A MENSAGEM DE FÁTIMA

A MENSAGEM DE FÁTIMA
Na passagem do segundo para o terceiro milénio, o Papa João
Paulo II decidiu tornar público o texto da terceira parte do «segredo
de Fátima».
Depois dos acontecimentos dramáticos e cruéis do século XX,
um dos mais tormentosos da história do homem, com o ponto culminante no cruento atentado ao «doce Cristo na terra», abre-se
assim o véu sobre uma realidade que faz história e a interpreta na
sua profundidade segundo uma dimensão espiritual, a que é refractária a mentalidade actual, frequentemente eivada de
racionalismo.
A história está constelada de aparições e sinais sobrenaturais, que influenciam o desenrolar dos acontecimentos humanos e
acompanham o caminho do mundo, surpreendendo crentes e descrentes. Estas manifestações, que não podem contradizer o conteúdo da fé, devem convergir para o objecto central do anúncio de
Cristo: o amor do Pai que suscita nos homens a conversão e dá a
graça para se abandonarem a Ele com devoção filial. Tal é a mensagem de Fátima, com o seu veemente apelo à conversão e à
penitência, que leva realmente ao coração do Evangelho.
Fátima é, sem dúvida, a mais profética das aparições modernas. A primeira e a segunda parte do «segredo», que são publicadas
em seguida para ficar completa a documentação, dizem respeito
antes de mais à pavorosa visão do inferno, à devoção ao Imaculado
Coração de Maria, à segunda guerra mundial, e depois ao prenúncio dos danos imensos que a Rússia, com a sua defecção da fé
cristã e adesão ao totalitarismo comunista, haveria de causar à
humanidade.
Em 1917, ninguém poderia ter imaginado tudo isto: os três
pastorinhos de Fátima vêem, ouvem, memorizam, e Lúcia, a testemunha sobrevivente, quando recebe a ordem do Bispo de Leiria e
a autorização de Nossa Senhora, põe por escrito.
Para a exposição das primeiras duas partes do «segredo»,
aliás já publicadas e conhecidas, foi escolhido o texto escrito pela
Irmã Lúcia na terceira memória, de 31 de Agosto de 1941; na quarta memória, de 8 de Dezembro de 1941, ela acrescentará qualquer observação.
A terceira parte do «segredo» foi escrita «por ordem de Sua
Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da (...) Santíssima Mãe»,
no dia 3 de Janeiro de 1944.
Existe apenas um manuscrito, que é reproduzido aqui fotostaticamente. O envelope selado foi guardado primeiramente pelo Bispo de Leiria. Para se tutelar melhor o «segredo», no dia 4 de Abril
de 1957 o envelope foi entregue ao Arquivo Secreto do Santo Ofício. Disto mesmo, foi avisada a Irmã Lúcia pelo Bispo de Leiria.
Segundo apontamentos do Arquivo, no dia 17 de Agosto de
1959 e de acordo com Sua Eminência o Cardeal Alfredo Ottaviani,
o Comissário do Santo Ofício, Padre Pierre Paul Philippe OP, levou
a João XXIII o envelope com a terceira parte do «segredo de Fátima». Sua Santidade, «depois de alguma hesitação», disse: «Aguardemos. Rezarei. Far-lhe-ei saber o que decidi».1
1 Lê-se no diário de João XXIII, a 17 de Agosto de 1959: «Audiências: P. Philippe,
Comissário do S.O., que me traz a carta que contém a terceira parte dos segredos de Fátima. Reservo-me de a ler com o meu Confessor».
 
