SEXTA MORADA - CAPÍTULO 5

SEXTA MORADA - CAPÍTULO 5
Prossegue no mesmo assunto, e declara uma maneira como Deus levanta a alma com um voo de espírito, de modo diferente ao que fica dito. Diz algumas das razões porque é mister ânimo. Declara alguma coisa desta mercê que o Senhor faz por saborosa maneira. É muito proveitoso 
1. Há outra maneira de arroubamento, voo de espírito lhe chamo eu; pois, ainda que tudo seja um na substância, no interior sente-se muito diferentemente; porque, algumas vezes, sente-se muito repentinamente um movimento tão acelerado da alma, que parece que o espírito é arrebatado com uma velocidade que deixa grande temor, em especial nos princípios. Por isso vos dizia que é preciso ânimo grande a quem Deus há-de fazer estas mercês, e ainda grande fé e confiança e resignação para que Nosso Senhor faça da alma o que quiser. Pensais que é pouca turbação estar uma pessoa muito em seus sentidos e ver-se arrebatar a alma? E até de alguns temos lido que o corpo vai com ela, sem saber para onde, ou, quem a leva ou como; porque no princípio deste momentâneo movimento não há tanta certeza de que é Deus.
2. Haverá, pois, algum remédio para se poder resistir? De nenhum modo; antes é pior. E eu sei isto por uma pessoa, que parece querer Deus dar a entender à alma, pois já tantas vezes e tão deveras se tem colocado em Suas mãos, e com tão inteira vontade se Lhe ofereceu toda para que entenda que já não tem parte em si mesma e com um movimento notavelmente mais impetuoso, é arrebatada; e por si tomava a resolução de não fazer mais do que faz uma palha, quando a levanta o âmbar, se já o tendes visto, e deixar-se ir nas mãos de Quem tão poderoso é, pois vê que o mais acertado é fazer da necessidade virtude. E, como falei da palha, é certo que é mesmo assim, pois com a facilidade com que um grande mocetão pode arrebatar uma palha, este nosso grande e poderoso gigante arrebata o espírito. 
3. Não parece senão que aquele tanque de água que dissemos - creio na quarta morada, pois não me recordo bem ? que com tanta suavidade e mansidão, digo sem nenhum movimento, se enchia, aqui, este grande Deus, que detém os mananciais das águas e não deixa sair o mar de seus limites, abriu os mananciais donde vinha a água a este tanque; e com um grande ímpeto se levanta uma onda tão poderosa, que sobe ao alto esta barquinha da nossa alma. E assim, como uma nau não pode conservar-se quieta nem o piloto, nem todos os que a governam têm poder para que as ondas, se vêm com fúria; a deixem estar onde eles querem, muito menos pode o interior da alma deter-se onde quer, nem fazer com que seus sentidos e potências façam mais do que lhes têm mandado, porque do exterior aqui não se faz caso dele.
4. É certo, irmãs, que só de o ir escrevendo, me vou enchendo de espanto ao ver como se mostra aqui o grande poder deste grande Rei e Imperador; o que fará pois quem passa por isso! Tenho para mim que, se aos que andam muito perdidos pelo mundo, se lhes descobrisse Sua Majestade como o faz a estas almas, ainda que não fosse por amor, por medo não O ousariam ofender. Oh! quão obrigadas estarão, pois, as que foram avisadas, por caminho tão subido, a procurar com todas as suas forças não desgostar a este Senhor! Por Ele vos suplico, irmãs, àquelas a quem Sua Majestade tiver feito estas mercês ou outras semelhantes, que não vos descuideis com não fazer mais do que receber; olhai que, quem muito deve, muito há-de pagar.
5. Para isto também é preciso grande ânimo, pois é uma coisa que acobarda de grande modo; e se Nosso Senhor não lho desse, andaria sempre com grande aflição; porque, olhando ao que Sua Majestade faz com ela, e tornando a olhar para si, vê quão pouco serve para o que está obrigada, e esse poucochinho que faz, tão cheio de faltas e quebras e frouxidão, tem por melhor, a fim de não se lembrar de quão imperfeitamente faz qualquer obra, se a faz, procurar que ela se lhe esqueça e trazer diante dos olhos seus pecados e esconder-se na misericórdia de Deus, pois, já que não tem com que pagar, supra a piedade e misericórdia que Ele sempre tem com os pecadores.
6. Talvez o Senhor lhe responda como a uma pessoa que estava muito aflita neste ponto diante de um crucifixo, considerando que nunca tinha tido nada que dar a Deus, nem que deixar por Ele. Disse-lhe o mesmo Crucificado consolando-a: que Ele lhe dava todas as dores e trabalhos que tinha passado em Sua Paixão, que os tivesse por próprios para os oferecer a Seu Pai. Ficou aquela alma tão consolada e tão rica, segundo entendi dela mesma, que não o pôde esquecer; antes, cada vez que se vê tão miserável, recordando-se disto, fica animada e consolada. Algumas coisas destas poderia eu dizer aqui, porque, como tenho tratado com tantas pessoas santas e de oração, sei muitas; para que não penseis que sou eu, não o faço. Esta parece-me de grande proveito, para que entendais como se contenta o Senhor em nos conhecermos, e procuremos sempre mirar e remirar a nossa pobreza e miséria, e que não temos nada que não o tenhamos recebido." Assim, pois, minhas irmãs, para isto e outras muitas coisas que se oferecem a uma alma a quem o Senhor já trouxe a este ponto, é preciso ânimo; e a meu parecer, para esta última mais ainda que para tudo o mais, se há humildade. O Senhor no-la dê por quem é.
