CAPÍTULO 45. NÃO SEJA A LIBERDADE O VÉU DA MALÍCIA

CAPÍTULO 45. NÃO SEJA A LIBERDADE O VÉU DA MALÍCIA

 

Há o desejo, todavia — sem recuar diante de uma hipótese tão falsa quanto deplorável — de tomar a palavra lei, nesta passagem, como sinônimo de fé? Há que se ler uma passagem de São Pedro, que joga sobre este ponto uma clareza irresistível.

 

Ele havia falado, em sua primeira Epístola, dos fiéis que, para viver segundo a carne e cobrir sua perversidade, abusavam do princípio estabelecido no Novo Testamento: Não somos filhos da escrava, mas sim da que é livre (Gl 4,31). É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou (Gl 5,1). E, contando com o prêmio infinito dessa compra, faziam a liberdade consistir na satisfação de todas as suas paixões, sem refletir nesta passagem: Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais (Gl 5,13). E nem nestas outras palavras, do próprio Pedro: Comportai-vos como homens livres e não à maneira dos que tomam a liberdade como véu para encobrir a malícia 1Pd 3,16).

 

Ele retoma este assunto em sua segunda Epístola e fala assim desses cristãos: Encontram as suas delícias em se entregar em pleno dia às suas libertinagens. Homens pervertidos e imundos, sentem prazer em enganar, enquanto se banqueteiam convosco. Têm os olhos cheios de adultério e são insaciáveis no pecar. Seduzem pelos seus atrativos as almas inconstantes; têm o coração acostumado à cobiça; são filhos da maldição. Deixaram o caminho reto, para se extraviarem no caminho de Balaão, filho de Bosor, que amou o salário da iniquidade. Mas foi repreendido pela sua desobediência: um animal mudo, falando com voz humana, refreou a loucura do profeta. Estes são fontes sem água e nuvens agitadas por turbilhões, destinados à profundeza das trevas. Com palavras tão vãs quanto enganadoras, atraem pelas paixões carnais e pela devassidão aqueles que mal acabam de escapar dos homens que vivem no erro. Prometem-lhes a liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois o homem é feito escravo daquele que o venceu. Com efeito, se aqueles que renunciaram às corrupções do mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador nelas se deixam de novo enredar e vencer, seu último estado torna-se pior do que o primeiro. Melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei santa que lhes foi ensinada. Aconteceu-lhes o que diz com razão o provérbio: O cão voltou ao seu vômito; e: A porca lavada volta a revolver-se no lamaçal (2Pd 2,13-22).

 

Como então prometer àqueles que, tendo conhecido o caminho da justiça, ou seja, Senhor Jesus, nem por isso deixaram de viver no pecado, um tratamento mais suave do que eles teriam se jamais o tivessem conhecido? Isto não é contradizer a verdade tão claramente expressa nesta passagem: Melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei santa que lhes foi ensinada?

 

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