O quarto discute-se assim. — Parece que em Deus não se identificam a essência e a existência.
1. — Pois, se assim não fosse, nada se poderia acrescentar ao ser divino. Ora, o ser que não é susceptível de nenhuma adição é o ser em geral, que se predica de todos; e, portanto, Deus seria tal ser de todos predicado. Ora; isto é falso, segundo aquilo da Escritura (Sb 14,21): Deram às pedras e ao pau um nome incomunicável. Logo, a existência de Deus não é idêntica à sua essência.
2. Demais. — Como já se disse1, podemos saber se Deus existe, mas não, o que é. Logo, não se identificam a existência de Deus e a sua essência, quididade ou natureza.
Mas, em contrário, diz Hilário: A existência não é um acidente, em Deus, mas verdade subsistente2. Logo, o que subsiste em Deus é a sua existência.
SOLUÇÃO. — Deus é, não somente, a sua essência, como já demonstramos3, mas também a sua existência, o que se pode provar de muitos modos. Primeiro, porque tudo o que existe num ente, sem lhe constituir a essência, deve ser causado pelos princípios desta, como acidentes próprios resultantes da espécie. Assim, a faculdade de rir resulta do ser humano e é causada pelos princípios essenciais da espécie. Ou, então, deve ser causado por algum ser exterior: assim, o calor da água é causado pelo fogo. Por onde, sendo a existência mesma do ente diferente da sua essência, é necessário seja essa existência causada por algum ser exterior, ou pelos princípios essenciais do referido ente. Ora, é impossível seja ela causada somente pelos princípios essenciais deste, pois, nenhum ente de existência causada é suficiente para ser causa da sua própria existência. Portanto e necessariamente, o ente cuja existência difere da essência, há de ter aquela causada por outro ser. Mas, isto não se pode dizer de Deus, pois, já provamos ser ele a causa eficiente primeira. Logo, é impossível que, em Deus, a existência seja diferente da essência. Segundo, porque a existência é a atualidade de toda forma ou natureza; assim, a bondade ou a humanidade não são atuais senão quando as supomos existentes. Necessariamente, pois, a existência está para a essência, da qual difere, como o ato para a potência. Ora, Deus nada tendo de potencial, como demonstramos4, resulta que a sua essência não difere da sua existência e, portanto, são idênticas. Terceiro, porque, assim como o que tem fogo, sem ser fogo, é ígneo por participação, assim também o que existe, sem ser a existência, existe por participação. Ora, como já estabelecemos5, Deus é a sua essência. Se, portanto, não for a sua existência, será ser por participação e não, por essência. Logo, não será o ser primeiro, o que é absurdo. Por conseqüência, Deus é a sua existência e não somente, a sua essência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A expressão — ser que não é susceptível de nenhuma adição — pode ser entendida em duplo sentido. Ou porque é tal que, por natureza, não se lhe pode adicionar nada, como se dá com o animal irracional, que, por natureza, não pode ter razão; ou porque a sua essência não comporta nenhuma adição, como é o caso do animal em geral, que, por essência, sendo desprovido de razão, não a comporta, sem que, por outro lado essa essência exija que seja privado dela.
Ora, no primeiro sentido é o ser divino que não é susceptível de adição; e no segundo, o ser em geral.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O vocábulo ser é susceptível de duplo sentido. Ora significa o ato de existir; ora a composição proposicional, que o espírito descobre quando une o predicado ao sujeito. Na primeira acepção, não podemos conhecer a existência de Deus nem a sua essência, mas só na segunda. Pois, sabemos que a proposição que formamos sobre Deus, quando dizemos —Deus existe — é verdadeira; e isto sabemos pelos efeitos de Deus, como já dissemos.