7. Pois, voltando a este apressurado arrebatamento do espírito, é de tal maneira, que verdadeiramente parece que sai do corpo, e, por outro lado, é claro que esta pessoa não fica morta; pelo menos ela não pode dizer se está no corpo ou não, por uns instantes. Parece-lhe que toda inteira esteve em outra região muito diferente desta em que vivemos, onde se lhe mostra outra luz tão diferente desta de cá, que, se toda a sua vida a estivesse a fabricar, juntamente com outras coisas que então vê, seria impossível alcançá-las. E acontece ensinarem-lhe num instante tantas coisas juntas, que em muitos anos que trabalhasse em as ordenar com a imaginação e o pensamento, de mil partes não poderia ordenar uma só. Isto não é visão intelectual, senão imaginária vê-se com os olhos da alma muito melhor do que vemos aqui com os do corpo, e sem palavras se lhe dão a entender algumas coisas; digo, como se vê alguns santos, conhece-os, como se tivesse tratado muito com eles.
8. Outras vezes, juntamente com as coisas que vê com os olhos da alma, representam-se-lhe outras por visão intelectual, em especial multidões de anjos com o Senhor deles, e sem ver nada com os olhos do corpo nem da alma. Por um conhecimento admirável que eu não saberia dizer, representa-se-lhe o que digo e outras muitas coisas que não são para dizer. Quem passar por elas, e tenha mais habilidade do que eu, talvez as saiba dar a entender, ainda que me parece bem dificultoso. Se tudo isto se passa, estando a alma no corpo ou não, eu não o sei dizer; pelo menos não juraria que está no corpo, nem tão-pouco que está o corpo sem alma.
9. Muitas vezes tenho pensado, se assim como o sol estando no céu, seus raios têm tanta força que, não se mudando ele de ali, num pronto chegam até nós, assim a alma e o espírito, que são uma mesma coisa, como o é o sol e os seus raios, ficando ela no seu posto, com a força do calor que lhe vem do verdadeiro Sol de Justiça, pode alguma parte superior sair sobre si mesma. Enfim, eu não sei o que digo. O que é verdade é que, com a mesma presteza com que sai a bala dum arcabuz quando lhe põem fogo, levanta-se no interior um voo (eu não sei que outro nome lhe dê), o qual, ainda que não faça ruído, faz um movimento tão claro que não pode ser imaginação de maneira alguma; e já muito fora de si mesma, para tudo quanto ela pode entender, se lhe mostram grandes coisas; e, quando torna a sentir-se em si, é com tão grandes lucros e tendo em tão pouco todas as coisas da terra, que, em comparação das que viu, lhe parecem lixo; e de aí em diante vive nela com muita  pena, e não vê coisa das que lhe costumavam parecer bem, que delas agora já nada se lhe dê. Parece que o Senhor quis mostrar-lhe algo da terra aonde há-de ir, tal como levaram sinais da terra de Promissão os que lá enviaram do povo de Israel,` para que passe os trabalhos deste caminho tão trabalhoso, sabendo onde há-de ir descansar. Embora coisa que passa tão depressa não vos pareça de muito proveito, são tão grandes os que deixa na alma que, a não ser quem por isto passa, ninguém saberá entender o seu valor.
10. Por aqui se vê bem não ser coisa do demónio; pois da própria imaginação é impossível, nem o demónio poderia representar coisa que tanto efeito, paz, sossego e aproveitamento deixe na alma, em especial três coisas em muito subido grau: o conhecimento da grandeza de Deus, porque, quantas mais coisas virmos dela, mais se nos dá a conhecer. Segunda razão: o próprio conhecimento e humildade, ao ver como coisa tão baixa, em comparação do Criador de tantas grandezas, tem ousado ofendê-l'O, nem como ousa olhar para Ele; terceira, terem muito pouco todas as coisas da terra, se não forem das que pode aplicar ao serviço de tão grande Deus.
11. Estas são as jóias que o Esposo começa a dar à Sua Esposa, e são de tanto valor que não as porá em mau recato; porque ficam tão esculpidas na memória estas vistas, que creio é impossível esquecê-las até que as goze para sempre e, se assim não fora, seria para seu grandíssimo mal; mas o Esposo que lhas dá, é poderoso para lhe dar graças a fim de que não as perca.
12. Pois, voltando ao ânimo que é preciso, parecer-vos-á que é tão leve coisa? É que verdadeiramente parece que a alma se aparta do corpo, porque se vê a perder os sentidos, e não entende para quê. Mister é, pois, que lho dê Aquele que dá tudo o mais. Direis que bem pago vai este temor; assim digo eu também. Seja para sempre louvado Aquele que tanto pode dar. Praza a Sua Majestade que nos dê com que possamos servi-l'O, amen. 
Prossegue no mesmo assunto, e declara uma maneira como Deus levanta a alma com um voo de espírito, de modo diferente ao que fica dito. Diz algumas das razões porque é mister ânimo. Declara alguma coisa desta mercê que o Senhor faz por saborosa maneira. É muito proveitoso 
 
