CAPÍTULO 11. A INTERPRETAÇÃO FALSA DAS ESCRITURAS

CAPÍTULO 11. A INTERPRETAÇÃO FALSA DAS ESCRITURAS

 

Acredita-se, no entanto, ter deduzido das santas Escrituras a regra que ensina, seja corrigir seja tolerar essas faltas no próximo, quando se cita o exemplo dos apóstolos. Reproduzem-se algumas passagens de suas cartas onde se observa que eles, com efeito, iniciaram nos mistérios da fé antes de ensinar as regras da moral.

 

Deseja-se concluir disso que é preciso se limitar a transmitir aos catecúmenos o princípio da fé e só fornecer as instruções capazes de reformar seus costumes após o batismo.

 

Pois bem! Foram lidas algumas cartas dos apóstolos dirigidas àqueles que se dispunham a receber o batismo, exclusivamente consagradas à questão da fé e outras àqueles que estavam batizados, sem outro objetivo além dos preceitos para evitar os pecados e para corrigir seus costumes? Ora, se é incontestável que suas cartas são dirigidas a cristãos já batizados, por que elas continham ao mesmo tempo uma exposição do dogma e da moral? Dir-se-ia que é preciso dividir esse ensinamento antes do batismo e comunicá-lo em seguida em seu conjunto?

 

Se essa consequência é absurda, é preciso reconhecer que os apóstolos, em suas cartas, imprimiram essa característica dupla em seu ensinamento. Se, comumente, eles iniciaram à fé antes de expor as regras da moral, é que a fé precede necessariamente no ser humano a vida honesta.

 

Pois toda boa ação realizada pelo ser humano só merece essa qualificação na medida em que ela está ligada à piedade que tem Deus por objetivo.

 

Se algumas pessoas levam a simplicidade e a ignorância até a acreditar que os apóstolos dirigiram essas cartas aos catecúmenos, elas são forçadas a reconhecer que é preciso simultaneamente expor àqueles que se preparam para o batismo o dogma e as regras morais que decorrem dele. Caso contrário, sua argumentação teria por consequência rigorosa nos condenar a ler aos catecúmenos o começo das cartas em que os apóstolos expõem o dogma aos fiéis e o fim, onde eles retraçam os deveres da vida cristã. Nada seria mais irracional do que uma pretensão dessas.

 

Assim, não se pode tirar das cartas dos apóstolos nenhuma prova que apoie a opinião segundo a qual o batismo deveria ser conferido sem outra justificativa além da fé e as instruções morais remetidas para após o batismo, sob o pretexto de que, no início de suas cartas, os apóstolos insistiram no dogma e terminaram, naturalmente, pela exortação aos fiéis a viverem bem. Pois, mesmo que esse duplo ensinamento seja feito, um no início e o outro no final, geralmente é necessário transmiti-lo em seu conjunto aos catecúmenos, como para os fiéis; tanto àqueles que se dispõem ao batismo, como àqueles que já o receberam; tanto para instruí-los, quanto para reavivar sua lembrança; tanto para ensiná-los a confessar a fé, quanto para confirmá-la; assim exige a santa e exata doutrina.

 

Que se acrescente então, à carta de Pedro, a de João, da qual se citam alguns testemunhos; as cartas de Paulo e a dos outros apóstolos.

 

Assim se poderá ver seus métodos de expor o dogma e de subordiná-lo à moral. Método que eu já expus muito claramente, se não me engano.

 

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