O objetivo deste pequeno estudo é esclarecer alguns questionamentos acerca das canonizações, dado que atualmente muitos têm questionado a validade de algumas canonizações, gerando dúvida e confusão entre os católicos.
I- O que é uma canonização?
Denomina-se de canonização o ato pela qual a Igreja declara que um determinado indivíduo praticou em sua vida terrena as virtudes em grau heróico e alcançou a santidade. Ou seja, a Igreja quando canoniza, declara que o indivíduo canonizado está no Céu e que pode interceder por nós diante de Deus. “Por canonização (= consignação no cânon ou no catálogo) entende-se a sentença definitiva pela qual o Sumo Pontífice declara estar algum servo de Deus na glória celeste e prescreve, lhe seja conseqüentemente prestada pública veneração.”1
“Acolhendo esses sinais e a voz do Senhor com maior reverência e docilidade, a Sé Apostólica, desde tempos imemoriais, pela importante missão que lhe foi concedida de ensinar, santificar e governar o povo de Deus, propõe à imitação, veneração e invocação dos fiéis homens e mulheres que sobressaem pelo fulgor da caridade e das outras virtudes evangélicas, declarando-os Santos e Santas num ato solene de Canonização, depois de ter realizado as investigações oportunas.”2
O Processo de canonização mudou várias vezes durante a história, mas sempre esteve presente no processo uma forma de reconhecimento através da Sé Romana.3
A canonização refere-se ao culto público e universal, diferente da beatificação, que refere-se ao culto público e local.
II- Conceito católico de Santidade
A Igreja Católica ensina que a santidade consiste em viver na Graça de Deus: “Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de Deus, são feitos, pelo Baptismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam. O Apóstolo admoesta-os a que vivam acorro convém a santos» (Ef. 5,3), acorro eleitos e amados de Deus, se revistam de entranhas de misericórdia, benignidade, humildade, mansidão e paciência» (Col. 3,12) e alcancem os frutos do Espírito para a santificação (cfr. Gál. 5,22; Rom. 6,22).”4
Consiste também em entregar-se totalmente para a Glória de Deus e a Salvação das almas: “É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade (123). Na própria sociedade terrena, esta santidade promove um modo de vida mais humano. Para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que as dá Cristo, a fim de que, seguindo as Suas pisadas e conformados à Sua imagem, obedecendo em tudo à vontade de Deus, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo. Assim crescerá em frutos abundantes a santidade do Povo de Deus, como patentemente se manifesta na história da Igreja, com a vida de tantos santos.”5 A Santidade é um chamado a todos os cristãos, e é possível através da Graça de Deus, das boas obras e da observância dos mandamentos.6
Este é o ensinamento que se encontra no novo catecismo. Portanto mostra que é falso a afirmativa de que após o Concílio Vaticano II a Igreja tenha alterado o conceito de santidade.
III- Canonização e Infalibilidade
São infalíveis as Canonizações? A infalibilidade das canonizações é aceita pela maioria dos teólogos e canonistas, entre eles três Doutores da Igreja: Santo Antônio de Pádua, São Roberto Bellarmino e Santo Tomás de Aquino. Não há nenhum texto do Magistério que seja favorável a tese de falibilidade das canonizações.
Podemos deduzir que as canonizações são infalíveis devido ao fato de o culto público e universal de um santo ser intimamente ligado às questões de fé, na qual a Igreja e o Papa são infalíveis. É este o parecer extremamente considerável de Santo Tomás de Aquino: “Dado que a honra que professamos aos santos é em certo sentido, uma profissão de fé, isto é, uma crença na glória dos santos, devemos piamente crer que, neste assunto, também o juízo da Igreja está livre de erro.”7
As canonizações também estão conectadas com a questão moral, como afirma D. Estevão Bettencourt: “Ora uma sentença de canonização toca a moral do povo cristão, pois propõe à veneração e à imitação dos fiéis uma pessoa que, não há dúvida, representa um ideal de doutrina e de vida bem caracterizado. Não se pode conceber, pois, que o Sumo Pontífice, em declarações feitas solenemente ao orbe católico, não indique as pessoas correspondentes a tal propósito, ou seja, autênticos santos [...].”8
Podemos ainda deduzir que as canonizações são infalíveis ao observarmos as expressões comumente utilizadas nas Bulas de Canonização9:
“[...] reunindo o consistório de nossos irmãos [os cardeais], e tendo obtido o consentimento deles, decretamos que o inscrevíamos no catálogo dos santos para a devida veneração. Estabelecemos que a Igreja universal celebre devotamente e com solenidade o seu nascimento para o céu no dia 4 de outubro, o dia em que, livre do cárcere da carne, subiu ao Reino celeste.”10
Já nas beatificações, são comuns expressões do tipo: “[...] com a nossa Autoridade Apostólica concedemos que o Venerável Servo de Deus Clemens August von Galen doravante possa ser chamado Beato [...]”11
Vemos, portanto, que enquanto os documentos de beatificação expressam uma permissão, consentimento, concessão; os documentos de canonização expressam um mandato, uma prescrição, ordem.
