CAPÍTULO 35. O DESLEIXO E A TOLERÂNCIA NEGLIGENTE

CAPÍTULO 35. O DESLEIXO E A TOLERÂNCIA NEGLIGENTE

 

Como os cristãos — qualquer que tenha sido a corrupção dos costumes nos séculos precedentes — parecem ter permanecidos estranhos à união criminosa de um homem com uma mulher ou de uma mulher com um homem, sem levar em conta um casamento anterior, este provavelmente deve ser o motivo da ausência de preocupação com essa desordem em certas Igrejas e de se ter esquecido de incluir na instrução dos postulantes a descrição e condenação dessa imoralidade. Essa negligência fez nascer a necessidade de se banir tal desordem. No entanto, não há poucos desses casos entre pessoas que receberam o batismo e, se há exemplos tão numerosos, é preciso atribuir isso à nossa apatia.

 

Essa falta de vigilância, devido à indiferença de uns, a inexperiência de outros e, algumas vezes, da ignorância, foi verdadeiramente chamada pelo Senhor de sono, quando ele disse: Na hora, porém, em que os homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu (Mt 13, 25. Cum autem dormirent homines, venit inimicus ejus, et superseminavit zizania in medio tritici, et abiit).

 

Uma prova de que essa desordem não surgiu nos costumes nem mesmo dos maus cristãos, é que o bem-aventurado Cipriano, em sua carta sobre os fiéis caídos, dentre todos os crimes que ele assinalou, deplorando-os e estimagtizando-os e que, segundo ele, foram capazes de provocar em Deus uma indignação tão viva a ponto dele abandonar sua Igreja aos horrores de uma pavorosa perseguição, ele jamais citou este pecado. Esse silêncio é tão mais significativo que ele não se esquece de assinalar como um traço de corrupção o casamento com os infiéis, que ele vê como uma prostituição dos membros de Jesus Cristo aos pagãos. No entanto, este casamento não é mais visto como um pecado.

 

O Novo Testamento não deixou nenhum preceito sobre este ponto e, por isso, concluiu-se que tal união era legítima ou, pelo menos, sujeita a controvérsia.

 

Não se sabe também se Herodes desposou a mulher de seu irmão antes ou depois de sua morte e, por isso, não se fixou na própria natureza do crime, que João reprovou (Mt 14,3.6).

 

Deve-se admitir ao batismo uma concubina que se comprometeu a jamais se relacionar com outro homem e que até mesmo foi rejeitada por seu sedutor?

 

O caso suscita dúvidas, mas não se pode confundir o marido ultrajado que se separa de sua mulher e assume um novo relacionamento com outra e aquele que, sem ter surpreendido sua mulher em adultério, se divorcia e se casa com outra.

 

Os textos sagrados são tão obscuros sobre este ponto que é difícil decidir se um marido, mesmo podendo rejeitar sua mulher em caso de adultério, também não se torna adúltero ao formar uma nova união.

 

Neste caso, eu creio, pelo que eu posso julgar, trata-se de um erro venial. Por consequência, todos os pecados de impureza, quando são evidentes, levam à exclusão do batismo; a menos que eles sejam expiados por um arrependimento sincero e pela penitência. Eles são duvidosos e mal definidos? É preciso impedir por todos os meios esses casamentos equivocados. Pois, para que comprometer um princípio com tais enigmas? No entanto, se o casamento já está consumado, eu me inclino a acreditar que não se deve recusar o batismo.

 

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