a) O valor da comunidade civil
417 A comunidade política é constituída para estar ao serviço da sociedade civil, da qual deriva. Para a distinção entre comunidade política e sociedade civil, a Igreja contribuiu sobretudo com sua visão do homem, entendido como ser autônomo, relacional, aberto à Transcendência, contrastada quer pelas ideologias políticas de caráter individualista, quer pelas ideologias totalitárias tendentes a absorver a sociedade civil na esfera do Estado. O empenho da Igreja em favor do pluralismo social visa a conseguir uma realização mais adequada do bem comum e da própria democracia, segundo os princípios da solidariedade, da subsidiariedade e da justiça.
A sociedade civil é um conjunto de realizações e de recursos culturais e associativos, relativamente autônomos em relação ao âmbito tanto político como econômico: «O fim da sociedade civil é universal, porque é aquele que diz respeito ao bem comum, al qual todos e cada um dos cidadãos têm direita na devida proporção» [853] . Esta caracteriza-se pela própria capacidade de projeto, orientada a favorecer uma convivência social mais livre e mais justa, em que vários grupos de cidadãos, mobilizando-se para elaborar e exprimir as próprias orientações, para fazer frente às suas necessidades fundamentais, para defender legítimos interesses.
b) O primado da comunidade civil
418 A comunidade política e a sociedade civil, embora reciprocamente coligadas e interdependentes, não são iguais na hierarquia dos fins. A comunidade política está essencialmente ao serviço da sociedade civil e, em última análise, das pessoas e dos grupos que a compõem [854] . A sociedade civil, portanto, não pode ser considerada um apêndice ou uma variável da comunidade política: antes, ela tem a preeminência, porque justifica radicalmente a existência da comunidade política.
O Estado deve fornecer um quadro jurídico adequado ao livre exercício das atividades dos sujeitos sociais e estar pronto a intervir, sempre que for necessário, e respeitando o princípio de subsidiariedade, para orientar para o bem comum a dialética entre as livres associações ativas na vida democrática. A sociedade civil é heterogênea e articulada, não desprovida de ambigüidades e de contradições: é também lugar de embate entre interesses diversos, com o risco de que o mais forte prevaleça sobre o mais indefeso.
c) A aplicação do princípio de subsidiariedade
419 A comunidade política está obrigada regular as próprias relações com comunidade civil de acordo com o princípio de subsidiariedade [855] : é essencial que o crescimento da vida democrática tenha início no tecido social. As atividades da sociedade civil ― sobretudo voluntariado e cooperação no âmbito do privado-social, sinteticamente definido como «setor terciário » para distingui-lo dos âmbitos do Estado e do mercado ― constituem as modalidades mais adequadas para desenvolver a dimensão social da pessoa, que em tais atividades pode encontrar espaço para exprimir-se plenamente. A progressiva expansão das iniciativas sociais fora da esfera estatal cria novos espaços para a presença ativa e para a ação direta dos cidadãos, integrando as funções atuadas pelo Estado. Tal importante fenômeno tem sido freqüentemente atuado por caminhos e com instrumentos largamente informais, dando vida a modalidades novas e positivas de exercício dos direitos da pessoa, que enriquecem qualitativamente a vida democrática.
420 A cooperação, mesmo nas suas formas menos estruturadas, delineia-se como uma das respostas mais fortes à lógica do conflito e da concorrência sem limites, que hoje se revela prevalente. As relações que se instauram num clima cooperativo e solidário superam as divisões ideológicas, estimulando a busca daquilo que une para além daquilo que divide.
Muitas experiências de voluntariado constituem um ulterior exemplo de grande valor, que leva a considerar a sociedade civil como lugar onde é sempre possível a recomposição de uma ética pública centrada na solidariedade, na colaboração concreta, no diálogo fraterno. Em face das potencialidades que assim se manifestam, os católicos são chamados a olhar com confiança e a oferecer própria obra pessoal para o bem da comunidade em geral e, em particular, para o bem dos mais fracos e dos mais necessitados. É também dessa forma que se afirma o princípio da «subjetividade da sociedade» [856] .