III. A CRISE NA RELAÇÃO HOMEM-AMBIENTE

III. A CRISE NA RELAÇÃO HOMEM-AMBIENTE

461 A mensagem bíblica e o Magistério eclesial constituem os pontos de referência parâmetro para avaliar os problemas que se põem nas relações entre o homem e o ambiente [969] Na origem de tais problemas pode identificar-se a pretensão de exercitar um domínio incondicional sobre as coisas por parte do homem, um homem desatento àquelas considerações de ordem moral que devem caracterizar cada atividade humana.

A tendência à «exploração inconsiderada» [970] dos recursos da criação é o resultado de um longo processo histórico e cultural: «A época moderna registrou uma capacidade crescente de intervenção transformadora por parte do homem. O aspecto de conquista e de exploração dos recursos tornou-se predominante e invasivo, e hoje chega a ameaçar a própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como “recurso” corre o perigo de ameaçar o ambiente como “casa”. Por causa dos poderosos meios de transformação, oferecidos pela civilização tecnológica, parece às vezes que o equilíbrio homem-ambiente tenha alcançado um ponto crítico» [971] .

 

462 A natureza aparece assim como um instrumento nas mãos do homem, uma realidade que ele deve constantemente manipular, especialmente mediante a tecnologia. A partir do pressuposto, que se revelou errado, de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração seja possível de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos, se difundiu uma concepção redutiva que lê o mundo natural em chave mecanicista e o desenvolvimento em chave consumista; o primado atribuído ao fazer e ao ter mais do que ao ser causa graves formas de alienação humana [972] .

Uma semelhante postura não deriva da pesquisa científica e tecnológica, mas de uma ideologia cientificista e tecnocrática que tende a condicioná-la. A ciência e a técnica, com o seu progresso, não eliminam a necessidade de transcendência e não são de per si causa da secularização exasperada que conduz ao niilismo: enquanto avançam em seu caminho, suscitam interrogações sobre o seu sentido e fazem crescer a necessidade de respeitar a dimensão transcendente da pessoa humana e da própria criação.

 

463 Uma correta concepção do ambiente, se de um lado não pode reduzir de forma utilitarista a natureza mero objeto de manipulação e desfrute, por outro lado não pode absolutizar a natureza e sobrepô-la em dignidade à própria pessoa humana. Neste último caso, chega-se ao ponto de divinizar a natureza ou a terra, como se pode facilmente divisar em alguns movimentos ecologistas que querem que se dê um perfil institucional internacionalmente garantido às suas concepções [973] .

O Magistério tem motivado a sua contrariedade a uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo, porque «se propõe eliminar a diferença ontológica e axiológica entre o homem e os outros seres vivos, considerando a biosfera como uma unidade biótica de valor indiferenciado. Chega-se assim a eliminar a superior responsabilidade do homem, em favor de uma consideração igualitária da “dignidade” de todos os seres vivos» [974] .

 

464 Uma visão do homem e das coisas desligadas de qualquer referência à transcendência conduziu a negação do conceito de criação e a atribuir ao homem e à natureza uma existência completamente autônoma. O liame que une o mundo a Deus foi assim quebrado: tal ruptura terminou por desancorar do mundo também do homem e, mais radicalmente, empobreceu sua mesma identidade. O ser humano viu-se a considerar-se alheio ao contexto ambiental em que vive. É bem clara a conseqüência que daí decorre: «a relação que o homem tem com Deus é que determina a relação do homem com os seus semelhantes e com o seu ambiente. Eis por que a cultura cristã sempre reconheceu nas criaturas, que circundam o homem, outros tantos dons de Deus que devem ser cultivados e conservados, com sentido de gratidão para com o Criador. Em particular, as espiritualidades beneditina e franciscana têm testemunhado esta espécie de parentesco do homem com o ambiente da criação, alimentando nele uma atitude de respeito para com toda a realidade do mundo circunstante» [975] . Há que se ressaltar principalmente a profunda conexão existente entre ecologia ambiental e «ecologia humana» [976] .

 

465 O Magistério enfatiza a responsabilidade humana de preservar um ambiente íntegro e saudável para todos [977] : «A humanidade de hoje, se conseguir conjugar as novas capacidades científicas com uma forte dimensão ética, será certamente capaz de promover o ambiente como casa e como recurso, em favor do homem e de todos os homens; será capaz de eliminar os fatores de poluição, de assegurar condições de higiene e de saúde adequadas, tanto para pequenos grupos como para vastos aglomerados humanos. A tecnologia que polui pode também despoluir, a produção que acumula pode distribuir de modo eqüitativo, com a condição de que prevaleça a ética do respeito pela vida e a dignidade do homem, pelos direitos das gerações humanas presentes e daquelas vindouras» [978] .