1. Há outra maneira de arroubamento, voo de espírito lhe chamo eu; pois, ainda que tudo seja um na substância, no interior sente-se muito diferentemente; porque, algumas vezes, sente-se muito repentinamente um movimento tão acelerado da alma, que parece que o espírito é arrebatado com uma velocidade que deixa grande temor, em especial nos princípios. Por isso vos dizia que é preciso ânimo grande a quem Deus há-de fazer estas mercês, e ainda grande fé e confiança e resignação para que Nosso Senhor faça da alma o que quiser. Pensais que é pouca turbação estar uma pessoa muito em seus sentidos e ver-se arrebatar a alma? E até de alguns temos lido que o corpo vai com ela, sem saber para onde, ou, quem a leva ou como; porque no princípio deste momentâneo movimento não há tanta certeza de que é Deus.
 
2. Haverá, pois, algum remédio para se poder resistir? De nenhum modo; antes é pior. E eu sei isto por uma pessoa, que parece querer Deus dar a entender à alma, pois já tantas vezes e tão deveras se tem colocado em Suas mãos, e com tão inteira vontade se Lhe ofereceu toda para que entenda que já não tem parte em si mesma e com um movimento notavelmente mais impetuoso, é arrebatada; e por si tomava a resolução de não fazer mais do que faz uma palha, quando a levanta o âmbar, se já o tendes visto, e deixar-se ir nas mãos de Quem tão poderoso é, pois vê que o mais acertado é fazer da necessidade virtude. E, como falei da palha, é certo que é mesmo assim, pois com a facilidade com que um grande mocetão pode arrebatar uma palha, este nosso grande e poderoso gigante arrebata o espírito. 
 