Na realidade, a decisão do Papa João XXIII foi enviar de novo
o envelope selado para o Santo Ofício e não revelar a terceira
parte do «segredo».
Paulo VI leu o conteúdo com o Substituto da Secretaria de
Estado, Sua Ex.cia Rev.ma D. Ângelo Dell’Acqua, a 27 de Março de
1965, e mandou novamente o envelope para o Arquivo do Santo
Ofício, com a decisão de não publicar o texto.
João Paulo II, por sua vez, pediu o envelope com a terceira
parte do «segredo», após o atentado de 13 de Maio de 1981. Sua
Eminência o Cardeal Franjo Seper, Prefeito da Congregação, a 18
de Julho de 1981 entregou a Sua Ex.cia Rev.ma D. Eduardo Martínez
Somalo, Substituto da Secretaria de Estado, dois envelopes: um
branco, com o texto original da Irmã Lúcia em língua portuguesa;
outro cor-de-laranja, com a tradução do «segredo» em língua italiana. No dia 11 de Agosto seguinte, o Senhor D. Martínez Somalo
devolveu os dois envelopes ao Arquivo do Santo Ofício.2
Como é sabido, o Papa João Paulo II pensou imediatamente
na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo uma oração para o designado «Acto de Entrega»,
que seria celebrado na Basílica de Santa Maria Maior a 7 de Junho
de 1981, solenidade de Pentecostes, dia escolhido para comemorar os 1600 anos do primeiro Concílio Constantinopolitano e os
1550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, forçadamente ausente,
enviou uma radiomensagem com a sua alocução. Transcrevemos
a parte do texto, onde se refere exactamente o acto de entrega:
«Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os
seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que
abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo
directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e
da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e,
ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais
de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a
2 Vale a pena recordar o comentário feito pelo Santo Padre, na Audiência Geral
de 14 de Outubro de 1981, sobre «O acontecimento de Maio: grande prova
divina», em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV-2 (Città del Vaticano 1981),
409-412; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 18-X-1981), 484.
 
família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da
liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança».3
Mas, para responder mais plenamente aos pedidos de Nossa
Senhora, o Santo Padre quis, durante o Ano Santo da Redenção,
tornar mais explícito o acto de entrega de 7 de Junho de 1981,
repetido em Fátima no dia 13 de Maio de 1982. E, no dia 25 de
Março de 1984, quando se recorda o fiat pronunciado por Maria
no momento da Anunciação, na Praça de S. Pedro, em união espiritual com todos os Bispos do mundo precedentemente «convocados», o Papa entrega ao Imaculado Coração de Maria os homens e os povos, com expressões que lembram as palavras ardorosas pronunciadas em 1981:
«E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que conheceis
todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós que sentis
maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as
trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que, movidos pelo Espírito Santo, elevamos directamente ao
vosso Coração: Abraçai, com amor de Mãe e de Serva do Senhor,
este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos,
cheios de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos
povos.
De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles
homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração
têm particularmente necessidade.
“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”! Não
desprezeis as súplicas que se elevam de nós que estamos na
provação!».
Depois o Papa continua com maior veemência e concretização
de referências, quase comentando a Mensagem de Fátima nas
suas predições infelizmente cumpridas:
«Encontrando-nos hoje diante Vós, Mãe de Cristo, diante do
vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez
3 Radiomensagem durante o rito, na Basílica de Santa Maria Maior, « Veneração, agradecimento, entrega à Virgem Maria Theotokos », em: Insegnamenti di
Giovanni Paolo II, IV-1 (Città del Vaticano 1981), 1246; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 14-VI-1981), 302.
 
de Si mesmo ao Pai: “Eu consagro-Me por eles — foram as suas
palavras — para eles serem também consagrados na verdade” (Jo
17, 19). Queremos unir-nos ao nosso Redentor, nesta consagração pelo mundo e pelos homens, a qual, no seu Coração divino,
tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação.
A força desta consagração permanece por todos os tempos e
abrange todos os homens, os povos e as nações; e supera todo o
mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração
do homem e na sua história e que, de facto, despertou nos nossos tempos.
Oh quão profundamente sentimos a necessidade de consagração pela humanidade e pelo mundo: pelo nosso mundo contemporâneo, em união com o próprio Cristo! Na realidade, a obra
redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo por meio da
Igreja.
Manifesta-o o presente Ano da Redenção: o Jubileu extraordinário de toda a Igreja.
Neste Ano Santo, bendita sejais acima de todas as criaturas
Vós, Serva do Senhor, que obedecestes da maneira mais plena ao
chamamento Divino!
Louvada sejais Vós, que estais inteiramente unida à consagração redentora do vosso Filho!
Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé,
da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos
dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega.
Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a
família humana do mundo contemporâneo.
Confiando-Vos, ó Mãe, o mundo, todos os homens e todos os
povos, nós Vos confiamos também a própria consagração do mundo, depositando-a no vosso Coração materno.
Oh Imaculado Coração! Ajudai-nos a vencer a ameaça do mal,
que se enraíza tão facilmente nos corações dos homens de hoje e
que, nos seus efeitos incomensuráveis, pesa já sobre a vida presente e parece fechar os caminhos do futuro!
Da fome e da guerra, livrai-nos!
Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável, e de
toda a espécie de guerra, livrai-nos!
Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos!
 