Outro fator que devemos aqui considerar é o que diz respeito aos chamados fatos dogmáticos, que são fatos conectados às verdades de fé: "No que se refere ás verdades em conexão com a revelação por necessidade histórica, e que devem admitir-se de modo definitivo sem contudo poderem ser declaradas como divinamente reveladas, podem servir de exemplo a legitimidade de eleição do Sumo Pontífice ou da celebração de um Concílio Ecumênico, as canonizações dos santos (fatos dogmáticos)".12
Quanto ao critério desta infalibilidade a maioria concorda que se refere a declarar infalivelmente que o indivíduo canonizado alcançou a Salvação.13
IV- Canonização e Unidade de culto
Sabemos que a Igreja Católica é caracterizada pela unidade e universalidade. Esta unidade consiste em três: unidade de governo (O Papa e os Bispos em comunhão com ele), de Fé (uma só Doutrina) e de Culto (sobretudo através dos sacramentos).14
Podemos observar que a veneração pública e universal dos santos está intimamente ligada à unidade de culto da Igreja. Afinal, como poderia a Igreja, Una e Católica, não ter um consenso sobre os santos que devem ser venerados?
Aceitando as canonizações estamos fazendo profissão de fé na Unidade da Igreja e na Comunhão dos Santos.
V- Os perigos de se duvidar de uma canonização
Diz o Papa Bento XIV: “Aquele que ousasse afirmar que o Pontífice teria errado nesta ou naquela canonização, e que este ou aquele santo por ele canonizado não deveria ser honrado com culto de dulia, qualificaríamos, senão como herético, entretanto como temerário; como causador de escândalo a toda a Igreja; como injuriador dos santos como favorecedor dos hereges que negam a autoridade da Igreja na canonização dos santos; como tendo sabor de heresia, uma vez que ele abriria caminho para que os infiéis ridicularizassem os fiéis; como defensor de uma preposição errônea e como sujeito a penas gravíssimas.”15
De fato, se refletirmos adequadamente, perceberemos o quão verdadeiras são estas palavras de Bento XIV. Quem questiona uma canonização causa escândalo, dúvida e confusão entre os fiéis católicos, e favorece os hereges que negam as canonizações da Igreja. Por em dúvida uma canonização, é por em dúvida todas as canonizações, é duvidar do juízo Divino da Igreja na questão de fé e de moral. Além do que fere a unidade de culto da Igreja.
Imagine-se o quão embaraçoso seria para uma paróquia um fiel que não prestasse culto a determinados santos. Certamente ele geraria divisão nesta paróquia e abriria caminho para um juízo subjetivo e individual acerca das canonizações. Aliás, é aí que reside o perigo principal: o subjetivismo e o relativismo. É como se fosse uma espécie de “livre-exame” das canonizações! E isso é erro protestante! Contra essa tese temerária temos o testemunho de um Papa e de três santos Doutores da Igreja.
Por fim, lembremo-nos da assistência que o Espírito Santo dá a Santa Igreja e consideremos a seguinte lógica: sendo que a Igreja é infalível ao ensinar acerca de Fé e Moral de maneira definitiva e universal, quando ela declara que alguém está no Céu e manda que este seja venerado publicamente e em toda a Igreja, ela não pode errar. É um absurdo admitir que a Igreja ordene a veneração pública e universal de um indivíduo que não esteja na Glória Celeste!
Bendito seja Deus nos seus anjos e nos seus santos!
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1 BETTENCOURT, Dom Estêvão, OSB. A Canonização dos Santos. In:. Revista Pergunte e Responderemos, nº 13, ano 1959, p. 20. Digitalizado em: Site Cléofas
2 JOÃO PAULO II, Papa. Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister sobre a nova legislação relativa às causas dos santos. Roma, 1983. Digitalizado em: Site do Vaticano
3 Para saber mais sobre o processo de canonização, consultar o verbete “Canonización” na Enciclopédia Católica online
4 Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumem Gentium sobre a Igreja, nº 40. Roma, 1964. Digitalizado em: Site do Vaticano
5 Idem. Ibidem. nº 40.
6 Ver mais em: Catecismo da Igreja Católica. 2012-2016. Digitalizado em: Site do Vaticano
7 AQUINO, Santo Tomás de. Quodlibetica, IX, a 16. Citado em: site Enciclopédia Católica
8 BETTENCOURT, Dom Estevão, OSB. Op. Cit.
9 Ibid.
10 GREGÓRIO IX, Papa. Bula Mira Circa nos para a canonização de São Francisco de Assis. Perúgia, 1228. Digitalizado em: site da Província dos Capuchinhos de São Paulo
11 BENTO XVI, Papa. Carta Apostólica do Sumo Pontífice Bento XVI sobre a solene beatificação do servo de Deus Clemens August von Galen. Roma, 2005. Digitalizado em: Site Veritatis Splendor
12 Vide, para tanto, a Nota doutrinal ilustrativa da fórmula conclusiva da Professio Fidei, da Congregação para a Doutrina da Fé, 29 de Junho de 1998, n.11.
13 https://www.enciclopediacatolica.com/c/canonizacion.htm
14 RIFAN, Dom Fernando Áreas. Orientação Pastoral sobre o Magistério Vivo da Igreja. IX, §1. Digitalizado em: Site da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney