9. PRIMEIRO ENCONTRO COM O BISPO

9. PRIMEIRO ENCONTRO COM O BISPO
Por este tempo, V. Ex.cia Rev.ma entrava em Leiria (37) e o nosso
bom Deus confiava, aos seus cuidados, um pobre rebanho há largos anos sem Pastor. Não faltou quem julgasse assustar-me com
a chegada de V. Ex.cia Rev.ma, como já doutra vez tinham feito com
um venerável Sacerdote, dizendo que V. Ex.cia sabia tudo, que adivinhava e penetrava no íntimo das consciências e que, agora, iria
descobrir todas as minhas intrujices. Longe de me assustar, ansiava por Ihe falar e pensava: Se é certo que sabe tudo, sabe que falo
verdade.
Assim, logo que uma boa senhora de Leiria se ofereceu para
me levar junto de V. Ex.cia Rev.ma, aceitei, gostosa, a proposta. Lá
fui, na expectativa do feliz momento. Chegou, enfim, esse dia. E ao
chegar ao Paço, mandaram-me entrar, com essa senhora, em uma
sala e esperar um pouco. Veio, passados alguns momentos, o
Secretário (38) de V. Ex.cia Rev.ma que falou amavelmente com a
Senhora D. Gilda, que me acompanhava, fazendo-me, de vez em
quando, algumas perguntas. Como já me tinha confessado duas
vezes a Sua Rev.cia, já o conhecia; e, por isso, a sua conversação
foi-me agradável.
Passado um pouco, veio o Senhor Dr. Marques dos Santos
(39), com os seus sapatos de fivela e envolvido na sua grande capa.
Era a primeira vez que eu assim via vestido um Sacerdote e, por
isso, chamou-me mais a atenção. Começou, pois, a desenvolver o
seu reportório de perguntas que parecia não terem fim. De vez em
quando ria-se, com um ar de troça das minhas respostas e o momento de falar com o Senhor Bispo não havia maneira de chegar.
Por fim, veio de novo o Secretário de V. Ex.cia dizer à senhora que
me acompanhava que, quando o Senhor Bispo chegasse, que se
desculpasse, dizendo que tinha que ir a um recado, e que se retirasse, porque, dizia Sua Rev.cia, pode ser que Sua Ex.cia Ihe queira
alguma coisa em particular. Ao ouvir este recado, exultei de alegria
e pensei: O Senhor Bispo, como sabe tudo, não me fará muitas
perguntas e está só comigo; mas que bom!
A boa senhora soube bem fazer a parte, quando V. Ex.cia Rev.ma
chegou; e, assim, tive a felicidade de falar a sós com V. Ex.cia. O
que em essa entrevista se passou não vou agora descrevê-lo, porque V. Ex.cia Rev.ma decerto o recorda melhor do que eu. Na verdade, quando vos vi, Ex.mo e Rev.mo Senhor, receber-me com tanta
bondade, sem me fazer a mínima pergunta curiosa ou inútil, interessando-vos apenas pelo bem da minha alma e prontificando-vos
a tomar conta da pobre ovelhinha que o Senhor acabava de vos
confiar, fiquei, mais do que nunca, crente que V. Ex.cia Rev.ma tudo
sabia; e não hesitei um momento em me abandonar nas vossas
mãos. As condições impostas por V. Ex.cia Rev.ma para o conseguir,
para o meu natural, eram fáceis: guardar perfeito segredo de tudo
que V. Ex.cia Rev.ma me tinha dito e ser boa. Lá me fui guardando
para mim o meu segredo, até ao dia em (que) V. Ex.cia Rev.ma mandou pedir o consentimento da minha mãe.
(35) Jacinta morre em Lisboa, no Hospital D. Estefânia, a 20 de Fevereiro de 1920,
pelas 22.30 horas.
(36) Lúcia esteve em Lisboa de 7 de Julho até 6 de Agosto de 1920. A seguir foi a
Santarém e daqui regressou a Aljustrel, em 12 de Agosto.
(37) O novo Bispo, D. José Alves Correia da Silva, entrou na Diocese em 5 de
Agosto de 1920.
(38) Padre Augusto de Sousa Maia (†1959)