3. Não parece senão que aquele tanque de água que dissemos - creio na quarta morada, pois não me recordo bem ? que com tanta suavidade e mansidão, digo sem nenhum movimento, se enchia, aqui, este grande Deus, que detém os mananciais das águas e não deixa sair o mar de seus limites, abriu os mananciais donde vinha a água a este tanque; e com um grande ímpeto se levanta uma onda tão poderosa, que sobe ao alto esta barquinha da nossa alma. E assim, como uma nau não pode conservar-se quieta nem o piloto, nem todos os que a governam têm poder para que as ondas, se vêm com fúria; a deixem estar onde eles querem, muito menos pode o interior da alma deter-se onde quer, nem fazer com que seus sentidos e potências façam mais do que lhes têm mandado, porque do exterior aqui não se faz caso dele.
 
4. É certo, irmãs, que só de o ir escrevendo, me vou enchendo de espanto ao ver como se mostra aqui o grande poder deste grande Rei e Imperador; o que fará pois quem passa por isso! Tenho para mim que, se aos que andam muito perdidos pelo mundo, se lhes descobrisse Sua Majestade como o faz a estas almas, ainda que não fosse por amor, por medo não O ousariam ofender. Oh! quão obrigadas estarão, pois, as que foram avisadas, por caminho tão subido, a procurar com todas as suas forças não desgostar a este Senhor! Por Ele vos suplico, irmãs, àquelas a quem Sua Majestade tiver feito estas mercês ou outras semelhantes, que não vos descuideis com não fazer mais do que receber; olhai que, quem muito deve, muito há-de pagar.
 
5. Para isto também é preciso grande ânimo, pois é uma coisa que acobarda de grande modo; e se Nosso Senhor não lho desse, andaria sempre com grande aflição; porque, olhando ao que Sua Majestade faz com ela, e tornando a olhar para si, vê quão pouco serve para o que está obrigada, e esse poucochinho que faz, tão cheio de faltas e quebras e frouxidão, tem por melhor, a fim de não se lembrar de quão imperfeitamente faz qualquer obra, se a faz, procurar que ela se lhe esqueça e trazer diante dos olhos seus pecados e esconder-se na misericórdia de Deus, pois, já que não tem com que pagar, supra a piedade e misericórdia que Ele sempre tem com os pecadores.
 
6. Talvez o Senhor lhe responda como a uma pessoa que estava muito aflita neste ponto diante de um crucifixo, considerando que nunca tinha tido nada que dar a Deus, nem que deixar por Ele. Disse-lhe o mesmo Crucificado consolando-a: que Ele lhe dava todas as dores e trabalhos que tinha passado em Sua Paixão, que os tivesse por próprios para os oferecer a Seu Pai. Ficou aquela alma tão consolada e tão rica, segundo entendi dela mesma, que não o pôde esquecer; antes, cada vez que se vê tão miserável, recordando-se disto, fica animada e consolada. Algumas coisas destas poderia eu dizer aqui, porque, como tenho tratado com tantas pessoas santas e de oração, sei muitas; para que não penseis que sou eu, não o faço. Esta parece-me de grande proveito, para que entendais como se contenta o Senhor em nos conhecermos, e procuremos sempre mirar e remirar a nossa pobreza e miséria, e que não temos nada que não o tenhamos recebido." Assim, pois, minhas irmãs, para isto e outras muitas coisas que se oferecem a uma alma a quem o Senhor já trouxe a este ponto, é preciso ânimo; e a meu parecer, para esta última mais ainda que para tudo o mais, se há humildade. O Senhor no-la dê por quem é.
 
7. Pois, voltando a este apressurado arrebatamento do espírito, é de tal maneira, que verdadeiramente parece que sai do corpo, e, por outro lado, é claro que esta pessoa não fica morta; pelo menos ela não pode dizer se está no corpo ou não, por uns instantes. Parece-lhe que toda inteira esteve em outra região muito diferente desta em que vivemos, onde se lhe mostra outra luz tão diferente desta de cá, que, se toda a sua vida a estivesse a fabricar, juntamente com outras coisas que então vê, seria impossível alcançá-las. E acontece ensinarem-lhe num instante tantas coisas juntas, que em muitos anos que trabalhasse em as ordenar com a imaginação e o pensamento, de mil partes não poderia ordenar uma só. Isto não é visão intelectual, senão imaginária vê-se com os olhos da alma muito melhor do que vemos aqui com os do corpo, e sem palavras se lhe dão a entender algumas coisas; digo, como se vê alguns santos, conhece-os, como se tivesse tratado muito com eles.
 