Do ódio e do aviltamento da dignidade dos filhos de Deus,
livrai-nos!
De todo o género de injustiça na vida social, nacional e internacional, livrai-nos!
Da facilidade em calcar aos pés os mandamentos de Deus,
livrai-nos!
Da tentativa de ofuscar nos corações humanos a própria verdade de Deus, livrai-nos!
Da perda da consciência do bem e do mal, livrai-nos!
Dos pecados contra o Espírito Santo, livrai-nos, livrai-nos!
Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento
de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras!
Ajudai-nos com a força do Espírito Santo a vencer todo o pecado: o pecado do homem e o “pecado do mundo”, enfim o pecado
em todas as suas manifestações.
Que se revele uma vez mais, na história do mundo, a força
salvífica infinita da Redenção: a força do Amor misericordioso! Que
ele detenha o mal! Que ele transforme as consciências! Que se
manifeste para todos, no vosso Imaculado Coração, a luz da Esperança!».4
A Irmã Lúcia confirmou pessoalmente que este acto, solene e
universal, de consagração correspondia àquilo que Nossa Senhora
queria: «Sim, está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o
dia 25 de Março de 1984» (carta de 8 de Novembro de 1989). Por
isso, qualquer discussão e ulterior petição não tem fundamento.
Na documentação apresentada, para além das páginas manuscritas da Irmã Lúcia inserem-se mais quatro textos: 1) A carta
do Santo Padre à Irmã Lúcia, datada de 19 de Abril de 2000; 2)
Uma descrição do colóquio que houve com a Irmã Lúcia no dia 27
de Abril de 2000; 3) A comunicação lida, por encargo do Santo
Padre, por Sua Eminência o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário
de Estado, em Fátima no dia 13 de Maio deste ano; 4) O comentário teológico de Sua Eminência o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
4 Na Jornada Jubilar das Famílias, o Papa entrega a Nossa Senhora os homens
e as nações: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII-1 (Città del Vaticano 1984),
775-777; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 1-IV-1984), 157 e 160.
 
