8. AMEAÇAS DO ADMINISTRADOR

8. AMEAÇAS DO ADMINISTRADOR
Passados não muitos dias, meus tios e meus pais recebem
ordem das autoridades, para comparecer na Administração, no dia
seguinte, a tal hora marcada, com a Jacinta e o Francisco, meu tio
e, comigo, meu pai. A Administração é em Vila Nova de Ourém; e
por isso havia que andar umas três léguas, distancia bem considerável para três crianças do nosso tamanho. E os únicos meios de
viajar, em aquele tempo, por ali, eram os pés de cada um, ou os de
alguma burrita. Meu tio respondeu logo que comparecia ele, mas
que seus filhos não os levava:
– Eles, a pé, não aguentam o caminho – dizia ele – e a cavalo
eles não se seguram em cima da burra, porque não estão habituados. Ademais, não tenho para que apresentar em um tribunal duas
crianças deste tamanho.
Meus pais pensavam ao contrário:
– A minha vai; que responda ela. Eu cá destas coisas não
entendo nada. E, se mente, é bem que seja castigada.
No dia seguinte, de manhãzinha, lá me puseram em cima duma
burrita, da qual caí três vezes durante o caminho, e lá fui acompa-
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nhada de meu pai e meu tio (19). Parece-me que já contei a V. Ex.cia
Rev.ma quanto a Jacinta e o Francisco sofreram neste dia, julgando
que me iam matar. A mim, o que me fazia sofrer era (a) indiferença
que por mim mostravam meus Pais, a qual eu via mais clara quando via o carinho com que meus tios tratavam os seus filhinhos.
Lembro-me de nesta viagem ter feito esta reflexão: Que diferentes
são meus pais de meus tios! Estes, para defender seus filhos, entregam-se eles. Meus pais entregam-me com a maior indiferença,
para que façam de mim o que quiserem! Mas paciência! dizia no
íntimo do meu coração; assim tenho a dita de sofrer mais por Teu
amor, ó meu Deus, e pela conversão dos pecadores. Em esta reflexão encontrava consolação em todos os momentos.
Na Administração, fui interrogada pelo Administrador, na presença de meu pai, meu tio e vários outros senhores que não sei
quem eram. O Administrador queria forçosamente que Ihe revelasse o segredo e que Ihe prometesse não voltar mais à Cova (de) Iria.
Para conseguir isto, não se poupou a promessas e, por fim, ameaças. Vendo que nada conseguia, despediu-me, protestando que o
havia de conseguir, ainda que para isso tivesse de tirar-me a vida. A
meu tio passou uma boa repreensão, por não haver cumprido as
suas ordens, e lá nos deixaram vir para nossa casa.
(19) O mencionado «dia seguinte» foi 11 de Agosto de 1917.
Passados não muitos dias, meus tios e meus pais recebem
ordem das autoridades, para comparecer na Administração, no dia
seguinte, a tal hora marcada, com a Jacinta e o Francisco, meu tio
e, comigo, meu pai. A Administração é em Vila Nova de Ourém; e
por isso havia que andar umas três léguas, distancia bem considerável para três crianças do nosso tamanho. E os únicos meios de
viajar, em aquele tempo, por ali, eram os pés de cada um, ou os de
alguma burrita. Meu tio respondeu logo que comparecia ele, mas
que seus filhos não os levava:
– Eles, a pé, não aguentam o caminho – dizia ele – e a cavalo
eles não se seguram em cima da burra, porque não estão habituados. Ademais, não tenho para que apresentar em um tribunal duas
crianças deste tamanho.
Meus pais pensavam ao contrário:
– A minha vai; que responda ela. Eu cá destas coisas não
entendo nada. E, se mente, é bem que seja castigada.
No dia seguinte, de manhãzinha, lá me puseram em cima duma
burrita, da qual caí três vezes durante o caminho, e lá fui acompa-
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nhada de meu pai e meu tio (19). Parece-me que já contei a V. Ex.cia
Rev.ma quanto a Jacinta e o Francisco sofreram neste dia, julgando
que me iam matar. A mim, o que me fazia sofrer era (a) indiferença
que por mim mostravam meus Pais, a qual eu via mais clara quando via o carinho com que meus tios tratavam os seus filhinhos.
Lembro-me de nesta viagem ter feito esta reflexão: Que diferentes
são meus pais de meus tios! Estes, para defender seus filhos, entregam-se eles. Meus pais entregam-me com a maior indiferença,
para que façam de mim o que quiserem! Mas paciência! dizia no
íntimo do meu coração; assim tenho a dita de sofrer mais por Teu
amor, ó meu Deus, e pela conversão dos pecadores. Em esta reflexão encontrava consolação em todos os momentos.
Na Administração, fui interrogada pelo Administrador, na presença de meu pai, meu tio e vários outros senhores que não sei
quem eram. O Administrador queria forçosamente que Ihe revelasse o segredo e que Ihe prometesse não voltar mais à Cova (de) Iria.
Para conseguir isto, não se poupou a promessas e, por fim, ameaças. Vendo que nada conseguia, despediu-me, protestando que o
havia de conseguir, ainda que para isso tivesse de tirar-me a vida. A
meu tio passou uma boa repreensão, por não haver cumprido as
suas ordens, e lá nos deixaram vir para nossa casa.
(19) O mencionado «dia seguinte» foi 11 de Agosto de 1917.