Vidas dos Padres dos Desertos de Oriente, pelo R. P. Miguel Ângelo Marin
(Paris, Lyon, 1824), tomo III, livro IV, cap. XVII: o Venerável João o Anão.
A conversão de uma rapariga que teve a desgraça de se entregar ao pecado, foi um dos frutos da sua caridade. A história é edificante e muito própria para inspirar aos maiores pecadores confiança na misericordia do Senhor, quando regressam sinceramente a Ele. Esta rapariga chamava-se Paesia. Tinha perdido, em jovem, o pai e a mãe; e querendo empregar os bens em boas obras, tinha feito da sua casa um abrigo para os eremitas de Sceté, que vinham àquelas paragens, aparentemente para lá venderem o trabalho dos Irmãos. Mas como pensou que esta caridade lhe ficava demasiado cara, não dando atenção ao tesouro que dessa forma preparava para si mesma no céu, aborreceu-se com ela, e não faltaram pessoas que a apoiaram nesta mudança. Cedo foram mais longe com maus conselhos; desviaram-na inteiramente da virtude e por fim caiu por completo no crime.
Foi com grande desgosto que os eremitas de Sceté souberam da sua queda; e empregaram todos os meios que a caridade lhes inspirou para a tirarem do abismo onde tinha precipitado a alma. Dirigiram-se por fim a João o Anão, e pediram-lhe que a fosse ver para tentar, com o dom da sabedoria que Deus tinha posto nele, reconduzi-la a Jesus Cristo. Ele foi: mas quando se apresentou à porta, recusaram-lhe a entrada, censurando-o com violência por os eremitas lhes terem arruinado a patroa. No entanto, ele não desanimou; mas continuou a pedir que lhe permitissem falar-lhe, dizendo que ela não teria qualquer motivo para se arrepender disso. Levaram-no então ao quarto dela. Ele sentou-se e perguntou-lhe se tinha razão para se queixar de Jesus Cristo, para o ter assim abandonado, reduzindo-se ao estado deplorável em que sabia que ela se encontrava. Estas primeiras palavras comoveram-na, e causaram-lhe uma viva impressão no coração. O Santo, deixando actuar a graça, calou-se por uns momentos e derramou muitas lágrimas. Ela perguntou-lhe por que razão chorava. Ai! respondeu ele, como não havia eu de chorar, ao ver como o demónio vos enganou e troçou de vós? Ouvindo estas palavras, a rapariga, cheia de medo e de horror pelo seu pecado, disse-lhe: Meu padre, há ainda alguma penitência para mim? - Sim, disse o Santo, garanto-vos. - Levai-me onde achardes bem para isso, disse-lhe ela. Ele levantou-se imediatamente e ela segui-o sem dar nenhuma ordem em casa, sem mesmo dizer uma palavra a ninguém, facto que o Santo notou com grande consolação, reconhecendo por aí que ela estava totalmente ocupada pelos sentimentos da sua conversão e que abandonava tudo para se abandonar inteiramente às práticas da penitência.
Não se sabe aonde ele tinha intenção de a levar. Era provavelmente para algum mosteiro de raparigas. Mas como tinham entrado no deserto e a noite descia, João juntou um montão de areia para servir de almofada, que marcou com o sinal da Cruz, e disse a Paesia que se deitasse. Foi depois para mais longe para dormir também, depois de ter rezado. Mas tendo acordado à meia-noite, viu um raio de luz que descia do céu sobre Paesia, e que servia de caminho a vários anjos que levavam para o céu a alma dela. Na surpresa em que ficou com tal visão, levantou-se logo, foi ter com a rapariga que empurrou com o pé para ver se estava morta, e verificou de facto que ela tinha entregado a alma a Deus. Ao mesmo tempo ouviu uma voz milagrosa que lhe disse: a sua penitência de uma hora foi mais agradável a Deus do que a que outros fazem durante muito tempo porque não a fazem com tanto fervor como ela.