Uma orientação para a interpretação da terceira parte do «segredo» tinha sido já oferecida pela Irmã Lúcia, numa carta dirigida
ao Santo Padre a 12 de Maio de 1982, onde dizia:
«A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa
Senhora: “Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo,
promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão
aniquiladas” (13-VII-1917).
A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se
refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao facto de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a
meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, etc.”.
Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo
com os seus erros. E se não vemos ainda, como facto consumado,
o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos
largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça atropelando os direitos da pessoa humana, da
imoralidade e da violência, etc.
E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim,
que são os homens que para si mesmos se preparam o castigo.
Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando
a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis».
A decisão tomada pelo Santo Padre João Paulo II de tornar
pública a terceira parte do «segredo» de Fátima encerra um pedaço de história, marcado por trágicas veleidades humanas de poder
e de iniquidade, mas permeada pelo amor misericordioso de Deus
e pela vigilância cuidadosa da Mãe de Jesus e da Igreja.
Acção de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do
homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são
os dois alicerces sobre os quais se constrói a história da humanidade.
Ao aparecer em Fátima, Nossa Senhora faz-nos apelo a estes
valores esquecidos, a este futuro do homem em Deus, do qual
somos parte activa e responsável.
Tarcisio Bertone, SDB
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé
Na passagem do segundo para o terceiro milénio, o Papa João
Paulo II decidiu tornar público o texto da terceira parte do «segredo
de Fátima».
Depois dos acontecimentos dramáticos e cruéis do século XX,
um dos mais tormentosos da história do homem, com o ponto culminante no cruento atentado ao «doce Cristo na terra», abre-se
assim o véu sobre uma realidade que faz história e a interpreta na
sua profundidade segundo uma dimensão espiritual, a que é refractária a mentalidade actual, frequentemente eivada de
racionalismo.
A história está constelada de aparições e sinais sobrenaturais, que influenciam o desenrolar dos acontecimentos humanos e
acompanham o caminho do mundo, surpreendendo crentes e descrentes. Estas manifestações, que não podem contradizer o conteúdo da fé, devem convergir para o objecto central do anúncio de
Cristo: o amor do Pai que suscita nos homens a conversão e dá a
graça para se abandonarem a Ele com devoção filial. Tal é a mensagem de Fátima, com o seu veemente apelo à conversão e à
penitência, que leva realmente ao coração do Evangelho.
Fátima é, sem dúvida, a mais profética das aparições modernas. A primeira e a segunda parte do «segredo», que são publicadas
em seguida para ficar completa a documentação, dizem respeito
antes de mais à pavorosa visão do inferno, à devoção ao Imaculado
Coração de Maria, à segunda guerra mundial, e depois ao prenúncio dos danos imensos que a Rússia, com a sua defecção da fé
cristã e adesão ao totalitarismo comunista, haveria de causar à
humanidade.
Em 1917, ninguém poderia ter imaginado tudo isto: os três
pastorinhos de Fátima vêem, ouvem, memorizam, e Lúcia, a testemunha sobrevivente, quando recebe a ordem do Bispo de Leiria e
a autorização de Nossa Senhora, põe por escrito.
Para a exposição das primeiras duas partes do «segredo»,
aliás já publicadas e conhecidas, foi escolhido o texto escrito pela
Irmã Lúcia na terceira memória, de 31 de Agosto de 1941; na quarta memória, de 8 de Dezembro de 1941, ela acrescentará qualquer observação.
A terceira parte do «segredo» foi escrita «por ordem de Sua
Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da (...) Santíssima Mãe»,
no dia 3 de Janeiro de 1944.
Existe apenas um manuscrito, que é reproduzido aqui fotostaticamente. O envelope selado foi guardado primeiramente pelo Bispo de Leiria. Para se tutelar melhor o «segredo», no dia 4 de Abril
de 1957 o envelope foi entregue ao Arquivo Secreto do Santo Ofício. Disto mesmo, foi avisada a Irmã Lúcia pelo Bispo de Leiria.
Segundo apontamentos do Arquivo, no dia 17 de Agosto de
1959 e de acordo com Sua Eminência o Cardeal Alfredo Ottaviani,
o Comissário do Santo Ofício, Padre Pierre Paul Philippe OP, levou
a João XXIII o envelope com a terceira parte do «segredo de Fátima». Sua Santidade, «depois de alguma hesitação», disse: «Aguardemos. Rezarei. Far-lhe-ei saber o que decidi».1
1 Lê-se no diário de João XXIII, a 17 de Agosto de 1959: «Audiências: P. Philippe,
Comissário do S.O., que me traz a carta que contém a terceira parte dos segredos de Fátima. Reservo-me de a ler com o meu Confessor».
 
