VI. O ESTADO E AS COMUNIDADES RELIGIOSAS A) A LIBERDADE RELIGIOSA, UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL B) IGREJA CATÓLICA E COMUNIDADE POLÍTICA

VI. O ESTADO E AS COMUNIDADES RELIGIOSAS  A) A LIBERDADE RELIGIOSA, UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL   B) IGREJA CATÓLICA E COMUNIDADE POLÍTICA

A) A LIBERDADE RELIGIOSA, UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

421 O Concílio Vaticano II empenhou da Igreja Católica na promoção da liberdade religiosa. A Declaração «Dignitatis humanae» precisa, no subtítulo, que entende proclamar «o direito da pessoa e das comunidades à liberdade social e civil, em matéria religiosa». Para que tal liberdade querida por Deus e inscrita na natureza humana possa ser exercitada, não deve ser obstaculizada, dado que «a verdade não se impõe de outro modo senão pela força dessa mesma verdade» [857] . A dignidade da pessoa e a mesma natureza da busca de Deus exigem que todos os homens gozem de imunidade de toda coação no campo religioso [858] . A sociedade e o Estado não devem forçar uma pessoa a agir contra a sua consciência, nem impedi-la de proceder de acordo com ela [859] . A liberdade religiosa, porém, não é licença moral de aderir ao erro, nem um implícito direito ao erro [860] .

422 A liberdade de consciência e de religião «diz respeito ao homem individual e socialmente» [861] : o direito à liberdade religiosa deve ser reconhecido no ordenamento jurídico e sancionado como direito civil [862] , todavia, não é em si um direito ilimitado. Os justos limites ao exercício da liberdade religiosa devem ser determinados para cada situação social com a prudência política, segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela autoridade civil mediante normas jurídicas conformes à ordem moral objetiva: tais normas são exigidas «pela tutela eficaz e pacífica harmonia dos direitos de todos os cidadãos; pelo suficiente zelo pela honesta paz pública, que é a ordenada convivência na verdadeira justiça; e pela devida salvaguarda da moralidade pública» [863] .

 

423 Em consideração dos seus liames históricos e culturais com uma nação, uma comunidade religiosa pode receber um especial reconhecimento por parte do estado: mas um tal reconhecimento jurídico não deve, de modo algum, gerar uma discriminação de ordem civil ou social para outros grupos religiosos [864] . A visão das relações entre os Estados e as organizações religiosas, promovida pelo Concílio Vaticano II, corresponde às exigências do Estado de direito e às normas do direito internacional [865] . A Igreja é bem consciente de que tal visão não é aceite por todos: o direito à liberdade religiosa, infelizmente, «é violado por numerosos Estados, até ao ponto que dar, ou fazer dar, ou receber a catequese passa a ser um delito passível de sanção» [866] .

 

B) IGREJA CATÓLICA E COMUNIDADE POLÍTICA

 

a) Autonomia e independência

 

424 A Igreja e a comunidade política, embora exprimindo-se ambas com estruturas organizativas visíveis, são de natureza diversa quer pela sua configuração, quer pela finalidade que perseguem. O Concílio Vaticano II reafirmou solenemente: «No terreno que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes e autônomas» [867] . A Igreja organiza-se com formas aptas a satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis, ao passo que as diversas comunidades políticas geram relações e instituições ao serviço de tudo o que se compreende no bem comum temporal. A autonomia e a independência das duas realidades mostram-se claramente, sobretudo na ordem dos fins.

O dever de respeitar a liberdade religiosa impõe à comunidade política garantir à Igreja o espaço de ação necessário. A Igreja, por outro lado, não tem um campo de competência específica no que respeita à estrutura da comunidade política: «A Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática, mas não é sua atribuição manifestar preferência por uma ou outra solução institucional ou constitucional» [868] e tampouco é tarefa da Igreja entrar no mérito dos programas políticos, a não ser por eventuais conseqüências religiosas ou morais.

 

b) Colaboração

425 A autonomia recíproca da Igreja e da comunidade política não comporta uma separação tal que exclua a colaboração entre elas: ambas, embora a títulos diferentes, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens. A Igreja e a comunidade política, com efeito, se exprimem em formas organizativas que não estão serviço delas próprias, mas ao serviço do homem, para consentir-lhe o pleno exercício dos seus direitos, inerentes à sua identidade de cidadão e de cristão, e um correto cumprimento dos correspondentes deveres. A Igreja e a comunidade política podem desempenhar «tanto mais eficazmente este serviço para o bem de todos quanto mais cultivarem entre si uma sã colaboração, tendo em conta as circunstâncias de lugar e de tempo» [869] .

 

426 A Igreja tem o direito ao reconhecimento jurídico da própria identidade. Precisamente porque a sua missão abraça toda a realidade humana, a Igreja, sentindo-se «real e intimamente solidária do gênero humano e da sua história» [870] , reivindica a liberdade de exprimir o seu juízo moral sobre tal realidade, todas as vezes que a defesa dos direitos fundamentais da pessoa ou da salvação das almas assim o exigirem [871] .

A Igreja, portanto, pede: liberdade de expressão, de ensino, de evangelização; liberdade de manifestar o culto em público; liberdade de organizar-se e ter regulamentos internos próprios; liberdade de escolha, de educação, de nomeação e transferência dos próprios ministros; liberdade de construir edifícios religiosos; liberdade de adquirir e de possuir bens adequados à própria atividade; liberdade de associar-se para fins não só religiosos, mas também educativos, culturais, sanitários e caritativos [872] .

 

427 Para prevenir ou apaziguar os possíveis conflitos entre a Igreja e a comunidade política, a experiência jurídica da Igreja e do Estado tem delineado formas estáveis de acordos e instrumentos aptos a garantir relações harmoniosas. Tal experiência é um ponto de referência essencial para todos os casos em que o Estado tenha a pretensão de invadir o campo de ação da Igreja, criando obstáculos para a sua livre atividade até mesmo perseguindo-a abertamente ou, vice-versa, nos casos em que organizações eclesiais não ajam corretamente em relação ao Estado.