãe mandava os seus filhos guardar o rebanho. Minha
irmã Carolina fez os seus 13 anos (9) e era preciso começar a
trabalhar. Minha mãe entregou-me, por isso, o cuidado do nosso
rebanho. Dei a notícia aos meus companheiros e disse-Ihes que
não voltava mais a brincar com eles; mas os pequenitos não se
conformavam com a separação. Foram pedir à mãe que os deixasse
ir comigo, o que Ihes foi negado. Tivemos que nos conformar com
a separação. Vinham, então, quase todos os dias, à noitinha,
esperar-me ao caminho e lá íamos, então, para a eira, dar algumas
corridas, à espera que Nossa Senhora e os Anjos acendessem as
suas candeias e as viessem pôr à janela para nos alumiar, como
nós dizíamos. Quando não havia luar, dizíamos que a candeia de
Nossa Senhora não tinha azeite.
Aos dois pequenitos custava a conformar com a ausência da
sua antiga companheira. Por isso, renovavam continuamente as
instâncias junto de sua mãe, para que os deixasse, também eles,
guardar o seu rebanho. Minha tia, talvez para se ver livre de tantos
pedidos, apesar de serem demasiado pequenos, entregou-lhes a
guarda das suas ovelhinhas. Radiantes de alegria, foram dar-me a
notícia e combinar como juntaríamos todos os dias os nossos rebanhos. Cada um abriria o seu à hora que Ihe mandasse sua mãe
e o primeiro esperava pelo outro, no Barreiro (assim chamávamos
a uma pequena lagoa que estava ao fundo da serra). Uma vez
juntos, combinávamos qual a pastagem do dia e para lá íamos, tão
felizes e contentes, como se fôssemos para uma festa!
Aqui temos, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, a Jacinta na sua
nova vida de pastorinha. As ovelhinhas ganhámo-las à força de
distribuir por elas as nossas merendas. Por isso, quando chegávamos à pastagem, podíamos brincar descansados, que elas não
se afastavam de nós. A Jacinta gostava muito de ouvir o eco da
voz no fundo dos vales. Por isso, um dos nossos entretenimentos
era, no cimo dos montes, sentados no penedo maior, pronunciar
nomes em alta voz. O nome que melhor ecoava era o de Maria. A
Jacinta dizia, às vezes, assim, a Ave Maria inteira, repetindo a palavra seguinte só quando a precedente tinha acabado de ecoar.
Gostávamos também de entoar cânticos. Entre vários profanos, que infelizmente sabíamos bastantes, a Jacinta preferia o Salve
Nobre Padroeira, Virgem Pura, Anjos, cantai comigo. Éramos, no
entanto, bastante afeiçoados ao baile e qualquer instrumento que
ouvíssemos tocar aos outros pastores era o bastante para nos pôr
a dançar. A Jacinta, apesar de ser tão pequena, tinha, para isso,
uma arte especial.
Tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezássemos o Terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco, para
brincar, arranjámos uma boa maneira de acabar breve: passávamos
as contas, dizendo somente: Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria!
Quando chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita
pausa, a simples palavra: Padre Nosso! E assim, em um abrir e
fechar de olhos, como se costuma dizer, tínhamos o nosso Terço
rezado!
A Jacinta gostava também muito de agarrar os cordeirinhos
brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los, beijá-los e, à noite, trazê-los ao colo para casa, para que não se cansassem. Um
dia, ao voltar para casa, meteu-se no meio do rebanho.
– Jacinta – perguntei-lhe – para que vais aí, no meio das ovelhas?
– Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que
me deram, também está assim, no meio de muitas e com uma ao
colo.
( 8 ) Jacinta nasceu em 11 de Março de 1910.
( 9 ) Carolina faleceu em 31 de Março de 1992.