Na realidade, a decisão do Papa João XXIII foi enviar de novo
o envelope selado para o Santo Ofício e não revelar a terceira
parte do «segredo».
Paulo VI leu o conteúdo com o Substituto da Secretaria de
Estado, Sua Ex.cia Rev.ma D. Ângelo Dell’Acqua, a 27 de Março de
1965, e mandou novamente o envelope para o Arquivo do Santo
Ofício, com a decisão de não publicar o texto.
João Paulo II, por sua vez, pediu o envelope com a terceira
parte do «segredo», após o atentado de 13 de Maio de 1981. Sua
Eminência o Cardeal Franjo Seper, Prefeito da Congregação, a 18
de Julho de 1981 entregou a Sua Ex.cia Rev.ma D. Eduardo Martínez
Somalo, Substituto da Secretaria de Estado, dois envelopes: um
branco, com o texto original da Irmã Lúcia em língua portuguesa;
outro cor-de-laranja, com a tradução do «segredo» em língua italiana. No dia 11 de Agosto seguinte, o Senhor D. Martínez Somalo
devolveu os dois envelopes ao Arquivo do Santo Ofício.2
Como é sabido, o Papa João Paulo II pensou imediatamente
na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo uma oração para o designado «Acto de Entrega»,
que seria celebrado na Basílica de Santa Maria Maior a 7 de Junho
de 1981, solenidade de Pentecostes, dia escolhido para comemorar os 1600 anos do primeiro Concílio Constantinopolitano e os
1550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, forçadamente ausente,
enviou uma radiomensagem com a sua alocução. Transcrevemos
a parte do texto, onde se refere exactamente o acto de entrega:
«Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os
seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que
abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo
directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e
da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e,
ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais
de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a
2 Vale a pena recordar o comentário feito pelo Santo Padre, na Audiência Geral
de 14 de Outubro de 1981, sobre «O acontecimento de Maio: grande prova
divina», em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV-2 (Città del Vaticano 1981),
409-412; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 18-X-1981), 484.
 
família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da
liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança».3
Mas, para responder mais plenamente aos pedidos de Nossa
Senhora, o Santo Padre quis, durante o Ano Santo da Redenção,
tornar mais explícito o acto de entrega de 7 de Junho de 1981,
repetido em Fátima no dia 13 de Maio de 1982. E, no dia 25 de
Março de 1984, quando se recorda o fiat pronunciado por Maria
no momento da Anunciação, na Praça de S. Pedro, em união espiritual com todos os Bispos do mundo precedentemente «convocados», o Papa entrega ao Imaculado Coração de Maria os homens e os povos, com expressões que lembram as palavras ardorosas pronunciadas em 1981:
«E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que conheceis
todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós que sentis
maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as
trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que, movidos pelo Espírito Santo, elevamos directamente ao
vosso Coração: Abraçai, com amor de Mãe e de Serva do Senhor,
este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos,
cheios de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos
povos.
De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles
homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração
têm particularmente necessidade.
“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”! Não
desprezeis as súplicas que se elevam de nós que estamos na
provação!».
Depois o Papa continua com maior veemência e concretização
de referências, quase comentando a Mensagem de Fátima nas
suas predições infelizmente cumpridas:
«Encontrando-nos hoje diante Vós, Mãe de Cristo, diante do
vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez
3 Radiomensagem durante o rito, na Basílica de Santa Maria Maior, « Veneração, agradecimento, entrega à Virgem Maria Theotokos », em: Insegnamenti di
Giovanni Paolo II, IV-1 (Città del Vaticano 1981), 1246; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 14-VI-1981), 302.
 
de Si mesmo ao Pai: “Eu consagro-Me por eles — foram as suas
palavras — para eles serem também consagrados na verdade” (Jo
17, 19). Queremos unir-nos ao nosso Redentor, nesta consagração pelo mundo e pelos homens, a qual, no seu Coração divino,
tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação.
A força desta consagração permanece por todos os tempos e
abrange todos os homens, os povos e as nações; e supera todo o
mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração
do homem e na sua história e que, de facto, despertou nos nossos tempos.
Oh quão profundamente sentimos a necessidade de consagração pela humanidade e pelo mundo: pelo nosso mundo contemporâneo, em união com o próprio Cristo! Na realidade, a obra
redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo por meio da
Igreja.
Manifesta-o o presente Ano da Redenção: o Jubileu extraordinário de toda a Igreja.
Neste Ano Santo, bendita sejais acima de todas as criaturas
Vós, Serva do Senhor, que obedecestes da maneira mais plena ao
chamamento Divino!
Louvada sejais Vós, que estais inteiramente unida à consagração redentora do vosso Filho!
Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé,
da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos
dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega.
Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a
família humana do mundo contemporâneo.
Confiando-Vos, ó Mãe, o mundo, todos os homens e todos os
povos, nós Vos confiamos também a própria consagração do mundo, depositando-a no vosso Coração materno.
Oh Imaculado Coração! Ajudai-nos a vencer a ameaça do mal,
que se enraíza tão facilmente nos corações dos homens de hoje e
que, nos seus efeitos incomensuráveis, pesa já sobre a vida presente e parece fechar os caminhos do futuro!
Da fome e da guerra, livrai-nos!
Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável, e de
toda a espécie de guerra, livrai-nos!
Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos!
 
