a) Colaboração para garantir o direito ao desenvolvimento
446 A solução do problema do desenvolvimento requer a cooperação entre as comunidades políticas: «as comunidades políticas (...) se condicionam mutuamente e pode, mesmo, afirmar-se que cada uma atinge o próprio desenvolvimento, contribuindo para o desenvolvimento das outras. Por isso é que se impõem o entendimento e a colaboração mútuos» [925] . O subdesenvolvimento parece uma situação impossível de eliminar, quase uma condenação fatal, se se considera o fato que este não é apenas o fruto de opções humanas erradas, mas também o resultado de «mecanismos econômicos, financeiros e sociais» [926] e de «estruturas de pecado» [927] que impedem o pleno desenvolvimento dos homens e dos povos.
Estas dificuldades, todavia, devem ser enfrentadas com determinação firme e perseverante, porque o desenvolvimento não é apenas uma aspiração, mas um direito [928] que, como todo direito, implica uma obrigação: «A colaboração para o desenvolvimento do homem todo e de todos os homens é, efetivamente, um dever de todos para com todos e, ao mesmo tempo, há de ser comum às quatro partes do mundo: Este e Oeste, Norte e Sul» [929] . Na visão do Magistério, o direito ao desenvolvimento se funda nos seguintes princípios: unidade de origem e comunhão de destino da família humana; igualdade entre todas as pessoas e todas as comunidades baseada na dignidade humana; destinação universal dos bens da terra; integralidade da noção de desenvolvimento; centralidade da pessoa humana; solidariedade.
447 A doutrina social encoraja formas de cooperação capazes de incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza e subdesenvolvimento: «Há relativamente poucos anos, afirmou-se que o desenvolvimento dos países mais pobres dependeria do seu isolamento do mercado mundial, e da confiança apenas nas próprias forças. A recente experiência demonstrou que os países que foram excluídos registraram estagnação e recessão, enquanto conheceram o desenvolvimento aqueles que conseguiram entrar na corrente geral de interligação das atividades econômicas a nível internacional. O maior problema, portanto, parece ser a obtenção de um acesso eqüitativo ao mercado internacional, não fundado sobre o princípio unilateral do aproveitamento dos recursos naturais, mas sobre a valorização dos recursos humanos» [930] . Entre as causas que predominantemente concorrem em determinar o desenvolvimento e a pobreza, além da impossibilidade de ascender ao mercado internacional [931] , devem ser enumerados o analfabetismo, a insegurança alimentar, a ausência de estruturas e serviços, a carência de medidas para garantir o saneamento básico, a falta de água potável, a corrupção, a precariedade das instituições e da própria vida política. Existe uma conexão entre a pobreza e a falta, em muitos países, de liberdade, de possibilidade de iniciativa econômica, de administração estatal capaz de predispor um sistema adequado de educação e de informação.
448 O espírito da cooperação internacional exige que acima da estrita lógica do mercado esteja a consciência de um dever de solidariedade, de justiça social e de caridade universal [932] ; efetivamente existe «algo que é devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade» [933] . A cooperação é a via que a Comunidade Internacional no seu conjunto deve empenhar-se a percorrer «segundo uma concepção adequada do bem comum dirigido a toda a família humana» [934] . Dela derivarão efeitos muito positivos: um aumento da confiança nas potencialidades das pessoas pobres e, conseqüentemente, dos países pobres e uma distribuição dos bens eqüitativa.
449 No início do novo milênio, a pobreza de milhões de homens e mulheres é «é a questão que, em absoluto, mais interpela a nossa consciência humana e cristã» [935] . A pobreza põe um dramático problema de justiça: a pobreza, nas suas diferentes formas e conseqüências, caracteriza-se por um crescimento desigual e não reconhece a cada povo «igual direito a »sentar-se à mesa do banquete comum»» [936] . Tal pobreza torna impossível a realização daquele humanismo plenário que a Igreja almeja e persegue, para que as pessoas e os povos possam «ser mais» [937] e viver em «condições mais humanas» [938] .
A luta contra a pobreza encontra uma forte motivação na opção, ou amor preferencial, da Igreja pelos pobres [939] .Em todo o seu ensinamento social a Igreja não se cansa de reafirmar também outros princípios fundamentais seus: dentre todos prima o da destinação universal dos bens [940] . Com a constante reafirmação do princípio da solidariedade, a doutrina social estimula a passar à ação para promover o «bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos» [941] . O princípio da solidariedade, também na luta contra a pobreza, deve ser sempre oportunamente ladeado pelo da subsidiariedade, graças ao qual é possível estimular o espírito de iniciativa, base fundamental de todo desenvolvimento socioeconômico, nos países pobres [942] : aos pobres se deve olhar «não como um problema, mas como possíveis sujeitos e protagonistas dum futuro novo e mais humano para todo o mundo» [943] .
450 Deve-se ter presente o direito fundamental dos povos ao desenvolvimento nas questões ligadas à crise dos débitos de muitos países pobres [944] .Tais crises têm, na sua origem, causas complexas e de vário gênero, seja de caráter internacional ― flutuações de câmbios, especulações financeiras, neocolonialismo econômico ― seja no interior de cada um dos países endividados ― corrupção, má gestão do dinheiro público, uso indevido dos empréstimos recebidos. Os sofrimentos maiores, atribuíveis à questões estruturais, mas também a comportamentos pessoais, atingem as populações dos países endividados e pobres, as quais não têm responsabilidade alguma. A comunidade internacional não pode ignorar uma semelhante situação: mesmo reafirmando o princípio que o débito contraído deve ser honrado, é preciso encontrar os caminhos para não comprometer o «fundamental direito dos povos à subsistência e ao progresso» [945] .