( 39) Mons. Manuel Marques dos Santos (1892-1971)
Por este tempo, V. Ex.cia Rev.ma entrava em Leiria (37) e o nosso
bom Deus confiava, aos seus cuidados, um pobre rebanho há largos anos sem Pastor. Não faltou quem julgasse assustar-me com
a chegada de V. Ex.cia Rev.ma, como já doutra vez tinham feito com
um venerável Sacerdote, dizendo que V. Ex.cia sabia tudo, que adivinhava e penetrava no íntimo das consciências e que, agora, iria
descobrir todas as minhas intrujices. Longe de me assustar, ansiava por Ihe falar e pensava: Se é certo que sabe tudo, sabe que falo
verdade.
Assim, logo que uma boa senhora de Leiria se ofereceu para
me levar junto de V. Ex.cia Rev.ma, aceitei, gostosa, a proposta. Lá
fui, na expectativa do feliz momento. Chegou, enfim, esse dia. E ao
chegar ao Paço, mandaram-me entrar, com essa senhora, em uma
sala e esperar um pouco. Veio, passados alguns momentos, o
Secretário (38) de V. Ex.cia Rev.ma que falou amavelmente com a
Senhora D. Gilda, que me acompanhava, fazendo-me, de vez em
quando, algumas perguntas. Como já me tinha confessado duas
vezes a Sua Rev.cia, já o conhecia; e, por isso, a sua conversação
foi-me agradável.
Passado um pouco, veio o Senhor Dr. Marques dos Santos
(39), com os seus sapatos de fivela e envolvido na sua grande capa.
Era a primeira vez que eu assim via vestido um Sacerdote e, por
isso, chamou-me mais a atenção. Começou, pois, a desenvolver o
seu reportório de perguntas que parecia não terem fim. De vez em
quando ria-se, com um ar de troça das minhas respostas e o momento de falar com o Senhor Bispo não havia maneira de chegar.
Por fim, veio de novo o Secretário de V. Ex.cia dizer à senhora que
me acompanhava que, quando o Senhor Bispo chegasse, que se
desculpasse, dizendo que tinha que ir a um recado, e que se retirasse, porque, dizia Sua Rev.cia, pode ser que Sua Ex.cia Ihe queira
alguma coisa em particular. Ao ouvir este recado, exultei de alegria
e pensei: O Senhor Bispo, como sabe tudo, não me fará muitas
perguntas e está só comigo; mas que bom!
A boa senhora soube bem fazer a parte, quando V. Ex.cia Rev.ma
chegou; e, assim, tive a felicidade de falar a sós com V. Ex.cia. O
que em essa entrevista se passou não vou agora descrevê-lo, porque V. Ex.cia Rev.ma decerto o recorda melhor do que eu. Na verdade, quando vos vi, Ex.mo e Rev.mo Senhor, receber-me com tanta
bondade, sem me fazer a mínima pergunta curiosa ou inútil, interessando-vos apenas pelo bem da minha alma e prontificando-vos
a tomar conta da pobre ovelhinha que o Senhor acabava de vos
confiar, fiquei, mais do que nunca, crente que V. Ex.cia Rev.ma tudo
sabia; e não hesitei um momento em me abandonar nas vossas
mãos. As condições impostas por V. Ex.cia Rev.ma para o conseguir,
para o meu natural, eram fáceis: guardar perfeito segredo de tudo
que V. Ex.cia Rev.ma me tinha dito e ser boa. Lá me fui guardando
para mim o meu segredo, até ao dia em (que) V. Ex.cia Rev.ma mandou pedir o consentimento da minha mãe.
(35) Jacinta morre em Lisboa, no Hospital D. Estefânia, a 20 de Fevereiro de 1920,
pelas 22.30 horas.
(36) Lúcia esteve em Lisboa de 7 de Julho até 6 de Agosto de 1920. A seguir foi a
Santarém e daqui regressou a Aljustrel, em 12 de Agosto.
(37) O novo Bispo, D. José Alves Correia da Silva, entrou na Diocese em 5 de
Agosto de 1920.
(38) Padre Augusto de Sousa Maia (†1959)
( 39) Mons. Manuel Marques dos Santos (1892-1971)
 