Do ódio e do aviltamento da dignidade dos filhos de Deus,
livrai-nos!
De todo o género de injustiça na vida social, nacional e internacional, livrai-nos!
Da facilidade em calcar aos pés os mandamentos de Deus,
livrai-nos!
Da tentativa de ofuscar nos corações humanos a própria verdade de Deus, livrai-nos!
Da perda da consciência do bem e do mal, livrai-nos!
Dos pecados contra o Espírito Santo, livrai-nos, livrai-nos!
Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento
de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras!
Ajudai-nos com a força do Espírito Santo a vencer todo o pecado: o pecado do homem e o “pecado do mundo”, enfim o pecado
em todas as suas manifestações.
Que se revele uma vez mais, na história do mundo, a força
salvífica infinita da Redenção: a força do Amor misericordioso! Que
ele detenha o mal! Que ele transforme as consciências! Que se
manifeste para todos, no vosso Imaculado Coração, a luz da Esperança!».4
A Irmã Lúcia confirmou pessoalmente que este acto, solene e
universal, de consagração correspondia àquilo que Nossa Senhora
queria: «Sim, está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o
dia 25 de Março de 1984» (carta de 8 de Novembro de 1989). Por
isso, qualquer discussão e ulterior petição não tem fundamento.
Na documentação apresentada, para além das páginas manuscritas da Irmã Lúcia inserem-se mais quatro textos: 1) A carta
do Santo Padre à Irmã Lúcia, datada de 19 de Abril de 2000; 2)
Uma descrição do colóquio que houve com a Irmã Lúcia no dia 27
de Abril de 2000; 3) A comunicação lida, por encargo do Santo
Padre, por Sua Eminência o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário
de Estado, em Fátima no dia 13 de Maio deste ano; 4) O comentário teológico de Sua Eminência o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
4 Na Jornada Jubilar das Famílias, o Papa entrega a Nossa Senhora os homens
e as nações: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII-1 (Città del Vaticano 1984),
775-777; cf. L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 1-IV-1984), 157 e 160.
 
Uma orientação para a interpretação da terceira parte do «segredo» tinha sido já oferecida pela Irmã Lúcia, numa carta dirigida
ao Santo Padre a 12 de Maio de 1982, onde dizia:
«A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa
Senhora: “Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo,
promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão
aniquiladas” (13-VII-1917).
A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se
refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao facto de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a
meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, etc.”.
Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo
com os seus erros. E se não vemos ainda, como facto consumado,
o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos
largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça atropelando os direitos da pessoa humana, da
imoralidade e da violência, etc.
E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim,
que são os homens que para si mesmos se preparam o castigo.
Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando
a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis».
A decisão tomada pelo Santo Padre João Paulo II de tornar
pública a terceira parte do «segredo» de Fátima encerra um pedaço de história, marcado por trágicas veleidades humanas de poder
e de iniquidade, mas permeada pelo amor misericordioso de Deus
e pela vigilância cuidadosa da Mãe de Jesus e da Igreja.
Acção de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do
homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são
os dois alicerces sobre os quais se constrói a história da humanidade.
Ao aparecer em Fátima, Nossa Senhora faz-nos apelo a estes
valores esquecidos, a este futuro do homem em Deus, do qual
somos parte activa e responsável.
Tarcisio Bertone, SDB
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé