Mas, eles objetam, o povo de Israel primeiro atravessou o Mar Vermelho, que é a figura do batismo e só mais tarde receberam a Lei que estabeleceria seus deveres. Por que então ensinamos o símbolo aos catecúmenos e exigimos que eles o recitem? Pois nada assim foi pedido àqueles que Deus tirou das mãos dos egípcios através das ondas do Mar Vermelho.
Mas, se eles tiveram o bom senso de ver que a preparação para o batismo foi representada pelos mistérios que precederam a passagem pelo Mar Vermelho — o sangue do cordeiro marcado nas portas, os ázimos da verdade e da sinceridade (Ex 12-14) — por que não veem também que a saída do Egito figurou a renúncia ao pecado, a que se comprometem os catecúmenos?
É isto o que Pedro tem em vista na passagem já citada: Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo (At 2,38).
Ele parece dizer: “Deixem o Egito e atravessem o Mar Vermelho”.
Também o Apóstolo, na Epístola aos Hebreus, cita, dentre os princípios elementares que deve seguir um catecúmeno, a penitência pelas obras do corpo. Pois ele diz o seguinte: Pelo que, transpondo os ensinamentos elementares da doutrina de Cristo, procuremos alcançar-lhe a plenitude. Não queremos agora insistir nas noções fundamentais da conversão, da renúncia ao pecado, da fé em Deus, a doutrina dos vários batismos, da imposição das mãos, da ressurreição dos mortos e do julgamento eterno (Hb 6,1-2). Todos esses princípios elementares entram, portanto — de acordo com o testemunho claro e preciso das Escrituras — na iniciação dos catecúmenos.
Ora, o que é fazer penitência pelas obras de morte, se não é morrer para todos os pecados para viver? E não se deverá contar entre as obras de morte o adultério e a fornicação? Não basta se comprometer a renunciar a todas essas desordens; é preciso que todos os pecados passados, que parecem seguir nossos passos, sejam apagados no banho da regeneração. Da mesma forma como teria sido inútil aos israelitas sair do Egito, se a massa de inimigos que os perseguiam não tivesse sido dizimada nas próprias ondas que se abriam diante do povo de Deus e que asseguraram sua liberdade. Declarando que não se quer renunciar ao adultério, pode-se entrar no Mar Vermelho, já que se recusa a deixar o Egito?
Aliás, eles não observam por qual mandamento se abre a lei que foi dada aos hebreus após a passagem do Mar Vermelho: Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto (Ex 20, 4-5). E a sequência, onde este mandamento se desenvolve.
Que nossos adversários sigam contra sua própria afirmação e reconheçam que é preciso ensinar ao mesmo tempo a adoração de um único Deus e o desprezo pela idolatria, não aos catecúmenos, mas somente aos cristãos já batizados. Que eles não venham mais sustentar que é preciso se contentar em iniciar na fé a Deus, antes do batismo e reservar para após o batismo as instruções sobre a moral, bem como sobre o segundo mandamento relativo ao amor ao próximo.
A lei que o povo recebeu após a passagem pelo Mar Vermelho, símbolo do batismo, compreende estes dois pontos ao mesmo tempo.
Os preceitos não estão ali divididos em duas partes, sendo uma destinada a ensinar o povo o desprezo pela idolatria, antes da passagem pelo Mar Vermelho e a outra dedicada a lhes ensinar mais tarde a obrigação de honrar seu pai e sua mãe, evitar o adultério, o assassinato, enfim, todos os princípios que estabelecem a honestidade e a segurança nas relações humanas.
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