II. O HOMEM E O UNIVERSO DAS COISAS

II. O HOMEM E O UNIVERSO DAS COISAS

456 A visão bíblica inspira as atitudes dos cristãos em relação ao uso da terra, assim como ao desenvolvimento da ciência e da técnica. O Concílio Vaticano II afirma que o homem «tem razão o homem, participante da luz da inteligência divina, quando afirma que, pela inteligência é superior ao universo material» [946] ; os Padres Conciliares reconhecem os progressos feitos graças à aplicação incansável do engenho humano ao longo dos séculos, nas ciências empíricas, nas artes técnicas e nas disciplinas liberais [947] . O homem hoje, «graças sobretudo à ciência e à técnica, estendeu e continuamente estende o seu domínio sobre quase toda a natureza» [948] .

Porque o homem, «criado à imagem de Deus, recebeu a missão de submeter a terra e todas as coisas que nela existem, de governar o mundo na justiça e na santidade, e de, reconhecendo a Deus como Criador de todas as coisas, orientar para Ele o seu ser, bem como o universo inteiro, de tal maneira que, sujeitas todas as coisas ao homem, o nome de Deus seja glorificado em toda a terra», o Concílio ensina que a «a atividade humana, individual e coletiva, ou aquele esforço gigantesco, com que os homens se atarefam ao longo dos séculos para melhorar as condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus» [949] .

 

457 Os resultados da ciência e da técnica são, em si mesmos, positivos: os cristãos «longe de oporem as conquistas do engenho e do esforço humano ao poder de Deus, e de considerarem a criatura racional como uma espécie de rival do Criador, (...) estão, ao contrário, bem persuadidos de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza divina e uma conseqüência dos Seus desígnios inefáveis» [950] . Os Padres conciliares ressaltam também o fato de que «quanto mais cresce o poder do homem, tanto mais se alarga o campo das suas responsabilidades, tanto individuais como coletivas» [951] , e que toda atividade humana deve corresponder, segundo o desígnio de Deus e a Sua vontade, ao verdadeiro bem da humanidade [952] . Nesta perspectiva, o Magistério tem repetidas vezes sublinhado que a Igreja católica não se opõe de modo algum ao progresso [953] , antes considera «a ciência e a tecnologia ... um produto maravilhoso da criatividade humana, que é dom de Deus, uma vez que nos forneceram possibilidades maravilhosas, de que beneficiamos com ânimo agradecido» [954] . Por esta razão, «como crentes em Deus, que julgou “boa” a natureza por Ele criada, nós gozamos dos progressos técnicos e econômicos, que o homem, com a sua inteligência, consegue realizar» [955] .

 

458 As considerações do Magistério sobre a ciência e sobre a tecnologia em geral valem também para a sua aplicação ao ambiente natural e à agricultura. A Igreja aprecia «as vantagens advêm ― e que podem advir ainda ― do estudo e das aplicações da biologia molecular, completada por outras disciplinas como a genética e a sua aplicação tecnológica na agricultura e na indústria» [956] . Efetivamente «a técnica poderia constituir, com uma reta aplicação, um precioso instrumento útil para resolver graves problemas, a começar pelos da fome e da enfermidade, mediante a produção de variedades de plantas mais progredidas e resistentes e de preciosos medicamentos» [957] . Contudo é importante reafirmar o conceito de «reta aplicação», porque «nós sabemos que este potencial não é neutro: pode ser usado tanto para o progresso do homem como para a sua degradação» [958] . Por esta razão, «é necessário ... manter uma atitude de prudência e examinar com olhos atentos a natureza, a finalidade e os modos das várias formas de tecnologia aplicada» [959] . Os cientistas, portanto, devem usar «verdadeiramente as suas pesquisas e as suas capacidades técnicas em serviço da humanidade» [960] , sabendo subordiná-las «aos princípios e valores morais que respeitam e realizam na sua plenitude a dignidade do homem» [961] .

 

459 Ponto de referência central para toda aplicação científica e técnica é o respeito ao homem, que deve acompanhar uma indispensável atitude de respeito para com as demais criaturas viventes. Também quando se pensa a uma alteração delas, « é preciso ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado » [962] . Neste sentido, as formidáveis possibilidades da pesquisa biológica suscitam profunda inquietude, porquanto «ainda não se esteja em condições de avaliar as perturbações provocadas na natureza por uma indiscriminada manipulação genética e pelo imprudente desenvolvimento de novas plantas e de novas formas de vida animal, para não falar já de inaceitáveis intervenções sobre as origens da própria vida humana» [963] . Efetivamente, «já se verificou, porém, que a aplicação de algumas dessas descobertas no campo industrial e agrícola, a longo prazo produzem efeitos negativos. Isto pôs cruamente em evidência que toda e qualquer intervenção numa área determinada do ecossistema não pode prescindir da considerarão das suas conseqüências noutras áreas e, em geral, das conseqüências no bem-estar das futuras gerações» [964] .

 

460 O homem não deve, portanto, esquecer que «a sua capacidade de transformar e, de certo modo, criar o mundo com o próprio trabalho ... se desenrola sempre sobre a base da doação originária das coisas por parte de Deus » [965] . Ele não deve «dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade, como se ela não possuísse uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve trair» [966] . Quando se comporta deste modo, « em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza, mais tiranizada que governada por ele» [967] .

Se o homem intervém na natureza sem abusar e sem danificá-la, se pode dizer que «intervém não para modificar a natureza mas para a ajudar a desenvolver-se segundo a sua essência, aquela da criação, a mesma querida por Deus. Trabalhando neste campo, evidentemente delicado, o investigador adere ao desígnio de Deus. Aprouve a Deus que o homem fosse o rei da criação» [968] . No fundo é o próprio Deus que oferece ao homem a honra de cooperar com todas as forças da inteligência na obra da criação.