Sobre essa matéria, a História eclesiástica nos dá importantes lições: comemorações judaicas e pagãs e sua relação com o Ano Litúrgico; os sofrimentos em decorrência da heresia dos iconoclastas; o papel de certos símbolos na psicologia do povo. Além disso, já nos primeiros séculos observou-se no culto cristão um aproveitamento das formas de piedade privada, integradas pela Igreja.
Grandes eventos, que hoje celebramos, surgiram das festividades israelitas e do paganismo. Em vez de destruir, os primeiros cristãos substituíam adaptando ao Evangelho, os elementos válidos ali subjacentes.
As primitivas comunidades tinham suas raízes no calendário hebreu. Assim do qüinquagésimo dia, a “Festa das Semanas”, vem a fixação do dia de Pentecostes. O mesmo processo ocorre quanto às outras religiões existentes. A data ocupava o lugar da efeméride, preservando o que havia de verdadeiro e aproveitável no costume reinante.
No Brasil, respeitou-se a mesma pedagogia. Foi ela usada pelos missionários que utilizaram certas cerimônias rituais indígenas ou africanas, dando-lhes sentido cristão. Não se tratava absolutamente de sincretismo, mas de um novo conteúdo verdadeiro, isento de erro, sob uma roupagem aceitável na visão cristã. Os nativos e escravos não possuíam um credo orgânico e rigorosamente explicitado. Ele era, na verdade, uma manifestação, mesmo restrita, da religião natural. Ora, este é o alicerce da própria Revelação.
Essas considerações ajudam a descobrir a importância de certas práticas, hoje em dia, para a evangelização. Desprezá-las é cometer um grave erro pastoral.
No início do período pós-conciliar, o entusiasmo pela purificação de elementos introduzidos no decorrer dos séculos, levou alguns a combaterem exatamente o elo que ainda conservava, no seio da comunidade cristã, os fracos, os pequenos na fé. Deu-se um grande destaque ao concernente à inteligência, em prejuízo de usos que, mesmo falhos, falavam mais ao coração. Na aridez a planta fenece. E, então, muitos foram buscar, em doutrinas espúrias, o que lhes faltava na comunidade eclesial, embora continuassem a se declarar católicos. Imagens foram retiradas, tentaram liquidar as associações dos fiéis: Cruzadas, Filhas de Maria, Apostolado da Oração etc. E o que era apresentado como substitutivo não satisfazia às aspirações de nossa gente. Isso faz-nos lembrar o tempo dos iconoclastas.
Tomemos alguns exemplos: na devoção às almas, o culto dos mortos, há em seu âmago o que proclamamos no Credo: “Creio na comunhão dos santos”. Existe uma comunicação no sentido verdadeiro entre a Igreja militante, padecente e triunfante. Nós invocamos os santos. Aos falecidos, privadamente, podemos em sã doutrina, solicitar a intercessão junto ao único mediador, o Cristo. Com a Cabeça do Corpo Místico, todos nos comunicamos por seu Espírito: o sangue Redentor alimenta os que estão no céu, na terra e no purgatório. Quem poderá negar a atualidade das missas de exéquias se a própria Liturgia as inclui em sua Instrução Geral do Missal Romano? Com os mortos relaciona-se o uso das velas. Acendê-las é, em si, um ato religioso. Em vez de deixá-lo fácil presa da superstição, demos-lhe uma configuração católica verdadeira. Combater seu uso em lugares impróprios, sim.
Fonte: Site da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Escrito por Card. D. Eugênio Sales