8. Outras vezes, juntamente com as coisas que vê com os olhos da alma, representam-se-lhe outras por visão intelectual, em especial multidões de anjos com o Senhor deles, e sem ver nada com os olhos do corpo nem da alma. Por um conhecimento admirável que eu não saberia dizer, representa-se-lhe o que digo e outras muitas coisas que não são para dizer. Quem passar por elas, e tenha mais habilidade do que eu, talvez as saiba dar a entender, ainda que me parece bem dificultoso. Se tudo isto se passa, estando a alma no corpo ou não, eu não o sei dizer; pelo menos não juraria que está no corpo, nem tão-pouco que está o corpo sem alma.
 
9. Muitas vezes tenho pensado, se assim como o sol estando no céu, seus raios têm tanta força que, não se mudando ele de ali, num pronto chegam até nós, assim a alma e o espírito, que são uma mesma coisa, como o é o sol e os seus raios, ficando ela no seu posto, com a força do calor que lhe vem do verdadeiro Sol de Justiça, pode alguma parte superior sair sobre si mesma. Enfim, eu não sei o que digo. O que é verdade é que, com a mesma presteza com que sai a bala dum arcabuz quando lhe põem fogo, levanta-se no interior um voo (eu não sei que outro nome lhe dê), o qual, ainda que não faça ruído, faz um movimento tão claro que não pode ser imaginação de maneira alguma; e já muito fora de si mesma, para tudo quanto ela pode entender, se lhe mostram grandes coisas; e, quando torna a sentir-se em si, é com tão grandes lucros e tendo em tão pouco todas as coisas da terra, que, em comparação das que viu, lhe parecem lixo; e de aí em diante vive nela com muita  pena, e não vê coisa das que lhe costumavam parecer bem, que delas agora já nada se lhe dê. Parece que o Senhor quis mostrar-lhe algo da terra aonde há-de ir, tal como levaram sinais da terra de Promissão os que lá enviaram do povo de Israel,` para que passe os trabalhos deste caminho tão trabalhoso, sabendo onde há-de ir descansar. Embora coisa que passa tão depressa não vos pareça de muito proveito, são tão grandes os que deixa na alma que, a não ser quem por isto passa, ninguém saberá entender o seu valor.
 
10. Por aqui se vê bem não ser coisa do demónio; pois da própria imaginação é impossível, nem o demónio poderia representar coisa que tanto efeito, paz, sossego e aproveitamento deixe na alma, em especial três coisas em muito subido grau: o conhecimento da grandeza de Deus, porque, quantas mais coisas virmos dela, mais se nos dá a conhecer. Segunda razão: o próprio conhecimento e humildade, ao ver como coisa tão baixa, em comparação do Criador de tantas grandezas, tem ousado ofendê-l'O, nem como ousa olhar para Ele; terceira, terem muito pouco todas as coisas da terra, se não forem das que pode aplicar ao serviço de tão grande Deus.
 
11. Estas são as jóias que o Esposo começa a dar à Sua Esposa, e são de tanto valor que não as porá em mau recato; porque ficam tão esculpidas na memória estas vistas, que creio é impossível esquecê-las até que as goze para sempre e, se assim não fora, seria para seu grandíssimo mal; mas o Esposo que lhas dá, é poderoso para lhe dar graças a fim de que não as perca.
 
12. Pois, voltando ao ânimo que é preciso, parecer-vos-á que é tão leve coisa? É que verdadeiramente parece que a alma se aparta do corpo, porque se vê a perder os sentidos, e não entende para quê. Mister é, pois, que lho dê Aquele que dá tudo o mais. Direis que bem pago vai este temor; assim digo eu também. Seja para sempre louvado Aquele que tanto pode dar. Praza a Sua Majestade que nos dê com que possamos servi-l'O, amen.