III. A ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL

III. A ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL

a) O valor das Organizações Internacionais

440 O caminho rumo a uma autêntica «comunidade» internacional, que assumiu uma precisa direção com a instituição da Organização das Nações Unidas em 1945, é acompanhado pela Igreja: tal Organização «contribuiu notavelmente para promover o respeito da dignidade humana, a liberdade dos povos e a exigência do desenvolvimento, preparando o terreno cultural e institucional sobre o qual construir a paz» [909] . A doutrina social, em geral, considera positivamente o papel das Organizações intergovernamentais, em particular daquelas operantes em setores específicos [910] , ainda que experimentando reservas quando estas enfrentam de modo incorreto os problemas [911] . O Magistério recomenda que a ação dos Organismos Internacionais responda às necessidades humanas na vida social e nos âmbitos relevantes para a pacífica e ordenada convivência das nações e dos povos [912] .

 

441 A solicitude por uma convivência ordenada e pacífica da família humana leva o Magistério a ressaltar a exigência de instituir «uma autoridade pública universal, reconhecida por todos, com poder eficaz para garantir a segurança, a observância da justiça e o respeito dos direitos» [913] . No curso da história, não obstante as mudanças de perspectiva das diversas épocas, advertiu-se constantemente a necessidade de uma semelhante autoridade para responder aos problemas de dimensão mundial postos pela busca do bem comum: é essencial que tal autoridade seja o fruto de um acordo e não de uma imposição, e que não seja tomado como um «super-estado global» [914] .

Uma autoridade política exercida no quadro da Comunidade Internacional deve ser regida pelo direito, ordenada ao bem comum e respeitar o princípio da subsidiariedade:«Os poderes públicos da comunidade mundial não têm como fim limitar a esfera de ação dos poderes públicos de cada comunidade política e nem sequer de substituir-se a eles. Ao invés, devem procurar contribuir para a criação, em plano mundial, de um ambiente em que tanto os poderes públicos de cada comunidade política, como os respectivos cidadãos e grupos intermédios, com maior segurança, possam desempenhar as próprias funções, cumprir os seus deveres e fazer valer os seus direitos» [915] .

 

442 Uma política internacional voltada para o objetivo da paz e do desenvolvimento mediante a adoção de medidas coordenadas [916] mais do que nunca tornou-se é necessária em virtude da globalização dos problemas. O Magistério destaca que a interdependência entre os homens e as nações adquire uma dimensão moral e determina as relações no mundo atual sob o aspecto econômico, cultural, político e religioso. Nesse contexto, seria de desejar uma revisão, que «pressupõe a superação das rivalidades políticas e a renúncia a toda a pretensão de instrumentalizar as mesmas Organizações, que têm como única razão de ser o bem comum» [917] , com o objetivo de conseguir «grau superior de ordenação a nível internacional» [918] .

Em particular, as estruturas intergovernamentais devem exercitar eficazmente as suas funções de controle e de guia no campo da economia, pois que alcançar o bem comum torna-se uma meta inatingível aos Estados individualmente tomados, ainda que dominantes em termos de potência, riqueza e força política [919] . Os Organismos Internacionais devem ademais garantir aquela igualdade, que é o fundamento do direito de todos à participação no processo do pleno desenvolvimento, no respeito às legítimas diferenças [920] .

 

443 O Magistério avalia positivamente o papel dos agrupamentos que se formaram na sociedade civil para exercer uma importante função de sensibilização da opinião pública para com os diversos aspectos da vida internacional, com uma atenção especial para o respeito dos direitos do homem, como revela o «o número das associações privadas, recentemente instituídas, algumas de alcance mundial, e quase todas empenhadas em seguir, com grande cuidado e louvável objetividade, os acontecimentos internacionais num campo tão delicado» [921] .

Os Governos deveriam sentir-se encorajados por um semelhante empenho, que visa traduzir em prática os ideais que inspiram a comunidade internacional, « sobretudo através dos gestos concretos de solidariedade e de paz das numerosas pessoas que trabalham nomeadamente nas Organizações Não-Governamentais e nos Movimentos a favor dos direitos do homem » [922] .

 

b) A personalidade jurídica da Santa Sé

 

 

444 A Santa Sé― ou Sé Apostólica [923] ― goza de plena subjetividade internacional enquanto autoridade soberana que realiza atos juridicamente próprios. Ela exerce uma soberania externa, reconhecida no quadro da Comunidade internacional, que reflete a soberania exercida no seio da Igreja e que se caracteriza pela unidade organizativa e pela independência. A Igreja vale-se das modalidades jurídicas que se mostrarem necessárias ou úteis para o cumprimento da sua missão.

A atividade internacional da Santa Sé manifesta-se objetivamente sob diversos aspectos, entre os quais: o direito ativo e passivo de legação; o exercício do «ius contrahendi», com a estipulação de tratados; a participação em organizações intergovernamentais, como por exemplo as pertencentes ao sistema das Nações Unidas; as iniciativas de mediação em caso de conflitos.Tal atividade entende oferecer um serviço desinteressado à Comunidade internacional, pois que não busca vantagens de parte, mas tem como fim o bem comum da família humana toda. Nesse contexto, a Santa Sé vale-se do próprio pessoal diplomático.

 

 

445 O serviço diplomático da Santa Sé, fruto de uma antiga e consolidada praxe, é um instrumento que atua não só pela «libertas Ecclesiae», mas também pela defesa e promoção da dignidade humana, bem como por uma ordem social baseada nos valores da justiça, da liberdade e do amore: «Por um direito nativo inerente à nossa missão espiritual, favorecido por uma secular sucessão de acontecimentos históricos, nós enviamos também os nossos legados às autoridades supremas dos estados nos quais está radicada ou de algum modo é presente a Igreja Católica. É bem verdade que as finalidades da Igreja e do Estado são de ordem diferente, e que ambas são sociedades perfeitas, dotadas, portanto, de meios próprios, e são independentes na respectiva esfera de atuação, mas é também verdade que uma e outro agem em benefício de um sujeito comum, o homem, chamado por Deus à salvação eterna e posto na terra para permitir-lhe, com o auxílio da graça, consegui-la com uma vida de trabalho, que lhe proporcione bem-estar, na convivência pacífica » [924] . O bem das pessoas e das comunidades humanas é favorecido por um diálogo estruturado entre a Igreja e as autoridades civis, que se exprime também através da estipulação de acordos mútuos. Tal diálogo tende a estabelecer ou reforçar relações de recíproca compreensão e colaboração, assim como a prevenir ou sanar eventuais desavenças, com o objetivo de contribuir para o progresso de cada povo e de toda a humanidade na justiça e na paz.