Por este tempo, V. Ex.cia Rev.ma entrava em Leiria (37) e o nosso

bom Deus confiava, aos seus cuidados, um pobre rebanho há largos anos sem Pastor. Não faltou quem julgasse assustar-me com

a chegada de V. Ex.cia Rev.ma, como já doutra vez tinham feito com

um venerável Sacerdote, dizendo que V. Ex.cia sabia tudo, que adivinhava e penetrava no íntimo das consciências e que, agora, iria

descobrir todas as minhas intrujices. Longe de me assustar, ansiava por Ihe falar e pensava: Se é certo que sabe tudo, sabe que falo

verdade.

Assim, logo que uma boa senhora de Leiria se ofereceu para

me levar junto de V. Ex.cia Rev.ma, aceitei, gostosa, a proposta. Lá

fui, na expectativa do feliz momento. Chegou, enfim, esse dia. E ao

chegar ao Paço, mandaram-me entrar, com essa senhora, em uma

sala e esperar um pouco. Veio, passados alguns momentos, o

Secretário (38) de V. Ex.cia Rev.ma que falou amavelmente com a

Senhora D. Gilda, que me acompanhava, fazendo-me, de vez em

quando, algumas perguntas. Como já me tinha confessado duas

vezes a Sua Rev.cia, já o conhecia; e, por isso, a sua conversação

foi-me agradável.

Passado um pouco, veio o Senhor Dr. Marques dos Santos

(39), com os seus sapatos de fivela e envolvido na sua grande capa.

Era a primeira vez que eu assim via vestido um Sacerdote e, por

isso, chamou-me mais a atenção. Começou, pois, a desenvolver o

seu reportório de perguntas que parecia não terem fim. De vez em

quando ria-se, com um ar de troça das minhas respostas e o momento de falar com o Senhor Bispo não havia maneira de chegar.

Por fim, veio de novo o Secretário de V. Ex.cia dizer à senhora que

me acompanhava que, quando o Senhor Bispo chegasse, que se

desculpasse, dizendo que tinha que ir a um recado, e que se retirasse, porque, dizia Sua Rev.cia, pode ser que Sua Ex.cia Ihe queira

alguma coisa em particular. Ao ouvir este recado, exultei de alegria

e pensei: O Senhor Bispo, como sabe tudo, não me fará muitas

perguntas e está só comigo; mas que bom!

A boa senhora soube bem fazer a parte, quando V. Ex.cia Rev.ma

chegou; e, assim, tive a felicidade de falar a sós com V. Ex.cia. O

que em essa entrevista se passou não vou agora descrevê-lo, porque V. Ex.cia Rev.ma decerto o recorda melhor do que eu. Na verdade, quando vos vi, Ex.mo e Rev.mo Senhor, receber-me com tanta

bondade, sem me fazer a mínima pergunta curiosa ou inútil, interessando-vos apenas pelo bem da minha alma e prontificando-vos

a tomar conta da pobre ovelhinha que o Senhor acabava de vos

confiar, fiquei, mais do que nunca, crente que V. Ex.cia Rev.ma tudo

sabia; e não hesitei um momento em me abandonar nas vossas

mãos. As condições impostas por V. Ex.cia Rev.ma para o conseguir,

para o meu natural, eram fáceis: guardar perfeito segredo de tudo

que V. Ex.cia Rev.ma me tinha dito e ser boa. Lá me fui guardando

para mim o meu segredo, até ao dia em (que) V. Ex.cia Rev.ma mandou pedir o consentimento da minha mãe.

(35) Jacinta morre em Lisboa, no Hospital D. Estefânia, a 20 de Fevereiro de 1920,

pelas 22.30 horas.

(36) Lúcia esteve em Lisboa de 7 de Julho até 6 de Agosto de 1920. A seguir foi a

Santarém e daqui regressou a Aljustrel, em 12 de Agosto.

(37) O novo Bispo, D. José Alves Correia da Silva, entrou na Diocese em 5 de

Agosto de 1920.

(38) Padre Augusto de Sousa Maia (†1959)

( 39) Mons. Manuel Marques dos Santos (1892-1971)