Várias pessoas que aí iam, de fora, ao verem-me com uma
cara amarelenta e meia anémica, pediam a minha mãe para me
deixar ir uns dias para suas casas, dizendo que a mudança de
ares me fazia bem. Com este intento, minha mãe dava o seu consentimento e lá me levavam, ora para umas partes, ora para outras.
Nestas viagens nem sempre encontrava estima e carinho. Ao
lado das pessoas que me admiravam e julgavam santa, havia sempre outras que me vituperavam e chamavam hipócrita, visionária e
feiticeira. Era o nosso bom Deus a deitar o sal na água, para que
ela se não corrompesse. E assim, graças a esta Divina Providência, passei pelo fogo sem me queimar, nem chegar a conhecer
aquele bichinho da vaidade que tudo costuma carcomer. Nestas
ocasiões, eu costumava pensar: Todos se enganam: nem sou uma
santa, como alguns dizem, nem uma mentirosa, como dizem outros; só Deus sabe o que sou.
Ao voltar, corria junto da Jacinta que me dizia:
– Olha, não voltes a ir. Já tinha tantas saudades tuas! Desde
que foste embora, não falei com ninguém; com os outros não sei
falar.
Chegou, por fim, o tempo de ela partir para Lisboa. Já escrevi
a nossa despedida, por isso não a repito aqui. Que tristeza que eu
senti ao ver-me só! Em tão pouco tempo, o nosso bom Deus levava-me para o Céu o meu querido pai, em seguida o Francisco e
agora a Jacinta que eu não tornaria a ver neste mundo. Logo que
pude, retirei-me para o Cabeço; internei-me na caverna do rochedo, para aí, a sós com Deus, desafogar a minha dor e derramar,
com abundância, as lágrimas do meu pranto. Ao descer a encosta,
tudo me recordava os meus queridos companheiros: pedras onde
tantas vezes nos havíamos sentado; as flores que eu já não colhia,
por não ter a quem as levar; os Valinhos onde, juntos, tínhamos
gozado as delícias do Paraíso! Como que duvidando da realidade
e meia abstracta, entrei, um dia, em casa de minha tia, dirigindo-
-me ao quarto da Jacinta, chamando por ela. Sua irmãzinha Teresa, ao ver-me assim, embargou-me os passos, dizendo que a Jacinta já ali não estava!
Passado pouco tempo, chegou a notícia de que havia voado
ao Céu (35). Trouxeram, então, o seu cadáver para Vila Nova de
Ourém. Minha tia lá me levou um dia, junto dos restos mortais da
sua filhinha, com a esperança de, assim, me distrair. Mas, por largo tempo, a minha tristeza parecia aumentar cada vez mais. Quando
encontrava o cemitério aberto, sentava-me junto da campa do Francisco ou de meu pai e aí passava longas horas.
Graças (a Deus) que, passado algum tempo, minha mãe resolveu ir a Lisboa e levar-me consigo (36). Por intermédio do Senhor Dr. Formigão, uma piedosa senhora recebe-nos em sua casa
e ofereceu-se para pagar a minha educação em um colégio, se eu
quisesse ficar. Minha mãe e eu aceitámos, reconhecidas, a generosa oferta da caritativa senhora, de nome D. Assunção Avelar.
Minha mãe, depois de haver consultado os médicos e ouvir que
necessitava de uma operação aos rins e espinha, mas que eles
não se responsabilizavam pela sua vida, em vistas de ter também
uma lesão cardíaca, voltou para casa, deixando-me entregue aos
cuidados dessa senhora. Quando já estava com tudo pronto e o
dia marcado para entrar no colégio disseram que o Governo tinha
sabido que eu estava em Lisboa e que me procurava. Levaram-
-me, então, para Santarém, para casa do Senhor Dr. Formigão,
onde estive alguns dias escondida, sem, nem sequer, me deixarem ir à Missa. E, por fim, a irmã de Sua Rev.cia veio-me trazer a
casa de minha mãe, prometendo arranjarem a minha entrada em
um colégio que, então, tinham as Religiosas Doroteias em Espanha;
e que, logo que estivesse tudo arranjado, me iriam buscar. Com
todas estas coisas, distraí-me alguma coisa, e aquela tristeza
acabrunhadora foi-me passando.
Várias pessoas que aí iam, de fora, ao verem-me com uma
cara amarelenta e meia anémica, pediam a minha mãe para me
deixar ir uns dias para suas casas, dizendo que a mudança de
ares me fazia bem. Com este intento, minha mãe dava o seu consentimento e lá me levavam, ora para umas partes, ora para outras.
Nestas viagens nem sempre encontrava estima e carinho. Ao
lado das pessoas que me admiravam e julgavam santa, havia sempre outras que me vituperavam e chamavam hipócrita, visionária e
feiticeira. Era o nosso bom Deus a deitar o sal na água, para que
ela se não corrompesse. E assim, graças a esta Divina Providência, passei pelo fogo sem me queimar, nem chegar a conhecer
aquele bichinho da vaidade que tudo costuma carcomer. Nestas
ocasiões, eu costumava pensar: Todos se enganam: nem sou uma
santa, como alguns dizem, nem uma mentirosa, como dizem outros; só Deus sabe o que sou.
Ao voltar, corria junto da Jacinta que me dizia:
– Olha, não voltes a ir. Já tinha tantas saudades tuas! Desde
que foste embora, não falei com ninguém; com os outros não sei
falar.
Chegou, por fim, o tempo de ela partir para Lisboa. Já escrevi
a nossa despedida, por isso não a repito aqui. Que tristeza que eu
senti ao ver-me só! Em tão pouco tempo, o nosso bom Deus levava-me para o Céu o meu querido pai, em seguida o Francisco e
agora a Jacinta que eu não tornaria a ver neste mundo. Logo que
pude, retirei-me para o Cabeço; internei-me na caverna do rochedo, para aí, a sós com Deus, desafogar a minha dor e derramar,
com abundância, as lágrimas do meu pranto. Ao descer a encosta,
tudo me recordava os meus queridos companheiros: pedras onde
tantas vezes nos havíamos sentado; as flores que eu já não colhia,
por não ter a quem as levar; os Valinhos onde, juntos, tínhamos
gozado as delícias do Paraíso! Como que duvidando da realidade
e meia abstracta, entrei, um dia, em casa de minha tia, dirigindo-
-me ao quarto da Jacinta, chamando por ela. Sua irmãzinha Teresa, ao ver-me assim, embargou-me os passos, dizendo que a Jacinta já ali não estava!
Passado pouco tempo, chegou a notícia de que havia voado
ao Céu (35). Trouxeram, então, o seu cadáver para Vila Nova de
Ourém. Minha tia lá me levou um dia, junto dos restos mortais da
sua filhinha, com a esperança de, assim, me distrair. Mas, por largo tempo, a minha tristeza parecia aumentar cada vez mais. Quando
encontrava o cemitério aberto, sentava-me junto da campa do Francisco ou de meu pai e aí passava longas horas.
Graças (a Deus) que, passado algum tempo, minha mãe resolveu ir a Lisboa e levar-me consigo (36). Por intermédio do Senhor Dr. Formigão, uma piedosa senhora recebe-nos em sua casa
e ofereceu-se para pagar a minha educação em um colégio, se eu
quisesse ficar. Minha mãe e eu aceitámos, reconhecidas, a generosa oferta da caritativa senhora, de nome D. Assunção Avelar.
Minha mãe, depois de haver consultado os médicos e ouvir que
necessitava de uma operação aos rins e espinha, mas que eles
não se responsabilizavam pela sua vida, em vistas de ter também
uma lesão cardíaca, voltou para casa, deixando-me entregue aos
cuidados dessa senhora. Quando já estava com tudo pronto e o
dia marcado para entrar no colégio disseram que o Governo tinha
sabido que eu estava em Lisboa e que me procurava. Levaram-
-me, então, para Santarém, para casa do Senhor Dr. Formigão,
onde estive alguns dias escondida, sem, nem sequer, me deixarem ir à Missa. E, por fim, a irmã de Sua Rev.cia veio-me trazer a
casa de minha mãe, prometendo arranjarem a minha entrada em
um colégio que, então, tinham as Religiosas Doroteias em Espanha;
e que, logo que estivesse tudo arranjado, me iriam buscar. Com
todas estas coisas, distraí-me alguma coisa, e aquela tristeza
acabrunhadora foi-me passando.
Várias pessoas que aí iam, de fora, ao verem-me com uma
cara amarelenta e meia anémica, pediam a minha mãe para me
deixar ir uns dias para suas casas, dizendo que a mudança de
ares me fazia bem. Com este intento, minha mãe dava o seu consentimento e lá me levavam, ora para umas partes, ora para outras.
Nestas viagens nem sempre encontrava estima e carinho. Ao
lado das pessoas que me admiravam e julgavam santa, havia sempre outras que me vituperavam e chamavam hipócrita, visionária e
feiticeira. Era o nosso bom Deus a deitar o sal na água, para que
ela se não corrompesse. E assim, graças a esta Divina Providência, passei pelo fogo sem me queimar, nem chegar a conhecer
aquele bichinho da vaidade que tudo costuma carcomer. Nestas
ocasiões, eu costumava pensar: Todos se enganam: nem sou uma
santa, como alguns dizem, nem uma mentirosa, como dizem outros; só Deus sabe o que sou.
Ao voltar, corria junto da Jacinta que me dizia:
– Olha, não voltes a ir. Já tinha tantas saudades tuas! Desde
que foste embora, não falei com ninguém; com os outros não sei
falar.
Chegou, por fim, o tempo de ela partir para Lisboa. Já escrevi
a nossa despedida, por isso não a repito aqui. Que tristeza que eu
senti ao ver-me só! Em tão pouco tempo, o nosso bom Deus levava-me para o Céu o meu querido pai, em seguida o Francisco e
agora a Jacinta que eu não tornaria a ver neste mundo. Logo que
pude, retirei-me para o Cabeço; internei-me na caverna do rochedo, para aí, a sós com Deus, desafogar a minha dor e derramar,
com abundância, as lágrimas do meu pranto. Ao descer a encosta,
tudo me recordava os meus queridos companheiros: pedras onde
tantas vezes nos havíamos sentado; as flores que eu já não colhia,
por não ter a quem as levar; os Valinhos onde, juntos, tínhamos
gozado as delícias do Paraíso! Como que duvidando da realidade
e meia abstracta, entrei, um dia, em casa de minha tia, dirigindo-
-me ao quarto da Jacinta, chamando por ela. Sua irmãzinha Teresa, ao ver-me assim, embargou-me os passos, dizendo que a Jacinta já ali não estava!
Passado pouco tempo, chegou a notícia de que havia voado
ao Céu (35). Trouxeram, então, o seu cadáver para Vila Nova de
Ourém. Minha tia lá me levou um dia, junto dos restos mortais da
sua filhinha, com a esperança de, assim, me distrair. Mas, por largo tempo, a minha tristeza parecia aumentar cada vez mais. Quando
encontrava o cemitério aberto, sentava-me junto da campa do Francisco ou de meu pai e aí passava longas horas.
Graças (a Deus) que, passado algum tempo, minha mãe resolveu ir a Lisboa e levar-me consigo (36). Por intermédio do Senhor Dr. Formigão, uma piedosa senhora recebe-nos em sua casa
e ofereceu-se para pagar a minha educação em um colégio, se eu
quisesse ficar. Minha mãe e eu aceitámos, reconhecidas, a generosa oferta da caritativa senhora, de nome D. Assunção Avelar.
Minha mãe, depois de haver consultado os médicos e ouvir que
necessitava de uma operação aos rins e espinha, mas que eles
não se responsabilizavam pela sua vida, em vistas de ter também
uma lesão cardíaca, voltou para casa, deixando-me entregue aos
cuidados dessa senhora. Quando já estava com tudo pronto e o
dia marcado para entrar no colégio disseram que o Governo tinha
sabido que eu estava em Lisboa e que me procurava. Levaram-
-me, então, para Santarém, para casa do Senhor Dr. Formigão,
onde estive alguns dias escondida, sem, nem sequer, me deixarem ir à Missa. E, por fim, a irmã de Sua Rev.cia veio-me trazer a
casa de minha mãe, prometendo arranjarem a minha entrada em
um colégio que, então, tinham as Religiosas Doroteias em Espanha;
e que, logo que estivesse tudo arranjado, me iriam buscar. Com
todas estas coisas, distraí-me alguma coisa, e aquela tristeza
acabrunhadora foi-me passando.