CAPÍTULO 49. CRÍTICA INFUNDADA CONTRA OS RESPONSÁVEIS

CAPÍTULO 49. CRÍTICA INFUNDADA CONTRA OS RESPONSÁVEIS

 

Creio ter desenvolvido suficientemente meu pensamento sobre os pontos gerais do tema. Esses pontos se reduzem a três.

 

Primeiro a questão tem por objeto a mistura dos bons com os maus na Igreja. Mistura essa representada pelo bom grão e o joio. Ora, sobre este ponto, não se pode acreditar que sob essa parábola, sob a figura dos animais impuros introduzidos na arca e outros símbolos análogos, se esconde o princípio de deixar enfraquecer a disciplina da Igreja, tão bem representada pela mulher da qual se diz:

 

“As leis de sua casa são severas”.

 

Essas imagens têm por objetivo impedir a louca precipitação, como o zelo exagerado de antecipar a separação dos bons e dos maus e produzir um cisma ímpio. Essas parábolas e essas figuras servem para recomendar aos justos, não a indiferença para com as desordens que eles devem reprimir, mas a paciência necessária para tolerar, sem prejuízo dos princípios, os abusos que não se pode consertar.

 

Se está escrito que Noé fez entrar na arca até os animais impuros, os líderes da Igreja devem ver aí um motivo para deixar um miserável entrar no banho sagrado com uma sujeira medonha e dançando, embora esse sacrilégio fosse menos grave do que se ele aí entrasse com um pensamento de adúltero.

 

Então, sob esse símbolo, Deus nos faz entender que a Igreja deve incluir gente impura pelo espírito de tolerância e não para alterar seus dogmas ou relaxar sua disciplina.

 

Os animais impuros não foram introduzidos na arca de qualquer maneira; eles ali foram introduzidos sem degradá-la, pela única porta de entrada, que lhes foi aberta pelo construtor do navio.

 

Eis o segundo ponto dessa controvérsia: nossos adversários entendem que basta iniciar na fé os catecúmenos e esperar o batismo para depois lhes ensinar a moral cristã. Nós demos provas superabundantes de que o catequista deve aproveitar a atenção e o zelo daqueles que aspiram receber o sacramento da fé, para lhes mostrar o castigo que o Senhor ameaça os cristãos que vivem no pecado; se ele quer evitar que o batismo, onde eles vão receber a remissão de suas faltas, não seja para eles a fonte da acusação mais temível.

 

Quanto ao terceiro ponto, o mais fecundo em consequências desastrosas, ele tem por princípio, na minha opinião, um exame pouco atento das palavras santas que ele contradiz. Ele consiste em prometer, àqueles que vivem no crime e na infâmia, que eles obterão a vida eterna, mesmo perseverando em suas desordens; com a única condição de acreditarem em Jesus Cristo e de receberem os Sacramentos. Esta é uma opinião manifestamente oposta ao princípio expressamente estabelecido por Nosso Senhor, quando ele respondeu àquele que buscava a vida eterna: Se queres entrar na vida, observa os mandamentos (Mt 19,17). E, já que ele até mesmo cita os mandamentos destinados a proscrever os pecados que se quer conciliar, eu não sei por qual ilusão se vislumbra a possibilidade de chegar à vida eterna através de uma fé estéril e sem obras.

 

Sobre estes três pontos, eu fiz todos os desenvolvimentos necessários. Eu provei que a tolerância para com os pecadores devia se conciliar na Igreja com a manutenção da disciplina. Que é preciso ensinar e fazer os postulantes adotarem, não apenas os mistérios da fé, mas as regras da moral. Que é preciso assegurar aos fiéis que, para chegar à vida eterna, eles devem ter não a fé morta e impotente para salvar sem as obras, mas a fé da graça que age pela caridade.

 

Longe de acusar os servidores fiéis de indiferença ou de preguiça, mas que se foque na obstinação dos pecadores em pequeno número que se recusam a aceitar o talento do Senhor e gostariam de constranger seus ministros a receber sua falsa moeda.

 

Estes são mais culpáveis do que os pecadores mencionados por São Cipriano (Cipriano. De Lapsis. 27), que renunciam ao mundo da boca para fora e não de coração, pois, longe de renunciar às obras de Satã, mesmo em palavras, eles declaram abertamente que estão prontos para viver até o fim no adultério.

 

Se houver alguma objeção que eles gostariam de levantar e que eu omiti ao longo dessa controvérsia, eu creio que isso pouco vale a pena ser refutado; seja por que ela era estranha ao assunto, seja por que ela oferecia uma solução ao alcance de todo mundo.

 

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