CAPÍTULO 21. A FÉ SEM OBRAS NÃO BASTA PARA SALVAR-SE

CAPÍTULO 21. A FÉ SEM OBRAS NÃO BASTA PARA SALVAR-SE

 

Chegamos então ao erro que deve ser rejeitado por todas as almas cristãs, se não querem perder a felicidade eterna, adotando a falsa opinião de que basta a fé para conquistá-la e de que não é preciso se preocupar em viver bem e nem caminhar pela senda das boas obras na via do Senhor.

 

Na própria época dos apóstolos, baseou-se em algumas passagens um pouco obscuras e mal interpretadas de São Paulo, para lhe atribuir este pensamento: “façamos o mal para que venha o bem” (Rm 3,8), por que ele havia dito em outro lugar:

 

“Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20).

 

Este texto se aplica àqueles que, após terem recebido a Lei com uma confiança orgulhosa em suas forças, não imploraram com uma fé sincera pela graça divina, para triunfar sobre as desordens da concupiscência e se sobrecarregaram com transgressões à Lei, através das iniquidades mais graves e múltiplas. Sob o peso dessa pesada responsabilidade, eles tiveram que recorrer à fé para atrair a misericórdia que perdoa e o socorro do Deus que fez o céu e a terra (Sl 120,2). Eles quiseram assim, sob a inspiração do amor derramado em seus corações pelo Espírito Santo (Rm 5,5), cumprir com amor todos os preceitos que combatem a concupiscência do mundo, segundo a previsão do salmista: Numerosos são os sofrimentos que suportam aqueles que se entregam a estranhos deuses (Sl 15,4).

 

Quando então o Apóstolo diz acreditar que o homem é justificado pela fé, sem as observâncias da lei (Rm 3,28) e que ninguém se justifica pela prática da lei, mas somente pela fé em Jesus Cristo (Gl 2,16), sua ideia não foi condenar os atos de justiça realizados após se ter recebido e confessado a fé, mas ensinar aos cristãos que se pode ser salvo pela fé, mesmo quando não se praticou antes a Lei. As obras são a consequência da justificação; elas não são seu princípio.

 

Insistir neste ponto seria inútil nesta obra. Principalmente depois de eu ter dedicado a este tema um tratado bem longo intitulado A Letra e o Espírito.

 

Vendo nascer esta opinião, os apóstolos Pedro, João, Tiago e Judas se erguem contra ela em suas cartas, com grande energia e empregam todas as suas forças para estabelecer que a fé sem as obras é inútil.

 

O próprio Paulo entende por fé não uma crença qualquer em Deus, mas a crença sólida e realmente evangélica que, pela caridade, se torna uma fonte de boas obras. A fé opera pela caridade (Gl 5,6), ele diz. Da fé que, segundo alguns, basta para a salvação, ele afirma com tanta força que ela não serve para nada, que ele grita: Mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada (Rm 13,2). Para viver bem, é preciso que a caridade esteja de acordo com a fé, pois A caridade é o pleno cumprimento da lei (Rm 13,10).

 

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